A história de Miljenko Matijevic, o herói do coração de aço



“The party’s never, ever, gonna stop”, canta Mike Matijevic em “Late for the Party”, quarta faixa de “Tangled in Reins” (1992), segundo álbum de seu Steelheart que acabara de ser lançado.

Não obstante o estado terminal do hard rock padrão L.A., o Steelheart continuava navegando por mares tranquilos. O autointitulado disco de estreia (1990) fora bem recebido: quatro singles entre as mais pedidas das rádios especializadas, videoclipes na programação da MTV e um 40º lugar na Billboard que significou disco de ouro para o quinteto.

Tudo indicava que “Tangled” seguiria pelo mesmo caminho; “Sticky Side Up” já garantira lugar na MTV, driblando as novas tendências alternativas do canal. No Oriente, onde o público até hoje prefere consumir música em formato físico, a balada “Mama Don’t You Cry” virou hit. Vendas fenomenais, um show acústico em Hong Kong e, na volta para casa, apresentações ao lado do Great White, quando este ainda tocava para mais do que meia dúzia em casas com capacidade para 8 mil pessoas.

Noite de Halloween, 1992. A bruxa deu as caras na McNichols Sports Arena em Denver, Colorado. O Steelheart, recém-chegado de uma bem-sucedida turnê pela Europa, fora convidado para abrir para o Slaughter, que também vivia um bom momento; seu mais recente trabalho, “The Wild Life”, debutara em 8º lugar na Billboard. O show vinha rolando numa ótima, banda afiadíssima, público ensandecido… até Mike decidir escalar uma das torres de iluminação do palco, sem se dar conta do perigo.

Deu merda. A estrutura veio a baixo, derrubando o vocalista, esmagando o seu rosto contra o palco. “Não sei como ou de onde veio a força, mas consegui me levantar sem a ajuda de ninguém e fui levado imediatamente para o hospital”, conta ele. Fim de festa para o Steelheart.

O acidente em Denver não apenas decretou o encerramento das atividades do grupo, que jamais voltaria a tocar com a formação clássica, como chegou perto de decretar o óbito de Mike: somada às fraturas no nariz, na mandíbula, no queixo e na coluna, uma grave perda de memória. A recuperação, além de levar muito tempo, lhe custaria muito caro: além da fama e da fortuna conquistadas, perdeu amigos, família, sua casa e sua credibilidade como artista. Nem mesmo os fãs mais otimistas apostariam numa reviravolta.

Mas espere!


Mike perdera tudo, menos a vontade de dar a volta por cima. “[Enquanto me recuperava,] acabei me reencontrando”, disse em 2011. “Muitas boas lembranças foram apagadas da minha memória. Fiquei numa espécie de transe contínuo por três anos. Às vezes me pegava no meio da noite, vagando sem destino, sem saber o porquê daquilo. […] Ninguém me compreendia, a não ser eu mesmo […] Fui diagnosticado com lesão cerebral traumática e tive de reaprender concentração, foco e a reprogramar a mente […]”.

Quatro anos após flertar com a morte, Matijevic trouxe seu Steelheart à vida novamente. Com os mercados americano e europeu dominados por desdobramentos do grunge e afins, ele concentrou seus esforços na Ásia, continente que sempre o abraçou. Apesar da sonoridade que pouco dialogava com o velho Steelheart, “Wait” (1996) alcançou o primeiro lugar em diversos países de lá. Durante o processo, Mike “acordou”. Como se todas as sequelas do acidente que quase o matou tivessem ido embora. Não havia mais demônios a exorcizar. Era o começo de um novo capítulo.

Mas nem só de glórias foi o ano de 1996: de volta para os EUA, Mike viu sua mãe morrer de câncer aos 56 anos. No ano seguinte, foi a vez de Frankie, um amigo muito próximo sucumbir à mesma doença. Ainda em 1997, Mike voltou a atender pelo seu nome de batismo, Miljenko, ou Mili para os íntimos.

