DA COLEÇÃO: Mötley Crüe – “Shout At the Devil” (1983)

 


Mötley Crüe – “Shout at the Devil”

Lançado em 26 de setembro de 1983

Elektra Records – IMP. – 35min

 

Segundo o léxico do rock, o mal representa a liberdade em seu estado primordial mais natural. Através do mistério, da escuridão, do oculto, o diabo é o orquestrador dessa liberdade. Faz sentido, portanto, que seu nome conste no título do mais influente álbum de hair metal de todos os tempos.

 

“Shout at the Devil” definiu a estética do movimento e foi seu principal catalisador — predicado que “Appetite for Destruction” do Guns N’ Roses não poderia reivindicar, já que só apareceria quatro anos mais tarde. Mais que isso: a ascensão meteórica do Mötley Crüe não só ditou o som e o visual de toda uma era, como também gerou hordas de imitadores cujos talentos só não eram menores que o nível de ameaça que representavam.

 

Gravado à base de Foster, Budweiser, gim, muitas garrafas de Jack Daniel’s, licor, conhaque, cocaína aos montes e mulheres liberais, “Shout” estabeleceu a ponte entre a moribunda cena punk de Los Angeles e o Van Halen. Como? Pondo fim ao reinado de Eddie e cia.; um reinado intermitente, já enfraquecido por crises internas e criativas.

 

Claro, havia outros postulantes ao trono — Dokken, Ratt, Quiet Riot etc. — mas diante do couro, das chamas, dos pentagramas, todos pareciam visual e musicalmente inofensivos. Mesmo Don Dokken e Kevin DuBrow, já putas velhas na cena, tiveram de reconhecer que Vince Neil, à época um He-Man travesti, era o primeiro na linha sucessória de David Lee Roth como rei e maior comilão da Sunset Strip.

 

Nas letras, a selvageria das ruas; a legítima sabedoria da sarjeta, obtida somente através da vivência e da experiência: “Out go the lights, in goes my knife” canta Neil no comecinho de “Bastard”. Perigo real e imediato e uma punhalada na moral e nos bons costumes da América de Ronald Reagan. Servia também de recado para os detratores e qualquer outro que ousasse entrar no caminho do Crüe.

 

Temos ainda prostituição na mais tenra idade (“Too Young to Fall in Love”), uma ode à volatilidade dos relacionamentos (“Looks That Kill”) e a retomada de “Helter Skelter”, canção que Charles Manson roubara dos Beatles, muito antes de o U2 resolver fazê-lo em “Rattle and Hum” (1988) e levar o maior crédito por isso.

 

E por falar em levar crédito, houve quem na época acusasse o Mötley de satanismo, bruxaria e toda a sorte de maledicências. Mas era tudo parte do espetáculo. Não havia tabus. Nikki até tentara comer a mãe de Tommy Lee na época. Aliás, o batera é talvez o grande destaque individual por aqui. Dono de uma mão pesada, na escola de John Bonham, era em 1983 o que Dave Grohl seria em 1991: a referência mundial de seu instrumento. E o fato de a guitarra de Mick Mars soar como uma motosserra era outro diferencial. Dos 25 milhões de cópias que a banda vendeu somente nos Estados Unidos, 1/5 equivale às vendas de “Shout”. Precisa de mais?

 

Texto originalmente publicado no site Metal Na Lata em 21 de março de 2019.

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