ENTREVISTA: Ace Frehley revela que a coisa mais difícil que já fez foi parar de beber

 


O que o Marcelo de 2005 diria se soubesse que passados quinze anos iria entrevistar um de seus maiores ídolos na música? Manter o profissionalismo foi dificílimo durante a meia hora que tive para conversar com Ace Frehley. Além de um dos meus guitarristas preferidos, o Space Man fez parte do KISS, banda do meu coração e responsável por outrora ter reunido aqueles que hoje considero os meus melhores amigos e minhas amizades mais longevas e duradouras. Apesar dessa introdução de caráter ultra pessoal, a entrevista que você está prestes a ler não debanda para o fanatismo nem consiste unicamente de curiosidades de fã; afinal, os últimos dez anos foram dos mais produtivos para Frehley que, com o lançamento recente de “Origins Vol. 2”, atinge a marca de cinco álbuns de estúdio na década. De sua casa em Nova Jersey, ele falou sobre o bom momento que vive, refletiu acerca de seu passado e antecipou algumas novidades. Boa leitura!


Marcelo Vieira: “Origins Vol. 2” é o seu quinto álbum de estúdio na última década. A que você deve tamanha produtividade?

Ace Frehley: Ter parado de beber há 14 anos me permitiu focar mais na minha música. Gravei alguns ótimos discos nos últimos anos. Espero que [“Origins Vol. 2”] seja recebido tão bem quanto o “Origins Vol. 1”.


MV: Mas o segredo para manter a inspiração e a motivação tão altas tem somente a ver com a sua saúde ou também com o fato de você ter encontrado um modo de produção que funciona bem para você?

AF: O processo [no “Origins Vol. 2”] foi o mesmo do “Origins Vol. 1”. Gravamos tudo, apenas meu engenheiro [de som] e eu utilizando cliques. Depois que todas as partes [de guitarra e baixo] foram concluídas, gravamos a bateria e enviamos para a mixagem, e aí eles fizeram a mágica deles [risos].


MV: O som de “Origins Vol. 2” é muito orgânico. É quase como se você estivesse tocando ao vivo dentro do estúdio. Era essa a intenção?

AF: Bem, esse é o [tipo de] som que eu procuro. Quando gravo, uso microfones vintage, amplificadores vintage, guitarras, pedais, tudo vintage. Mais cedo ou mais tarde, tudo vai para o computador, mas antes disso, todo o equipamento utilizado é vintage, então [o resultado] soa mais analógico, mais orgânico.


MV: Agora, qual foi o principal motivo que levou você a começar esta coisa toda de “Origins”? A necessidade de se reconectar ao seu passado, homenageando aqueles que o inspiraram quando você estava aprendendo a tocar guitarra, ou o desejo de apresentar essas pérolas não tão perdidas do rock de antigamente para os seus fãs?

AF: Provavelmente ambos. Enquanto eu estava gravando as músicas, pude lembrar da primeira vez que as ouvi quando era adolescente, e é bom apresentar aos meus fãs mais jovens músicas que eles talvez nunca tenham tido a chance de ouvir. Quase todas essas músicas são dos anos 60. Estou imprimindo a minha marca nelas, mas os fãs provavelmente correrão atrás de ouvir os originais, o que seria uma coisa boa porque sou apaixonado pelo rock de antigamente. A música de hoje é muito homogeneizada e tudo soa muito parecido. Não há muitos grupos hoje em que as músicas girem em torno de riffs de guitarra, e eu sinto falta disso.


MV: Na contramão do que você disse, há muitas bandas hoje, sim, tentando recriar a música dos anos 60 e 70 usando equipamentos vintage, visando a reproduzir um som meio Led Zeppelin. Temos o Greta Van Fleet como maior exemplo disso. Qual a sua opinião sobre essas novas bandas cuja missão parece ser tão somente emular o passado?

AF: Nenhuma delas chega perto do que foram Led Zeppelin, Cream ou Jimi Hendrix. Todos eles foram muito únicos. Quando eu tinha 17 anos, vi o primeiro show do Led em Nova York, no Fillmore East, e isso mudou minha vida. Ainda não ouvi nenhuma banda nova sendo capaz de reproduzir aquele som vintage. 


MV: Mesmo em tempos de streaming, “Origins Vol. 1” foi seu segundo álbum solo de maior sucesso. Você está otimista em termos de vendas para o “Vol. 2”?

AF: Devo dizer que 75% das pessoas que me entrevistaram até agora – e eu provavelmente dei umas cem entrevistas – disseram que gostaram mais deste álbum do que do “Origins Vol. 1”. Só me resta esperar que meus fãs concordem com eles.


MV: Achei o repertório desse segundo volume mais forte do que o do primeiro.

AF: Isso é o que muitos entrevistadores disseram. Mas [o sucesso em vendas] depende dos fãs.