Ano 2000. O telefone toca na casa do irmão de Matijevic, em Connecticut. Do outro lado da linha está Tom Werman, produtor de álbuns clássicos do hard rock e também de “Tangled in Reins”, com uma proposta irrecusável para o vocalista: “Estou trabalhando em um filme, ‘Metal God’, e acho que você é o cara. Você topa fazer um teste?”. No dia seguinte, Mike embarca para Los Angeles, faz o teste e “É isso, você conseguiu, você é o cara.”

O filme em questão, inspirado na história da ida de Tim “Ripper” Owens para o Judas Priest, chegaria às telonas com o nome ‘Rock Star’. A Mike caberia registrar os vocais que seriam dublados por Mark Wahlberg, e “We All Die Young”, faixa de abertura de “Wait”, seria refeita com a ajuda peso-pesado de Zakk Wylde, Jeff Pilson e Jason Bonham para tornar-se o destaque da trilha sonora. Apesar da mística gerada em torno, o longa flopou bonito, e sua renda não cobriu o custo reportado de produção, distribuição e marketing – mas continua sendo um dos nossos filmes de temática roqueira favoritos, certo?

Por essa época, Mili foi um dos 3.938 vocalistas a fazer teste para o Velvet Revolver – aliás, qual cantor não pleiteou o microfone no “Guns Sem Rose”? –, mas não deu em nada. O mesmo não se pode dizer do projeto Manzarek-Krieger, formado pelos ex-The Doors Ray Manzarek e Robbie Krieger: Matijevic foi a voz do grupo em duas turnês.

Os esforços para reunir a formação clássica do Steelheart não obtiveram resultado – o sonho seria descartado em definitivo com a morte do baterista John Fowler em agosto de 2008. Mili, que durante um tempo tentou emplacar uma carreira solo com o codinome Mikey Steel, parecia estar à deriva. Em 2006, no entanto, pegou a todos de surpresa com “Just a Taste”, uma espécie de EP degustação do que estaria por vir. Quando “Good 2B Alive” finalmente viu a luz do dia, em novembro de 2008, ninguém mais se lembrava do que ouvira no compacto.

Ao vivo, porém, o caráter saudosista, somado à vibração que o punhado de canções que Mili canta na trilha sonora de ‘Rock Star’ exerce sobre o público, fez do show do Steelheart uma opção viável para inclusão em festivais de pequeno e médio porte nos EUA; muitos dos quais, dedicados exclusivamente às bandas do hard rock que o tempo havia varrido para debaixo do tapete. O crescente interesse nos grupos que faziam a cabeça da molecada na Los Angeles de vinte anos atrás colocou o Steelheart, entre outros, novamente nos trilhos.

Jakarta, Indonésia, 2013. Um domingo à noite. Palco principal do festival Java Rockin’land. Um velho conhecido da galera sobe ao palco. Seu nome é Chris Risola. O guitarrista da formação clássica do Steelheart dá, então, os primeiros acordes de “She’s Gone”. Mas onde está Mili Matijevic? Uma clareira se abre na plateia. Lá está o vocalista. Todos os olhares, celulares e máquinas fotográficas se voltam para ele. Com seu vozeirão arranha-céus, afirma algo que todos nós sabemos: “My heart belongs to you”.

Texto originalmente publicado no site Judão em 27 de novembro de 2014.

Comentários

  1. História triste, mas uma fantástica determinação. A voz é maravilhosa a música She's Gone é única.

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  2. Gosto muito dessa canção, o cara tem uma voz de arrasar quarteirão.

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  3. O Mili é um exemplo de superação. A vida não foi justa com ele, definitivamente, mas sempre vou torcer por ele, com todo meu coração.

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  4. Ele e incrível, não imagina a história de superação ,mas com essa voz e esse rosto lindo chegará onde quiser ! Mas fundamentalmente e a força interna que o move

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