REVIEW: Electric Mob – “Discharge” (2020)


 

 Electric Mob – “Discharge”

Lançado em 12 de junho de 2020

Hellion Records – NAC. – 47min

 

A primeira vez que li o nome Electric Mob, dada a quantidade de bandas de stoner rock que surgem a todo instante, pensei com meus botões: “lá vem mais uma tentativa antecipadamente frustrada de ser o novo o Black Sabbath.” Ao ver nas fotos promocionais que o visual não poderia ser menos riponga – como se vestir roupa velha fosse assegurar a credibilidade antes da música –, tive a certeza de que essa rapaziada era do hard.

 

Mas não do hard convencional, engessado num passado em que incorporar influências diversas e pensar fora da caixinha era motivo para que os fãs, ortodoxos em sua maioria, perdessem a fé e o interesse; do hard “moderno” (no bom sentido), atualizado, jovem, livre de preconceitos e das extravagâncias de outrora. Hard que não busca inspiração em nenhuma outra realidade que não a própria e, por isso, não soa fajuto, forçado ou gasto.

 

“Discharge”, paulada de estreia dos curitibanos do Electric Mob, chegou às plataformas digitais no último dia 12, mas as prévias, liberadas com parcimônia no decorrer dos últimos meses, já demonstravam que Renan Zonta (vocais), Ben Hur Auwarter (guitarra), Yuri Elero (baixo) e André Leister (bateria) eram caras diferenciados numa cena – sim, ela existe – cada vez mais homogênea em se tratando de hard.

 

Os quatro não negam que suas principais influências são grupos cujo auge se deu três décadas atrás; vide os covers recentes gravados para “It’s So Easy”, do Guns N’ Roses, e “Quicksand Jesus”, do Skid Row. Ao mesmo tempo, não se fazem de rogados ao incorporar elementos modernos e oriundos de outros gêneros à receita, oferecendo ao ouvinte um frescor, uma alternativa válida aos hards do tipo “mais do mesmo”.

 

Zonta, cria do reality The Voice Brasil, é talvez o grande destaque individual. Gente poderosa da indústria fonográfica o chama de “melhor vocalista do país”. Sua voz aparece na mais recente empreitada do sueco Magnus Karlsson. Impressiona em Zonta não só seu alcance, mas também sua capacidade interpretativa, fruto de muito estudo autodidata e muitas horas ouvindo desde Ronnie James Dio até metal extremo.

 

Já Ben Hur protagoniza o próprio épico bíblico com uma predileção por timbragens vintage e pela simplicidade eficaz da escala pentatônica; seus riffs e solos seguem e escola de Billy Gibbons, Joe Perry e outros que são rock por excelência, mas com tempero de blues e country e plena consciência de que a guitarra é o órgão sexual do rock. O baixo de Elero é técnico e preciso, fugindo do padrão “cabeça de nota” típico do hard oitentista médio. E André é um baterista que, como poucos, sabe dosar pancadas e nuances, imprimindo sua assinatura no detalhe, como fazem os grandes.

 

A breve introdução “awaken” assenta o terreno para “Devil You Know”, que é o Lynyrd Skynyrd de “God & Guns” (2009): um preparado Southern para um público que não sente vergonha de admitir que pertenceu à geração MTV Brasil. “King’s Ale” soa ainda mais retroativa e setentista. Já “Far Off”, com seu riff de abertura idêntico à um carro dando partida e o vocal subindo rumo à estratosfera, justifica-se como escolha para videoclipe. Ah sim, o solo é Slash puro, bem como é o de “your ghost”, que sinaliza o meio do percurso com referências que dependendo da idade do ouvinte poderão ir de Johnny Cash a Noel Gallagher. E como não amar acordes com sétima e preenchimentos com slide guitar?

 

Apesar da curtíssima duração (2:37), “Upside Down” (outra que tem clipe) não dá a impressão de experimento em fase de testes, ao contrário de “Gypsy Touch”, que parece ter sido aprovada ainda no layout e empalidece se comparada às suas sucessoras, em especial a canastrona “Higher Than Your Heels”, novo hino nacional das “casas da luz vermelha” da capital paranaense. A dobradinha final “Brand New Rope” e “We Are Wrong” segura o placar, uma vitória de goleada, até os acréscimos, representados, na edição japonesa, por uma releitura acústica de “Devil You Know”.

 

Fora tudo isso, “Discharge” carrega em seu âmago a tarefa hercúlea de espantar de vez do hard rocker brasileiro aquela síndrome de vira-lata, responsável por discursos prontos que não poderiam ser menos verídicos, como “é impossível gravar no Brasil algo de padrão gringo”. Bem, sem saber que era impossível, o Electric Mob foi lá e fez. E fez tão bem-feito que sua estreia está saindo com o selo Frontiers Records, a gravadora de maior referência em termos de hard rock na atualidade.

 

Num mundo ideal, a repercussão do álbum colocaria o Brasil no mapa dos ouvintes de hard mundo afora. Se o fizer, é melhor todas as bandas daqui já irem se preparando, comendo muito feijão com arroz, pois o Electric Mob, mais do que um excelente grupo, é, sim, um objetivo a ser alcançado, no mais amplo espectro possível. Top 10 de 2020 fácil, fácil.

 

Texto originalmente publicado no site Metal Na Lata em 24 de junho de 2020.

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