ENTREVISTA: Michale Graves vislumbra reunião do Misfits e comenta filiação a grupo de extrema-direita


Michale Graves faz show único no Brasil neste sábado. Na presente turnê, denominada “American Monster II”, o ex-vocalista do Misfits apresenta na íntegra os dois álbuns que gravou à frente do grupo: “American Psycho” (1997) e “Famous Monsters” (1999)

Vale lembrar que a última vez do cara por aqui, em 2019, não terminou bem: alegando que a passagem pela América Latina foi um “pesadelo” por falhas da equipe que produziu seus shows, Graves abandonou a turnê no meio, “fugindo” para um resort nos Estados Unidos. 

Por último mas definitivamente não menos importante, em 2020 o vocalista se juntou ao grupo de extrema-direita Proud Boys, cujos líderes pró-Trump tiveram parte na invasão do Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro de 2021.

Tudo isso e muito mais no bate-papo abaixo.


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Divulgação


Como você está se sentindo faltando pouco tempo para voltar ao Brasil?

Estou empolgado! Gostaria até de aproveitar esta oportunidade para pedir desculpas a qualquer um que possa ter sido afetado pelo que aconteceu da última vez. Sinto muito. Realmente peço desculpas.


Embora a última turnê pelo país tenha tido um desfecho ruim, pode-se dizer que você se sente “em casa” aqui?

Sim, eu amo o Brasil! Já estive aí uma porção de vezes. Criei uma conexão e, cara, vocês são apaixonados por rock ‘n’ roll!


O que, na sua opinião, diferencia os fãs brasileiros dos fãs do resto do mundo?

Muitas coisas. A cultura, que, obviamente, tem um efeito direto nas pessoas e na maneira como elas permitem que a música as afete; a abertura e a liberdade de se permitirem expressar esse amor e participar da música. Aqui nos Estados Unidos, muitas pessoas [que vão aos shows] não se soltam, são meio “travadas”, sabe? No Brasil não é assim. 


A turnê se chama “American Monster II”, numa óbvia referência aos dois discos que você gravou com o Misfits nos anos 1990. Pressuponho que o repertório conte com ambos os álbuns tocados na íntegra, certo?

É isso aí.


Esta será a segunda e última vez que você fará uma turnê com shows nesse formato?

Acho difícil. Eu adoraria focar apenas no meu material solo, mas entendo o quanto as pessoas amam esses discos e o fato de ainda quererem ouvir essas músicas. É desafiador para mim cantá-las, e é sempre maravilhoso, uma bênção e uma honra. Se houver demanda, continuarei fazendo esse show no ano que vem. Mas espero que no futuro eu possa cantar essas músicas com Jerry [Only, baixista do Misfits] e Doyle [Wolfgang von Frankenstein, guitarrista do Misfits] novamente. Isso seria incrível. 


Está nos planos uma reunião com eles?

Não, estou dizendo isso na esperança de que algo assim aconteça. Todo mundo gostaria de ver isso e eu gostaria de fazer parte disso. Então, quem sabe...



Recentemente entrevistei o Doyle e a única pergunta que ele se recusou terminantemente a responder foi sobre a era Graves no Misfits. Vou, portanto, fazer a você a mesma pergunta que tentei fazer a ele. Você acha que a história poderia ter terminado de forma diferente se escolhas diferentes tivessem sido feitas por ambas as partes?

Definitivamente. Pelo menos de minha parte, se eu tivesse tomado decisões diferentes, mais maduras e objetivas, a história poderia ter sido outra. E, de fato, se Doyle, Jerry e todos os envolvidos tivessem tomado decisões diferentes, o desfecho teria sido outro. Sei que muitas coisas que eu estava fazendo e muitas das decisões que eu tomava não eram necessariamente as certas, e eram reações muito imaturas a coisas que, se mais objetividade fosse aplicada a elas, talvez eu tivesse feito melhores decisões que teriam levado a um desfecho mais positivo. Mas é aquilo: Deus trabalha de maneiras misteriosas. Quando você olha para trás e pensa se talvez tivesse feito isso ou aquilo, tudo seria incrível, né? Talvez nossas vidas tenham sido salvas. Talvez minha vida tenha sido salva por não seguir o caminho que estava seguindo. Sei lá. Eu meio que gostaria que as coisas tivessem terminado de forma diferente porque eu amo esses caras, sinto falta de criar com eles e, acima de tudo, sinto falta de tocar com eles. E isso é o mais triste daquela situação: éramos tão bons juntos, uma potência tão majestosa de criatividade e música, imagens e sons, que é lamentável termos chegado tão longe para tão somente a coisa toda sair dos trilhos.


