ENTREVISTA com Todd Poole (Roxy Blue): “Queriam que nós fôssemos o próximo Van Halen!”

 


Fui claro e forte na minha resenha publicada no Metal Na Lata em agosto de 2019 (leia na íntegra aqui): “Vinte e sete anos separam o hoje clássico cult ‘Want Some?’ (1992) deste autointitulado segundo álbum do Roxy Blue, mas nem parece. Isso porque a banda, agora com Jeffery Wade Caughron no lugar de Sid ‘Boogie’ Fletcher, atualmente um odontologista de sucesso, na guitarra, em nada sofreu com a mudança. Todd Poole (vocais), Josh Weil (baixo) e Scott Tramell, o outrora Scotty T. (bateria) portam o estandarte com vigor semelhante ao de três décadas atrás, mas não se restringem aos grilhões do passado glorioso que poderiam ter tido [...] Que o tempo se encarregue de assegurar a ‘Roxy Blue’ a exaltação merecida: muito mais do que uma simples volta dos que não foram, o álbum diz em alto e bom som que a banda voltou para ficar. Ótima reestreia.” Pouco mais de um ano e muitas tentativas de conciliar um horário depois, bati um papo com Todd, que de sua casa em Memphis, Tennessee, falou sobre o passado, o presente e o futuro do Roxy Blue – com direito a uma mudança na formação da banda. Boa leitura!


Transcrição: Gustavo Maiato

Fotos: Divulgação / Fanpage da banda no Facebook


Marcelo Vieira: Já que o novo álbum é autointitulado, isso significa que o “redescobrimos nosso estilo” se aplica? Musicalmente falando, ele tem muito pouco em comum com “Want Some?” ou mesmo com as demos lançadas pela FnA Records em 2013.

Todd Poole: Certa vez, o Scott me disse, “Isso não soa como o velho Roxy Blue, as pessoas podem ficar iradas com isso.” De fato, esse foi o feedback de muitas pessoas. Só que assim, eu não quero mais fazer músicas como as de antigamente, simplesmente porque não sou mais aquele cara. Em 1992 eu era, mas agora tenho uma família, minha vida é completamente diferente. Aquela coisa de sexo, drogas e rock ‘n’ roll não me pertence mais. Ampliei minhas influências e expandi meus horizontes como compositor. Não quero rebobinar a fita e tentar soar como nos anos 80. O que escrevo vem da alma, por mais clichê que isso soe. As pessoas reconhecem quando a coisa é forçada. Espero não apenas surpreender positivamente os meus fãs mais antigos como também conquistar novos fãs. Nosso último disco representou um grande salto para nós. Não um salto como os que eu costumava dar sobre o palco antigamente; apesar de estar em boa forma, não vou sair mais dando saltos por aí! [risos]


MV: O típico fã de hard rock tende a ser conservador no gosto musical e rejeitar artistas que se reinventam lançando mão do velho argumento de “isso deveria ter sido lançado com um nome diferente”.

TP: Ouvimos isso. “Isso é Todd Poole solo, não Roxy Blue”. No passado, Sid e eu escrevemos a maioria das músicas. Mas não somos mais um time, e eu preciso seguir em frente. Cresci como compositor, não posso voltar atrás. Muitas bandas boas arriscaram tudo tentando se reinventar. Se vai dar certo ou não, eu não sei. O Roxy Blue só teve um disco, então não é como se tivéssemos uma discografia extensa que nos definisse musicalmente. Você precisa gravar alguns discos para obter essa definição. Dito isso, acho que o novo disco do Roxy Blue traz alguns elementos do anterior, como o solo de “Blinders”. Tem um pouco de atitude punk, também, ao contrário do “Want Some?”. Amo o Mike Clink, mas acho o som muito comportado.


MV: Então, na sua opinião, o “Want Some?” não envelheceu bem?

TP: Olha, eu sinto muito orgulho desse disco. Foi uma grande época da minha vida, nos colocou em evidência. Ainda gosto dele, de como ele soa. Mas aquela abordagem não me pertence mais. Acho que isso tem muito a ver com o Sid. Quando Jeffery se juntou à banda, achei ótimo ele não tentar imitar o estilo do Sid. Jeffery tem um estilo próprio. Acho o “Want Some?” um bom disco, mas não somos mais aquela banda, então não precisávamos fazer uma parte dois daquele disco. 



MV: Sid é um cara mais Vito Bratta ou Eddie Van Halen, né?

