REVIEW: Glenn Hughes – Circo Voador, Rio de Janeiro, 29 de abril de 2018


Foto: Daniel Croce

Quando ouviu “Highway Star” pela primeira vez, Glenn Hughes pensou “Ok, mas esse tipo de rock não foi feito para mim”. Só que, aos 21 anos, juntar-se ao Deep Purple foi uma oferta a qual ele não podia recusar. Hughes ficou na banda de 1973 a 1976, tendo participado de três álbuns nos quais tocou o baixo e dividiu os vocais com o também estreante David Coverdale na que muitos consideram a melhor formação do Purple. Por mais que material da chamada Mk3 sempre tenha sido uma constante no repertório solo de Glenn, nunca antes o músico embarcou numa turnê tocando e cantando somente essas músicas. Intitulado Classic Deep Purple Live, o giro teve início em setembro de 2017 na Austrália e desembarcou na América do Sul no último dia 12, chegando ao Rio de Janeiro no domingo passado.

Sobre o palco, tudo o que se via eram os anos 70: da timbragem dos instrumentos à indumentária dos músicos — com exceção do batera Fer Escobedo, chileno, 25 anos, mais alinhado com a estética “Randy Castillo em tempos de Ozzy” que qualquer outra coisa. O próprio show era conduzido como se os mil e poucos que praticamente lotavam a área coberta do Circo Voador estivessem chapados de erva vietnamita pesada, mescalina ou coca: a iluminação majoritariamente em tons de roxo, somada à fumaça espessa e incessante que mais parecia um nevoeiro de subida de serra materializava a “Purple Haze” da canção de Hendrix – para desespero dos fotógrafos e para o riso frouxo de uma meia dúzia de coroas com o baseadinho na boca.

No repertório, foco total em “Burn” (1974) e “Come Taste the Band” (1975). O primeiro, por ser o clássico supremo da Mk3, comparece com cinco de suas nove músicas: “Might Just Take Your Life” (e seu grandioso riff de órgão), “Sail Away” (a resposta do Purple a “Superstition” de Stevie Wonder — que, certa vez, descreveu Glenn Hughes como “meu cantor branco favorito”), “You Fool No One” (convertida em uma jam de mais de 20 minutos, violando a regra que diz que solos de bateria intermináveis só são permitidos se você for John Bonham e estiver diante de um Madison Square Garden entupido de gente em 1973), “Mistreated” (talvez a mais intrinsecamente associada à Hughes, por mais que este não tenha participado de sua composição) e a faixa-título, no encerramento mais incendiário — sem envolver propriamente fogo — que você respeita.

De “Come Taste the Band” foram três: “Gettin’ Tighter” (cujo riff é um atestado da munheca talentosa do finado Tommy Bolin), “You Keep on Moving” e “This Time Around”, que, limada a ode a Gershwin da gravação original, restringiu-se ao discurso riponga de amor eterno e deu pano para a manga de outros bla-bla-blás good vibes: “amem o planeta”, “respeitem a natureza” e toda a sorte de positividade que só roqueiros da velha guarda metidos a ecologistas são capazes de proferir. Pobre de “Stormbringer” (1974), que com o corte inexplicável e inadmissível de “Holy Man”, teve em sua faixa-título a única representante.

Até os perdidões que não faziam a mínima ideia da magnitude do que estavam presenciando tiveram motivos para voltar para casa com uma boa impressão graças à inclusão de “Smoke on the Water” e “Highway Star” na reta final. Não há ser vivo que não conheça pelo menos uma delas. Até meu irmão caçula, cuja rotina se resume ao videogame, sabe do que se trata. E faz 100% em “Smoke” no modo Expert no Guitar Hero.

Texto originalmente publicado na Rock Brigade Magazine em 2 de maio de 2018.

Comentários