ENTREVISTA com Dave Meniketti (Y&T): “‘Forever’ é o maior clássico do Y&T!”

 


Hoje a lição é sobre como uma coisa leva à outra. Recentemente, colaborei com a revista Roadie Crew (#254, Nightwish na capa) escrevendo um Roadie Collection do Y&T, uma das minhas bandas favoritas e, na minha opinião, uma das mais injustiçadas da história do rock. Essa matéria pavimentou o caminho até a entrevista que você está prestes a ler. Na ativa desde 1974, quando inspirado pelo raro LP dos Beatles surgiu sob a alcunha de Yesterday and Today, o grupo, posteriormente renomeado Y&T e sempre liderado pelo guitarrista e vocalista Dave Meniketti, lançou quase trinta discos entre trabalhos de estúdio, ao vivos e coletâneas; fez parte do elenco de importantes gravadoras – A&M, Geffen, Frontiers – e marcou presença no Hear ‘n Aid, o USA for Africa do metal capitaneado pelo imortal Ronnie James Dio. Embora nunca tenha vindo ao Brasil – de fato, apenas dois álbuns da banda tiveram edição nacional, e isso lá nos anos 80 –, o Y&T conta, sim, com fãs por aqui, que reconhecem a qualidade da obra e veem Meniketti e sua inseparável Les Paul com admiração e respeito. De sua casa, seguindo todas as recomendações de distanciamento social – em oposição a muitos de seus contemporâneos que simplesmente ligaram o f*da-se para o que diz a Organização Mundial da Saúde –, Dave conversou comigo sobre sua trajetória. Boa leitura!


Marcelo Vieira: O Y&T vem de uma época muito anterior à explosão da cena metal californiana do início dos anos 80. Dá para dizer que em meados dos anos 70 já havia sinais de que algo dessa magnitude estava para acontecer?

Dave Meniketti: Os anos 70 foram ótimos para a música em geral; foram responsáveis pelas bandas que ainda são as mais admiradas por sua originalidade. Cada uma orgulhosamente tinha seu próprio estilo e som.


MV: Como era a cena de Los Angeles nessa época?

DM: Tudo era muito diferente. Era muito mais difícil conseguir um contrato com uma gravadora, já que elas não estavam à procura de bandas. Cada banda tinha seu próprio som e poucas eram as que copiavam as outras. Era como se estivéssemos por conta própria e livres para soar da maneira que quiséssemos, sem a pressão de uma gravadora, a necessidade de videoclipes – eles ainda não eram uma tendência – ou [a existência de estações de] rádio tocando certo estilo de rock que criou muitas bandas iguais nos anos 80.


MV: Numa época em que os guitarristas começaram a adotar as possibilidades das guitarras com pontes flutuantes, você se manteve fiel não apenas à boa e velha Gibson Les Paul, mas também a uma forma de tocar contrária às ‘fritações’ que pareciam ter se tornado a regra do jogo no alvorecer dos anos 80. Você considera isso um diferencial do Y&T em relação às outras bandas?

DM: Sim. Embora tenha havido uma pressão para que eu tentasse um estilo diferente de tocar quando o Van Halen estava começando a ficar em evidência, eu não cedi. Eu queria continuar fazendo as coisas do meu jeito. Mesmo que, no início, eu até tocasse alguns solos mais velozes, me tornei muito mais afeito à melodia, fazendo um cruzamento entre o blues e o metal. Não sei ao certo o quanto meu estilo de tocar guitarra influenciou na maneira como o Y&T era visto pelos fãs, mas certamente no começo da banda, nosso hard rock de caráter melódico e o estilo único de bateria do Leonard [Haze, baterista original do Y&T, morto em 2016] nos diferenciavam.


MV: Que outros componentes você acha que tornaram o Y&T uma alternativa válida para o que estava em voga na época?

DM: Com o passar do tempo minha voz se desenvolveu razoavelmente bem, até chegar à maturidade no final dos anos 80. Esse era outro diferencial nosso em relação às outras bandas, já que os fãs frequentemente me dizem que sabem que é [uma música do] Y&T assim que ouvem a minha voz.


MV: O Y&T passou na mão de alguns dos produtores mais renomados do hard e do metal dos anos 80. Primeiro, Max Norman (Ozzy Osbourne, Megadeth) em “Black Tiger” (1982). Depois, o saudoso Chris Tsangarides em “Mean Streak” (1983) e, por fim, Tom Allom (Judas Priest) em “In Rock We Trust” (1984), que você se referiu como “uma das gravações [de disco] mais divertidas que já fizemos”. A partir dessa sua fala, presente no livro “The Big Book of Hair Metal”, do Martin Popoff, a gente conclui que, dos três, Allom foi o produtor que melhor se encaixou com o Y&T. Procede?

DM: Na verdade, nós nos divertimos muito [gravando] com o Chris também. O que tornou o “In Rock We Trust” ainda mais único foi a presença de um doidão que a gravadora enviou para compor conosco chamado Jeff Paris. Esse cara era uma figura, nos fazia rir o dia todo, todos os dias, e Tom, como um britânico bom de copo, fez aquele disco se destacar ainda mais. Mas foi ótimo trabalhar com Chris também, e todos nós nos divertimos muito juntos, com muito respeito um pelo outro. Ele faz muita falta. Era um cara realmente gentil e talentoso.