TP: Acredite se quiser, as maiores influências dele eram o Steve Morse, na época do Dixie Dregs, e o Roy Clark! É sério! Ele até gosta de Van Halen, mas a razão pela qual ele toca parecido com o Eddie é que logo que eu conheci ele, ele quebrou a mão direita e o médico disse que ele talvez nunca mais pudesse tocar guitarra. Incapaz de aceitar isso, ele se trancou em seu quarto e tentou tocar usando apenas a mão esquerda. Ele aprendeu muita coisa dessa forma. Quando sua mão direita se recuperou, ele incorporou isso ao estilo dele, unindo o melhor de dois mundos. 


MV: O Sid ouviu o último disco?

TP: Acho que sim, mas não perguntei. Ele mandou uma mensagem depois que lançamos o clipe de “How Does It Feel” dizendo “bom trabalho, mandaram bem”. Então essa, pelo menos, eu sei que ele ouviu. Curiosamente, foi a última música que escrevi para o disco.


MV: A indústria do entretenimento inteira foi prejudicada pela crise do coronavírus. O que você tem feito já que não tem podido tocar ao vivo?

TP: Já compus várias músicas para o nosso novo álbum. Tínhamos muitos shows legais marcados e todos ou foram cancelados ou remarcados para 2021. O que você faz para se manter ocupado? Compõe. 


MV: Então vai rolar um novo álbum do Roxy Blue. Vai sair pela Frontiers Records também?

TP: Não faço ideia ainda. Adoraríamos que sim, afinal ela financia toda a gravação, o que é ótimo, mas não sei em que pé as coisas estão no momento. 


MV: Sinto que bandas “menores” como o Tora Tora e o Roxy Blue sofrem de uma leve falta de promoção em alguns aspectos. É como se a Frontiers lançasse o disco e depois dissesse, “Agora é com vocês!”, redirecionando os esforços para a banda seguinte...

TP: Concordo com você, mas eu já estava ciente disso desde o começo. Fui avisado que a Frontiers me daria todas as ferramentas, lançaria o disco e veria o que acontece. Eles têm um elenco enorme, investem muito dinheiro, descolam entrevistas, mas partem logo para a banda seguinte. Não ligo para isso, os tempos são outros. Mas a Frontiers é a “culpada” pela volta do Roxy Blue. Recebemos um convite para tocar com Bret Michaels. Depois do show, a Frontiers entrou em contato querendo assinar com a gente. Assinamos. Somente o fato de que eles financiariam tudo já foi um baita incentivo. A novidade é que estamos trocando de baterista. Jimmy Fulp, que gravou comigo as demos do novo álbum, é oficialmente o novo baterista do Roxy Blue. Scott é ótimo, mas está em outra vibe agora, morando em Nashville, trabalhando em outras coisas.


MV: Ele está mais ligado na música country, né?

TP: Acho que sim. Ele ama o Roxy Blue, mas nós estamos em outra pegada. Na verdade, estamos soando mais pesados do que nunca. E nós queremos manter essa abordagem. O Scott é muito bom, sempre será parte da família, mas não quero pessoas que só tenham disponibilidade aos fins de semana e para ensaios um dia antes dos shows. Comprometimento para mim é isso, e tem que ser divertido para todos. Então, falei com Josh e Jeffery sobre isso e decidimos abrir o jogo com o Scott. Jimmy já está no estúdio. O novo disco será incrível, as músicas que escrevemos até agora são ótimas.



MV: Vamos voltar no tempo agora. Como era a cena de Memphis comparada com a de Los Angeles?

TP: Ótima pergunta. Foi a melhor época da minha vida. Quando o Roxy Blue começou, o Tora Tora já havia meio que estourado. Eles eram nossos amigos e já estavam na TV. Nós estávamos apenas começando. Memphis tinha sete ou oito casas de shows dedicadas ao rock. Nós tocávamos noite após noite até conseguir um contrato. As bandas locais eram explosivas. Tora Tora, Every Mother’s Nightmare e Roxy Blue eram o chamado Monstro de Três Cabeças de Memphis. A cena cresceu, nós três conseguimos contratos, mas tinha muita banda boa que permaneceu obscura. O Tora Tora estava gravando o disco “Wild America” quando fomos para Los Angeles. Mas em geral era assim: você fazia um show após o outro, as gravadoras saíam em busca de quem estava fazendo sucesso local, e não qualquer banda. A pessoa que ajudou a tornar tudo possível para nós foi o Jani Lane do Warrant. Nós tocávamos em um boteco sujo chamado Rascals. Uma noite, o Jani apareceu e veio trocar uma ideia comigo. Ele nos convidou para abrir para o Warrant. Disse que queria ajudar a gente porque curtiu muito o som. Depois, ele tentou fazer com que o empresário dele visse a gente. Depois de algumas idas a boates de striptease, nós obviamente fechamos com o empresário do Mötley Crüe. Mas foi o Jani que abriu as portas da indústria para a gente. Ele fez a maior propaganda, falando que nós éramos de Memphis, então os representantes das gravadoras começaram a dar as caras nos nossos shows. Representantes de outras duas estavam assistiram ao show na noite em que assinamos com a Geffen.