MV: Você acha que a pandemia impactará muito na divulgação do “Origins Vol. 2”?

AF: Acho que muitas pessoas estão famintas por novidades musicais. Isso provavelmente vai ajudar as vendas do “Origins Vol. 2”, pelo menos na Internet. Não sei se tanto nas lojas de discos. Enfim, veremos o que acontece.


MV: O press release do novo álbum diz que “se a gravadora decidir que quer um ‘Vol. 3’, os fãs não ficariam surpresos se você tocasse [músicas como] ‘Kick Out the Jams’ do MC5”. Depende apenas da gravadora ou você já tem planos para um “Origins Vol. 3”?

AF: Acabei de renovar meu contrato de gravação; eles [da gravadora] querem que eu grave mais três álbuns. O próximo será um álbum de estúdio [de inéditas] e, em seguida, gravarei o “Origins Vol. 3”. Isso já está sacramentado. Aliás, estou ansioso por esse terceiro volume, porque já tenho o processo todo desenhado. Outro dia mesmo alguém me disse: “isso não pode durar para sempre!” Respondi: “fale isso para quem faz os filmes de Star Wars!” [Risos]. Certas coisas nunca são de mais. [Risos]


MV: Ou seja, no que depender de você, poderá haver até um “Origins Vol. 50”! [risos]

AF: [Risos]. Não sei se vivo até lá. Um dia de cada vez.


MV: Que convidados especiais você gostaria de ter ao seu lado nesse terceiro volume?

AF: Não sei. Penso em uma música de cada vez. Originalmente, para o “Vol. 2”, eu tinha outras pessoas em mente. Quando eventualmente as coisas não funcionavam, eu partia para o plano B. 


MV: Poderia dar um exemplo? 

AF: Inicialmente, convidei John Waite, do The Babys, para cantar em “30 Days in the Hole”, só que nós dois não conseguimos chegar a um acordo nem conciliar nossas agendas. Aí me lembrei de ter encontrado Robin Zander, do Cheap Trick, alguns anos atrás em uma sessão de autógrafos e, na ocasião, ele ter expressado interesse em cantar em um dos meus discos. Então liguei para ele e ele fez um ótimo trabalho na música do Humble Pie.


MV: Já que Paul Stanley cantou em uma faixa do primeiro volume, você não acha que as pessoas esperavam que ele repetisse a dose no segundo?

AF: [Pausa]. Talvez, mas não é assim que as coisas funcionam. Escolho uma música de cada vez. Se não der certo, partimos para a próxima. Algumas ideias funcionam, outras não.


MV: Algumas músicas do “Origins Vol. 2”, como “Space Truckin’” e “We Gotta Get Out of This Place”, foram gravadas um tempo atrás. A partir disso, podemos supor que você possui um arquivo, um “vault”, esperando para ser lançado?

AF: Tenho cerca de duzentos rolos de fita de duas polegadas e tem muita coisa aí que, sei lá, nem me lembro mais. Então, um dia, assim que eu digitalizar isso tudo, lançarei um box-set. Se bem que sou meio contra esse tipo de planejamento. Gosto de viver um dia de cada vez. Gosto que as coisas sejam espontâneas. Muito planejamento nunca funcionou para mim.



MV: Você fez o seu único show solo no Brasil há três anos. O que se lembra daquela noite?

AF: Lembro que foi um ótimo show. Além disso, o público foi bastante receptivo. Eu adoraria voltar ao Brasil. Essa pandemia realmente prejudicou todos os shows de rock. Nem sei quando eles serão retomados. As autoridades continuam prolongando isso, e é lamentável que esse vírus tenha afetado tantas partes de nossas vidas.


MV: Neste exato momento, em algum lugar do planeta, um jovem está pegando uma guitarra e começando a tocar junto com um álbum do KISS ou um álbum solo seu. Qual é a sensação de estar na trilha sonora da vida de tantas pessoas?

AF: É uma sensação muito boa. Muitos guitarristas me citam como uma grande influência ou como a razão pela qual eles começaram a tocar guitarra. Eu provavelmente teria praticado mais quando era mais jovem se soubesse que influenciaria tantos guitarristas. Nunca fiz aulas de guitarra, aprendi a tocar ouvindo [Jimi] Hendrix, [Eric] Clapton, Jimmy Page, Pete Townshend, Keith Richards...


MV: Se o “Space Man” pudesse viajar no tempo, que conselho ele daria ao “Bronx Boy” do passado?

AF: Pratique, pratique e pratique um pouco mais. Toda prática nunca é o bastante. Mas eu não acho que as coisas realmente mudariam se eu pudesse voltar no tempo. As pessoas me perguntam: “o que teria acontecido se você nunca tivesse entrado para o KISS?” E minha resposta é sempre: “bem, aí eu teria sido famoso com outro grupo de rock”, sabe? Eu tinha 16 anos, mas sabia que ia ser um astro do rock e sempre canalizei esse pensamento, essa visão.


