Você conhece Demons, The Humpers, New Bomb Turks, Dead Moon, The Bellrays ou Gaza Strippers? Se sim, parabéns! Confesso que, até receber uma cópia de “Head Off” — álbum de regravações lançado pelo Hellacopters em 2008 como uma despedida temporária, agora finalmente disponibilizado no Brasil pela Shinigami Records — eu nunca tinha sequer ouvido falar dessas bandas.
Talvez eu devesse explorar mais a cena punk sueca dos anos 1990 ou o garage rock americano dos anos 1980. Ou talvez todos devêssemos, segundo Nicke Andersson e seus comparsas — já que a proposta do disco é justamente jogar luz sobre nomes obscuros que influenciaram a banda ao longo da carreira.
O repertório incomum tem suas vantagens: ao evitar covers de medalhões, o Hellacopters escapa da armadilha de parecer apenas mais uma banda fazendo versões medíocres de clássicos — embora, sendo sincero, duvido que isso acontecesse. E quando não há referência anterior, a sensação é de estar ouvindo um disco de inéditas.
Crueza, distorção, melodias cativantes, refrões grudentos e, claro, aquele toque de classic rock com pianos certeiros e backing vocals que fazem a gente querer cantar junto — tudo está aqui. São 36 minutos de pura energia que passam voando, pedem replay imediato e cujo destaque absoluto vai para “Another Turn”, que me obrigou a correr atrás de descobrir quem diabos é The Maharajas.
House of Lords – “Full Tilt Overdrive”
O House of Lords é um bom exemplo de trabalho remoto — antes mesmo de isso se tornar o “novo normal” no mundo pós-pandemia. Desde 2005, James Christian (vocais), Jimi Bell (guitarra) e os músicos de base da vez não se reúnem para compor ou gravar. As letras, aliás, contam com contribuições de parceiros externos. Como revelou Bell em entrevista a este jornalista: “A família é grande. Até a esposa do James, [a cantora] Robin Beck, colabora de vez em quando”. O nome dela, inclusive, aparece nos créditos de “Full Tilt Overdrive”, décimo segundo álbum da banda, lançado no Brasil pela Shinigami Records.
Mas quem mais chama a atenção na ficha técnica é Mark Mangold — compositor, tecladista e, por que não, hitmaker. Com passagens por bandas como Touch e Drive, She Said, além de ter coescrito o hit “Fool’s Game”, de Michael Bolton, Mangold se tornou o braço direito de James. Com Jimi cada vez mais envolvido com o injustamente criticado Autograph Beyond, sua ascensão à coautoria se deu de forma natural.
Na prática, porém, “Full Tilt Overdrive” mantém a fórmula clássica do House of Lords: um produto típico do “som da Frontiers”, com produção milimetricamente polida e decisões estéticas calculadas para atingir o resultado mais cristalino possível — ainda que isso custe uma certa organicidade.
Os refrães são grudentos, os solos impressionam e a suntuosidade, ainda que fabricada, conquista até os ouvintes casuais. Para quem está conhecendo agora, é um prato cheio. Já para os fãs de longa data, o disco corre o risco de ser ofuscado por trabalhos anteriores que ainda surpreendiam dentro da proposta — como o insuperável “Come to My Kingdom” (2008).
Powerwolf – “Wake Up The Wicked”
Músicas memoráveis, arranjos grandiosos, um universo lírico imaginativo e uma presença de palco que beira o teatral — não é por acaso que o Powerwolf foi uma das atrações principais do Bangers Open Air. Se você é fã de metal, independentemente do subgênero, vale muito a pena conhecer o trabalho da banda.
E não há porta de entrada melhor do que “Wake Up The Wicked”, décimo álbum de estúdio dos alemães, lançado no Brasil pela Shinigami Records. O disco reforça a identidade sonora da banda — formada por Matthew e Charles Greywolf (guitarras), Falk Maria Schlegel (teclados), Roel van Helden (bateria) e o carismático vocalista Attila Dorn — com hinos como “Bless ‘em With the Blade” e “Sinners of the Seven Seas”, que sintetizam bem as marcas registradas do grupo ao longo das 11 faixas.
Mas o ponto alto talvez seja “1589”, single com pegada à la Blind Guardian, inspirado na história real de Peter Stumpp, o “lobisomem de Bedburg”. A letra narra, com detalhes sombrios, a perseguição, captura e execução do suposto assassino e praticante de bruxaria e canibalismo no século XVI. “A legend beyond your time” (“Uma lenda além do seu tempo”), canta — ou sentencia — Dorn.
Entre o épico e o grotesco, “Wake Up The Wicked” mostra um Powerwolf maduro, fiel à própria fórmula e ainda assim capaz de surpreender.
Stryper – “When We Were Kings”
Em conversa com este que vos escreve, Michael Sweet — vocalista e guitarrista do Stryper — revelou detalhes sobre seu processo criativo. “Simplesmente me sento e começo a compor, com a meta de concluir uma música por dia. Após 12 dias, tenho 12 músicas”, contou.
Conhecer esse método ajuda a entender “When We Were Kings”, lançado no Brasil pela Shinigami Records. Apesar do entusiasmo habitual de Sweet, o décimo segundo álbum de estúdio do Stryper talvez seja o mais fraco da sequência iniciada em “No More Hell to Pay” (2014), cujo ápice, ao menos para este resenhista, foi o poderoso “God Damn Evil” (2018).
Ao longo das 11 faixas, fica claro que, embora ainda conte com três membros da formação original, o Stryper tornou-se, essencialmente, uma extensão da visão de Michael Sweet — que parece cada vez mais próximo de fundir sua carreira solo com a da banda. As sonoridades estão cada vez mais homogêneas, e o Stryper leva leve vantagem apenas graças às contribuições discretas de Oz Fox (guitarra), Perry Richardson (baixo) e Robert Sweet (bateria).
Michael assina todas as composições e também a produção do álbum. E, cá entre nós, não duvido que tenha opinado até na concepção da capa — que, com um Jesus musculoso e angelical, é tão esquisita quanto a sensação de “já ouvi isso antes, só que melhor” que fica após os 45 minutos de audição.
Em todos esses anos acompanhando a banda, é a primeira vez que um disco do Stryper me deixa indiferente — e isso, confesso, é preocupante.
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