 

MV: Em que ano vocês assinaram com a Geffen?

TP: O disco saiu em 1992, então assinamos em 1991. Acho que foi no final daquele ano, na época do lançamento do “Nevermind”. Eles seguraram o [lançamento do] nosso disco por causa disso. Acho que todos já sabiam que tudo estava prestes a mudar. Lembro que ouvi a demo do Nirvana em Los Angeles e fiquei surpreso. Era esse o tipo de som que aconteceria. “Smells Like Teen Spirit” mexeu com a minha alma. A ascensão de Seattle decretou o fim do Hair Metal. Se bem que eu não acho que nós fôssemos Hair Metal; sabíamos tocar bem nossos instrumentos, não éramos apenas uns gatinhos, embora eu achasse que nós éramos bonitos! Quando chegamos a Los Angeles, fomos colocados em uma mansão com piscina, quadra de tênis, quadra de basquete, vista para o mar e tratamento VIP. Estávamos no mesmo barco de Guns N’ Roses e Mötley Crüe. Tínhamos Mike Clink produzindo a gente; ele estava trabalhando nos “Use Your Illusion” quando chegamos. Nosso empresário era o Doug Thaler, o mesmo do Mötley...


MV: Até o fotógrafo, Robert John, era o mesmo.

TP: Sim, nós usamos o mesmo pessoal, as mesmas salas de ensaio. Gravei os vocais de “Times Are Changin’” no mesmo estúdio em que o Guns N’ Roses gravou o clipe de “Patience”. Gravamos os solos de guitarra na casa do Steve Vai. Tommy Lee saía para passear com a gente. Gravamos algumas coisas no mesmo estúdio da Warner Bros. que o Van Halen gravou os dois primeiros discos. Tratamento VIP. Todos os lugares para os quais íamos havia pessoas nos acompanhando. Acho que nós não percebemos que por trás disso tudo havia uma enorme pressão. Eles nos diziam constantemente que nós seríamos astros do rock.


MV: Você acha que a gravadora tentou convencer vocês de que vocês seriam o próximo Guns N’ Roses?

TP: Não sei se a gravadora pensou isso, mas o Tom [Zutaut] queria que nós fôssemos o próximo Van Halen. Essa foi a visão que ele teve e isso nos proporcionou ótimos acordos financeiros. Nós estávamos bem na fita na época, especialmente o Sid e eu. Era muita pressão: tínhamos o empresário do Mötley e o produtor do Guns. Eles podiam muito bem querer que fôssemos o próximo Guns, mas fico feliz de não ter visto as coisas dessa forma na época, pois isso me assustaria ainda mais. Mas uma coisa é certa: o Roxy Blue não decepcionava. Nossos shows eram sempre ótimos; continuam sendo, aliás. Era para termos excursionado com o Mötley. Teria sido a nossa grande oportunidade. Mas as coisas são como são...



MV: Estar na mesma gravadora do Nirvana pode ter acelerado o fim das coisas para vocês?

TP: Sem dúvida, mas isso aconteceu em muitas outras gravadoras. Se você era de Seattle, seu emprego estava garantido. Infelizmente, estávamos na mesma gravadora que o Nirvana. Um segundo disco estava previsto em contrato, chegamos até a gravar as demos. Depois, nosso empresário nos informou que a gravadora não gastaria um centavo para promover o disco. Nós já estávamos liquidados, então era escolher entre gravar o disco mesmo assim ou fazer outra coisa. Nessa mesma época, recebi uma ligação do Jani Lane. Ele disse que um pessoal de Los Angeles estava à procura de um vocalista, mas que eu teria que sair do Roxy Blue. Tommy Lee e Doug Thaler disseram que eu tinha que me reinventar, e foi isso que eu fiz: formei o Saliva. Acho que o problema do Roxy Blue foi ter aparecido um ano e meio atrasado na cena. Mas de qualquer forma, foi uma época boa. Depois que a coisa desmoronou, foi difícil encontrar forças para me reerguer. Aí fiz uma banda chamada Rail...