Bem, Jerry e Doyle toparam uma reunião com Glenn Danzig [vocalista original do Misfits]. Por mais que Doyle diga que a principal motivação tenha sido os fãs, eu duvido que a turnê “The Original Misfits” não fosse financeiramente interessante para eles ... 

O dinheiro sempre motiva as pessoas, e certamente haveria uma boa grana envolvida. Todos nós ganharíamos bem. Mas não sei se eles precisam ganhar muito dinheiro ou se necessariamente gostariam de ganhá-lo comigo. Não é segredo para ninguém que sou um para-raios de encrenca e que às vezes é muito difícil ser associado a mim. Dito isso, espero que eles, por saberem quem eu sou, por me conhecerem de verdade, sejam capazes de enxergar e dar aos fãs a oportunidade de nos verem juntos e nisso me darem a oportunidade de fazer a coisa certa dessa vez.


Citei anteriormente que a última turnê por aqui teve um desfecho ruim. Na época, você alegou que a passagem pela América Latina foi um “pesadelo” por falhas da equipe que produziu os seus shows. Que falhas exatamente foram essas?

Em primeiro lugar, eu não queria ter feito aquela turnê. A agência que me representava marcou essas datas sem o meu consentimento. Fui descobrindo muita coisa por acaso, só de trocar ideia com outras pessoas envolvidas. O nível de profissionalismo era baixíssimo, se é que houve qualquer profissionalismo. Muita cocaína sendo cheirada nos bastidores. Eram essas as pessoas que deveriam estar tomando conta de mim, da minha carreira e do meu dia a dia. Em determinado momento, antes de chegarmos ao Brasil, precisei de oxigênio para terminar o show. Saí do palco na Colômbia numa cadeira de rodas, me sentindo péssimo. Fui nocauteado física e mentalmente. As pessoas totalmente drogadas, indiferentes e incapazes de me comunicar os detalhes mais simples do itinerário. Daí cansei. Decidi voltar para casa de uma maneira abrupta para procurar ajuda médica. Foi horrível, eu sei, e, novamente, peço desculpas. Mas, no fim das contas, o mais importante é a minha saúde; poder voltar para casa, para minha família, são e salvo. E foi isso que eu fiz. 


Assisti ao show no Rio de Janeiro e aquela noite foi muito divertida. Eu nunca poderia imaginar o que estava rolando nos bastidores.

Foi difícil, mano. Foi a turnê mais difícil que já fiz. E olha que passei por algumas bem difíceis...



Numa das suas vindas anteriores ao Brasil, você veio acompanhando Marky Ramone num show em tributo aos Ramones. Eu gostaria que você falasse da importância dos Ramones na sua formação musical e como foi dividir o palco com um cara que integrou os Ramones.

Eu amo os Ramones. Foi a primeira banda que curti quando moleque. Sempre fez parte do meu DNA musical. Tenho um grande respeito por esses caras. Joey e eu éramos amigos. Então, quando tive a oportunidade de sair em turnê com o Marky e tocar essas músicas, foi um dos pontos mais altos da minha carreira. Tipo, aqui estou eu cantando essas músicas que vieram do coração do Joey, que vieram do coração do Dee Dee, então levei tudo muito a sério e encarei como uma grande responsabilidade ser um ótimo intérprete e cantar as músicas de uma maneira realmente excelente que honraria Joey, Johnny, Dee Dee e Marky. E Tommy, é lógico .


Além dos Ramones, que outras bandas compõem o seu panorama musical?

Essa é uma boa pergunta. Geralmente é aqui que os meus fãs ficam de cara. “Como assim?” [Risos] Nasci em 1975 e minha mãe ouvia música o tempo todo, então eu amo o pop do final dos anos 1960 e 1970. Amo o rock dos anos 1980 também. Eu tinha 10, 12 anos na época, então amava Ozzy Osborne, Iron Maiden, Rolling Stones, David Bowie, Sex Pistols, Sisters of Mercy, Depeche Mode, U2, Guns N’ Roses...



Bem, já que você mencionou os seus fãs, minha próxima pergunta tem a ver com eles. Em 2020, você se juntou ao Proud Boys. Minha pergunta é: você não acha muito arriscado assumir publicamente uma posição desse tipo sabendo que isso pode fazer alguns dos seus fãs, inclusive no Brasil, deixarem de gostar do seu trabalho?

