REVIEW: Richie Kotzen – Teatro Rival, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 2014


Foto: Daniel Croce

Num passado muito distante, Richie Kotzen tocou no Poison. Entrou substituindo um C.C. Deville que parara de funcionar devido ao efeito do álcool. Tocou também no Mr. Big, gravando os álbuns “Get Over It” (1999) e “Actual Size” (2001), que contém “Shine”, último grande hit do grupo. Retomou a carreira solo – antes do Poison, era só mais um virtuoso do cast da Shrapnel Records –, e não parou mais, gravando quase que em escala industrial.

Conforme seu comportamento esquisito torna-se mais à prova de medicamentos, suas experimentações musicais transpassam novas fronteiras. Não é de hoje que abandonou a palheta e limitou seu equipamento a uma Telecaster e poucos pedais, quando usa algum. Segue inabalável, entretanto, seu bom gosto e sua capacidade de dar vazão aos sentimentos em letras que vez ou outra parecem entender e combater aquilo que nos aflige.

Na última terça, Kotzen desembarcou no Rio de Janeiro para seu 99334º show na cidade; a frequência com que se apresenta por aqui é tão grande que virou motivo de piada na internet, mas é fato que o cara esgota os ingressos onde quer que toque. Richie subiu ao palco do Teatro Rival às oito e meia, com visual mais despojado que da última vez – nada de túnicas ou aquela aparência de mendigo do rock –, só o cabelo parecia não ver uma água há tempos, mas tudo bem.

O público que o recebe é pura heterogenia: de jovens (o que estava imediatamente na minha frente na pista parecia que tinha saído de dentro de um pacote gigante de Cheetos) a nem tão jovens, incluindo alguns que já pegam ônibus de graça. Há homens e mulheres: eles, pelo artista completo que Kotzen é; elas, pelo cara bonitão de voz irresistível e que joga o ombrinho enquanto canta. Perguntou-me uma amiga: “quando você crescer, quer ser igual a ele?”. “Quando eu ficar bonito, quero tocar que nem ele”, respondi.

Além de mobilizar tanta gente diferente, Kotzen tem o dom de dialogar com qualquer ser humano através de suas letras. Como seu ex-companheiro de Poison, o vocalista Bret Michaels, costuma dizer, enquanto houver corações partidos, haverá músicas para consolá-los. Mas ao contrário das expectativas e de certa torcida, o repertório não foi nada baladeiro — exceto por “What Is”, tocada à voz e guitarra, no momento mais açucarado da noite. As demais treze músicas tocadas em pouco mais de uma hora e meia de espetáculo serviram majoritariamente de plataforma para solos exuberantes e jams, sendo a mais WTF delas uma na qual Richie sentou-se à bateria e mostrou domínio sobre os principais fundamentos.

A elevação de músicas de originalmente quatro minutos a jams de cerca de sete cada mostrou ao público também o quanto Richie e banda estão entrosados e tocam despreocupados, como se estivessem ensaiando num lugar onde ninguém pudesse vê-los. Esse distanciamento em relação à plateia é traço comum do guitarrista, que, fora dos palcos, faz questão de ficar na sua; os poucos que conseguiram tirar selfies com o ídolo (sempre com a maior cara de bunda) a exibiam como uma medalha de ouro olímpica.

O pontapé inicial fora dado com “War Paint”, música de trabalho do recente “The Essential Richie Kotzen”. A partir dela, o show delineou-se seguindo mais ou menos o roteiro proposto pela coletânea, com a pièce de résistance “Into the Black” (2006) comparecendo com uma trinca infalível: “Fear” (para a surpresa de quem não está ligado no setlist.fm), “Doin’ What the Devil Says to Do” (todo mundo conhece alguém que esmurra ponta de faca por opção e não admite, certo?) e “You Can’t Save Me”, o mantra dos irreparáveis; talvez a mais autobiográfica já lançada por Kotzen, conclamando todos a cantar bem alto “Fuck your money, fuck your fame, fuck my life, I’ll walk away”.

Um saudosista que empunhava a capa do LP “Native Tongue” (Poison) deve ter saído desapontado: desta vez não rolou “Stand”. “Shine” também ficou de fora. Uma música nova, “Cannibals”, fez sua estreia nos palcos tupiniquins e deu a dica de que o próximo trabalho, previsto para 2015, será bem rock ‘n’ roll. Faltou “Remember”, faltou “My Angel” e faltou “High”, mas ao som dos compassos finais de “Go Faster”, a saideira, o feeling geral era mais de satisfação do que de contentamento. Podem ir marcando a data para o ano que vem; minha presença é mais certa que andar para a frente.

Texto originalmente publicado no Judão em 17 de outubro de 2014.

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