MV: Com Patrick Francis, do Tora Tora.

TP: Alguém aí fez o dever de casa, hein? [risos] Foi uma banda divertida, fizemos shows com o Disturbed. A questão é que sempre me mantive ocupado, então sempre fui muito reticente quanto a trazer o Roxy Blue de volta. Ensaiamos um retorno várias vezes, mas somente agora senti que a coisa estava no ponto para dar certo. Josh ainda é um monstro no baixo; está tocando melhor do que nunca! Vamos ver o que o futuro nos reserva. No que depender de mim, farei música até o dia que eu morrer. Amo o que faço. 


MV: Em 2003, para a seção 20 Questions do Metal Sludge, ao ser perguntado qual banda de hard rock deveria se aposentar, você respondeu Great White. Dezessete anos se passaram. Você mantém a sua resposta?

TP: É sério que eu falei isso? Bem, não gosto muito de falar sobre a banda dos outros. Fiz um show com Jack Russell uma vez. Ele foi um cara muito, muito legal comigo, além de ser um ótimo cantor. Acredito que cenas vêm e vão no rock. Por exemplo, eu adoro o Dave Grohl. Gosto do jeito que ele faz música. Esse cara é como se fosse um mentor para mim. Admiro como ele lidou com as coisas após o fim do Nirvana, dando a cara a tapa e gravando um disco inteiro por contra própria. Eis um cara que eu gostaria de conhecer pessoalmente.


MV: Com essa coisa toda de capitalizar em cima de relançamentos, vocês têm planos para relançar o “Want Some?” ou mais compilações de material inédito?

TP: Já conversamos a respeito disso com a FnA Records. Infelizmente, pelo nosso contrato com a Geffen, tudo que podemos relançar são demos. Também discutimos isso com a Frontiers. Mas não há muito que possamos fazer. Não somos os donos do material. Mas quem sabe rola uma edição comemorativa quando o álbum fizer 30 anos...


MV: Minha última pergunta é sobre o saudoso Jimi Jamison. Pouca gente sabe, mas você é casado com a filha do homem. Como era ter alguém como ele na família? 

TP: Jimi era um ser humano maravilhoso, tinha um coração do tamanho do mundo. Ele sempre priorizava os outros antes de si. Ele foi muito mais do que um sogro para mim. E veja só, os dois primeiros LPs que comprei foram justamente o “Alive!” do KISS e um do Target, banda na qual Jimi era o vocalista! O batera dessa banda era tio do meu melhor amigo, que me apresentou o disco. Quando ouvi a voz do Jimi, falei para mim mesmo que seria cantor um dia. Os anos se passaram e eu virei fã do Cobra, comecei a conhecer melhor seus trabalhos. Participei de jingles e comerciais com ele. Desenvolvemos uma bela amizade. Quando o Roxy Blue estava gravando o “Want Some?”, calhou de o Jimi estar em Los Angeles trabalhando na trilha sonora de “Baywatch”. Ele deu um pulinho no estúdio e fez backing vocals em “Times Are Changin’”. Foram bons momentos. Somente muito tempo depois comecei a namorar sua filha, Amy, com quem sou casado e tenho uma filha. Ele me convidou para ser o batera na turnê que estava planejando antes de morrer. Ele morreu no dia do meu aniversário. Eu estava indo para a festa quando soube. Quanto à voz, era agradável de ouvir até quando ele falava. Acho que o que aprendi de mais importante com ele foi ser fiel a mim mesmo e ser humilde sempre. Sinto falta dele todos os dias, sua influência foi enorme em mim. Há fotos dele por toda a casa. Minha mulher adorava o pai. Era inspirador como ele amava cuidar das plantas, fazer trabalhos manuais e jogar pingue pongue. Ele amava a família e os fãs, e nunca falava muito sobre si; ele sempre dava um jeito de mudar de assunto. A saudade é imensa, mas ele permanece dentro de nós. Agradeço pelo tempo que pude passar com ele.



facebook.com/OfficialRoxyBlue


Comentários

  1. Inusitado encontrar entrevista com esse cara. o 1° deles realmente tem muita influência de Van Halen, mas esse último deles eu achei meio fraco. Não é por soar mais moderno, já que o recente do Spread Eagle cativa bem mais que este do Roxy Blue. Espero que lancem mais discos novos, e consigam alinhar mais o som.

    ResponderExcluir

Postar um comentário