Foto: Daniel Croce
“Nossa, como ele está diferente”, comenta com espanto a
mulher ao meu lado quando Marco Caviglia, não Mark Knopfler, lidera o Dire
Straits Legacy rumo à frente do palco e ao que parecia ser um mar de
smartphones com lanternas acesas e câmeras a postos para registrar os primeiros
movimentos do espetáculo. Todo esse pacote diz muito a respeito do público que
tornou praticamente intransitável o Vivo Rio numa noite de domingo quando o DSL
– ou o Dire Straits possível, como eu gosto de chamar – fez sua estreia em solo
carioca.
Homens de camisa social, mulheres de vestido e até as
crianças pareciam saídas de um catálogo da Brooksfield. Indumentárias mais
condizentes com um baile de debutante que com um show de rock – ainda que esse
rock tenha lá seus contornos de pop e seja intrinsecamente associado a uma
suposta elite sapatênis/gola rolê. Os poucos que visível e visualmente estavam
lá pela música eram os párias em meio à maior festa da firma dos últimos
tempos. Um vaivém ininterrupto de cervejas e drinques; inúmeras pausas para selfies
e stories; alguns tropeções; e comportamentos típicos de quem vai a shows uma
vez na vida outra na morte.
Mas falando do que interessa, para dar conta daquilo que o
Dire Straits em seu auge fazia com cinco, o DSL precisa de oito, incluindo dois
guitarristas – Caviglia e Phil Palmer, oriundo da derradeira formação do Dire
(1990-1992) – dividindo ao meio o que o genial Knopfler tocava sozinho com uma
tranquilidade inquietante. A formação inclui ainda o batera Steve Ferroni (Tom
Petty and the Heartbreakers), o baixista e produtor Trevor Horn (Yes, The
Buggles), o tecladista multiuso Primiano DiBiase e outros três músicos que
fizeram história no Straits original: Jack Sonni (violão), Mel Collins (sax) e
Alan Clark (teclados).
O pontapé inicial foi dado, mas nem tanto, com “Private
Investigations”. Apesar da fidelidade à gravação original – feche os olhos e
ouça Caviglia cantar como Knopfler –, não foi a melhor escolha para abrir a
noite. Felizmente, “Walk of Life”, logo na sequência, fez a galera engolir o
bocejo e ativar o modo palminhas. Na extensa “Tunnel of Love”, notou-se a
disparidade entre o semblante sereno e a mão pesada de Ferroni. Também de
“Making Movies” (1980), a belíssima “Romeo and Juliet” foi exibida com marcação
de tempo mais acentuada e um final freestyle que incluiu um mini
chamada-e-resposta entre Collins e Caviglia.
A ausência de resposta para as menos festejadas “Down to the
Waterline” e “Solid Rock” foi compensada com uma gritaria digna de programa de
auditório quando as primeiras notas de “Your Latest Trick” pareceram abrir o
baú de memórias e marejar de lágrimas os olhos de quem, até então, parecia
estar mais em sintonia com a fila do bar do que com o que rolava no palco. Com Horn
ao microfone, “Owner of a Lonely Heart” pegou a todos de surpresa. Tocada dois
tons e meio abaixo, a canção-símbolo da fase mais comercial do Yes adquiriu
ares guturais de tão grave, mas as luzes à la disco proporcionaram o clima
ideal para dançar coladinho – ainda que com a bebida em mãos.
Como um trem desgovernado em meio a uma tempestade de raios,
“Telegraph Road” abriu alas para a suprema “Sultans of Swing”, executada
conforme a clássica versão do ao vivo “Alchemy” (1984), com o fim convertido
numa extasiante jam. Sem gastar muita saliva – nada mais europeu que ser
econômico nos blá-blá-blás com o público –, o DSL deixa o palco e, como se não
estivessem faltando três clássicos óbvios – “Brothers in Arms”, “Money for
Nothing” e “So Far Away”, a trinca do bis –, nota-se uma movimentação digna de
fim de show na plateia. Calma aí, gente! Fica que vai ter mais!
Texto originalmente publicado no site da revista Roadie Crew em 14 de abril de 2019.
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