MV: Em quase cinco décadas de carreira, você teve que lidar com muitas coisas, tanto boas quanto ruins. Se tivesse que escolher uma conquista e apontar a maior dificuldade, quais seriam elas?

AF: A coisa mais difícil [que fiz] foi ficar sóbrio 14 anos atrás, porque bebi a vida toda. Há 14 anos, decidi parar de beber. Essa foi a grande conquista da minha vida. Além disso, se eu continuasse bebendo, provavelmente não estaria aqui falando com você hoje.


MV: Qual álbum, seja do KISS ou um de seus trabalhos solo, você acha que melhor representa você como cantor, compositor e guitarrista?

AF: Provavelmente meu primeiro álbum solo, de 1978, [o de] “New York Groove”. Ele me mostrou que eu era perfeitamente capaz de me virar como produtor, cantor e compositor e me fez perceber que eu provavelmente sou mais criativo longe do Paul, do Gene [Simmons] e do Peter [Criss] do que perto deles. Foi ali que começou a minha carreira solo. Percebi que era questão de tempo até deixar o grupo e começar minha própria banda.


MV: Uma vida além do KISS, por assim dizer.

AF: E uma vida da qual eu gosto muito, porque Paul e Gene são extremamente controladores, gostam de fazer as coisas do jeito deles, e nem sempre concordávamos em todas as decisões [tomadas por eles] no passado. É bom ser o senhor do meu próprio destino. Produzir meus discos, escrever minhas músicas, trabalhar no meu ritmo e fazer turnês somente quando der na telha. Esses dois eram viciados em trabalho e não tinham lá muitos amigos. E eu tenho muitos amigos, então gostava de poder tirar uma folga de vez em quando, aproveitar os frutos do meu trabalho árduo, curtir minha linda casa e todos os meus carrões. Tudo o que eles queriam fazer era trabalhar. Foi aí que os problemas começaram, e esse foi o começo do fim.


MV: Tem alguma música sua que você gostaria que tivesse sido um hit para o KISS ou que, pelo menos, tivesse mais reconhecimento do que acabou tendo?

AF: Não fico pensando nisso. Os anos 70 foram há 40 anos. É difícil para mim mensurar isso. Me diverti na maior parte do tempo em que fiz parte do KISS. Quando parou de ser divertido [para mim], eu fui embora. 


MV: Dito isso, podemos esperar que você faça uma participação em um ou alguns shows da presente End of the Road Tour?

AF: Não fui convidado até agora.


MV: Mas você aceitaria se fosse?

AF: Eu pensaria no caso dependendo do valor [risos]. Me recuso a tocar de graça.


MV: Sendo assim, o que podemos esperar com certeza de você depois que a pandemia der uma trégua?

AF: Estou construindo um estúdio de gravação no porão da minha nova casa aqui em Nova Jersey. Portanto, irei começar a gravar [o novo álbum] provavelmente nas próximas quatro ou cinco semanas, assim que a sala de controle estiver concluída. Eu também gostaria de começar a produzir outras bandas. O estúdio vai ser de última geração; meu porão é enorme, terei muito espaço para trabalhar e produzir bandas que desejarem que eu as produza. Também haverá uma sala de edição de vídeo, onde editarei vídeos de rock. Várias pessoas querem trabalhar comigo e para mim nisso. Farei isso e muito mais no futuro.


MV: Qual banda você gostaria de produzir?

AF: Não me ocorre nenhuma neste momento. Honestamente, não ouço muito rádio no meu tempo livre. Normalmente estou relaxando e assistindo Amazon ou Netflix. Odeio a TV aberta porque odeio comerciais [risos]. A melhor coisa de assistir a filmes na Amazon e na Netflix é que você não precisa lidar com comerciais.


MV: Você não é o único! [Risos]. Agora, que tal encerrarmos esse bate-papo com uma mensagem sua para os fãs no Brasil? 

AF: O único show que fiz no Brasil foi muito bom e o público foi fantástico. Eu adoraria voltar. É apenas uma questão de os produtores fazerem ofertas financeiramente viáveis. Fiz outros shows em... eu gostaria de poder lembrar onde diabos toquei [risos]. Lembro que fizemos um show no México, outro em Buenos Aires. Senti falta de tocar no Rio de Janeiro; nunca fui aí. Eu gostaria de conhecer a cidade. É linda, pelo menos nas fotos e nos vídeos. Espero poder incluir o Rio em minha próxima turnê sul-americana. Até lá, fiquem bem! 



www.acefrehley.com

Comentários

  1. Que entrevista sensacional! Parabéns Marcelo, trabalho impecável, desenvolvido com perfeição.

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