Sim, eu certamente avaliei os riscos quando me juntei ao grupo. Sabia que haveria conflitos. Mas a natureza do punk rock e do rock como um todo é o conflito; e não estou falando de conflito físico, mas o conflito de ideias, que é o que importa. Para o mundo funcionar, todo mundo tem que ouvir uns aos outros e saber lidar com ideias conflitantes. O problema é que definições como “proud boy”, “cristão”, “pró-Trump” viram uma chave na cabeça das pessoas e elas o classificam segundo uma política de identidade. Qualquer pessoa que me conheça ou tenha trabalhado comigo sabe que sou muito aberto e sem papas na língua. Todos sempre podem me perguntar o que quiserem que responderei na maior calma. Mas essas acusações que foram feitas contra mim, de ser nazista, de odiar gays, minorias, imigrantes, negros? Isso não é verdade. Nesse sentido, sou muito mais um hippie do que um punk. O que me levou a me juntar [ao Proud Boys] foi querer dar continuidade a um trabalho que eu já fazia antes mesmo de entrar no Misfits. Quando entrei no Misfits, ainda havia skinheads, caras ligados ao white power, indo aos shows. Naquela época, trabalhei de maneira produtiva para, antes de tudo, conter a violência e impedir que as pessoas se machucassem. É esse o trabalho que retomei em 2020 e sigo tentando fazer até hoje. Um clima de guerra havia tomado conta das ruas. Pessoas estavam se ferindo, sendo mortas. Proud Boys de um lado, Black Lives Matter de outro. Muita gente não sabe porque não é noticiado, mas teve gente de ambos os grupos se reunindo e tentando chegar num denominador comum. Olhando uns nos olhos dos outros e tentando encontrar maneiras de sanar o que vinha acontecendo. 


Deixe-me ver se entendi: então você se juntou ao Proud Boys para ser uma espécie de mediador? Tipo, por você ser uma pessoa pública, talvez pessoas de ambos os lados te ouçam?

Muitas cidades aqui nos Estados Unidos vinham sendo palco de tumultos e destruição por parte de movimentos como o Black Lives Matter e o Antifa. O Proud Boys atua mais no campo ideológico, sem qualquer participação na violência que vinha tomando conta do país. Eu já conhecia pessoas do alto escalão do grupo, e outras coisas que aconteceram me levaram a ingressar. Me juntar ao Proud Boys foi a minha maneira de dizer que este é o lado que escolho; o lado da não violência. Foi também como uma forma de representar o grupo e as pessoas daquele grupo para os mais jovens que também se identificam com essa ideologia; chegar até eles e ser uma espécie de líder e mentor para eles, para que não usem da violência e tomem as decisões certas. Muito do meu trabalho se dá no campo espiritual. Sou um cristão convertido, aceitei Jesus Cristo como meu Senhor e Salvador. Então me sento com muitos desses jovens para conversar sobre espiritualidade, tomada de decisões e também coordenar, com membros do Black Lives Matter e Antifa, essa coisa de que a violência tem que parar. Chega de assassinatos nas ruas. 



Você disse que se converteu ao cristianismo. Podemos esperar que essa nova maneira de viver se manifeste na sua música?

Se você prestar bastante atenção, verá que isso já se manifesta na minha música. Mas estou iniciando algo chamado Monster Ministry [Ministério dos Monstros], para ajudar jovens e adultos a encontrar seu caminho. Veja, no punk rock, basta dizer a palavra “Jesus” para que as pessoas fiquem “O quê?”. Então vou trabalhar para mudar isso por meio do Monster Ministry e dar àqueles que me ouvem uma ideia de o que [o cristianismo] se trata. Igreja pode ser algo divertido!


Em relação a músicas, o que podemos esperar de você em 2023? 

Estou trabalhando em algumas colaborações com outros artistas, então haverá músicas novas com certeza. Tenho planos de filmar um roteiro que escrevi. Quero muito entrar nesse meio, algo parecido com o que Rob Zombie e Glenn Danzig fazem. Tenho muita vontade de produzir audiovisual. Estou trabalhando também em uma ideia maluca para um teatro de marionetes, uma ideia que tenho para um show infantil e, obviamente, há música anexada a todos esses projetos.


Bacana. Bora encerrar com um recado para os fãs?

Meu recado é: venham celebrar com todos os outros que estarão lá. Celebremos como indivíduos e coletivamente a música do Misfits, que veio de mim e daqueles caras e que afetaram a todos nós e, por qualquer motivo, faz parte de nossas vidas até hoje. Venham, cantem e dancem e vamos fazer uma noite incrível de alegria que reverbere o mais longe que pudermos, e vamos todos nos divertir muito. Eu amo todos vocês.



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