MV: Foi justamente nessa época do “In Rock We Trust” que o Y&T começou a adaptar seu som para as novas realidades do mercado norte-americano, mas foi somente no disco seguinte, “Down for the Count” (1985), que essa adaptação incluiu a adoção daquele visual extravagante típico do glam metal. Chegaram a tentar convencer vocês que somente assim o Y&T teria alguma chance de fazer frente às bandas do momento? 

DM: Foi um momento difícil para muitas bandas que só queriam continuar tocando aquilo que vinham tocando. A pressão da [gravadora] A&M sobre nós durante o “Down for the Count” era enorme e nós odiamos cada minuto! Eles contrataram um cabeleireiro e um figurinista para nos deixar parecidos com todas as outras bandas [da época]. Houve momentos em que sentimos que estávamos rumo ao topo e era divertido explorar as possibilidades do ponto de vista visual, mas, no fim das contas, todos nos sentimos manipulados. Não era assim que queríamos soar ou ser vistos. 


MV: David Coverdale diz que nessa época ele e o Whitesnake “pareciam árvores de Natal” tamanha a quantidade de enfeites.

DM: Isso é para você ver que não foi apenas o Y&T que sofreu essa pressão. Era um sinal dos novos tempos, e onde havia aquelas bandas que estavam prestes a se tornar grandes, as gravadoras enxergavam apenas cifrões. Funcionou para nós? Não. Inclusive, acho que por um tempo isso abalou a nossa reputação e o nosso autorrespeito. Mesmo passado tanto tempo, ainda sinto na pele o desconforto. 


MV: Desconforto em relação ao rótulo glam metal/hair metal, você diz? Tipo, incomodava você, já um veterano na cena, ser colocado no mesmo saco de todas aquelas bandas novas que se preocupavam mais com o visual do que com o som?

DM: Estávamos cientes de que isso era uma tendência, uma vez que a MTV e algumas estações de rádio haviam se tornado potências, e que muitas bandas haviam feito sucesso mais pelo visual do que pela música. O foco do Y&T sempre foi tocar noite após noite com paixão e energia. Não queríamos ser glamorosos, não ligávamos para o que estávamos vestindo ou para o quão armado estava nosso cabelo. Estávamos, sim, sendo temporariamente pressionados pela gravadora para nos alinharmos às bandas mais populares da época; principalmente no visual. Mas durante aqueles três ou quatro anos em que essa era a “moda”, continuamos tocando ao vivo da mesma maneira como vínhamos fazendo desde o início. Essa era a parte mais importante: tocar pesado e com paixão e energia. 


MV: Apenas dois álbuns do Y&T foram lançados no Brasil nos anos 80, o ao vivo “Open Fire” (1985) e “Contagious” (1987). Mesmo assim, muitos fãs conhecem a banda graças a “Go for the Throat”, música que faz parte do LP “Stars” (1986), do projeto Hear ‘n Aid, que ganhou edição nacional na época. Quais são as suas lembranças dessa gravação em prol de uma causa tão nobre? 

DM: Todos se divertiram muito naquela noite nos A&M Studios. Confraternizar com todos os nossos colegas do meio e a loucura de corredores lotados de músicos e jornalistas tornaram aquilo tudo inesquecível. Além, é claro, do principal motivo de estarmos todos lá, que era fazer um disco para ajudar os outros. Trabalhar com Ronnie [James Dio] foi memorável. Ele soube colocar ordem na casa para gravar o refrão da música [“Stars”]. Não foi uma tarefa fácil. Depois disso, [os guitarristas] começaram a gravar os solos enquanto quase todos ainda estavam pelos corredores conversando uns com os outros e com a imprensa. Entrei na sala de controle, junto com alguns outros guitarristas, para assistir Yngwie [Malmsteen] gravar seu solo e, depois disso, a noite pareceu não ter mais fim para a maioria de nós. Na manhã seguinte, eu estava praticamente sozinho para cantar a música inteira e fazer a improvisação vocal no final. Apenas Ronnie, seus dois engenheiros [de som], uma pequena equipe de filmagem, Neal Schon e Rob Halford estavam presentes. Rob estava na fila esperando para cantar depois de mim. Era uma música divertida de cantar, embora fosse de manhã cedo. Eu estava levemente nervoso para cantar diante do Ronnie, mas tudo acabou dando certo. 


MV: Já que citei o “Contagious” na pergunta anterior, vale lembrar que antes dele o Y&T mudou da A&M para a Geffen, que tinha um elenco de hard rock de primeira: Aerosmith, Guns N’ Roses e Whitesnake, entre outros. Rolou um otimismo com essa mudança de gravadora? 

DM: Todos nós pensamos que seria ótimo. Finalmente sentimos que estávamos com uma gravadora que entendia de hard rock. Infelizmente, por causa dessas três bandas que você citou estarem lançando alguns de seus álbuns mais populares na mesma época em que [lançamos] o “Contagious”, acabamos sendo ignorados. O sujeito que nos contratou para a Geffen, John Kalodner, se desculpou conosco e nos prometeu que tudo seria diferente no álbum seguinte. No fim das contas, a gravadora fez ainda menos por ele e rescindiu nosso contrato cerca de três meses após o lançamento. 



MV: Se analisarmos algumas das letras desse ‘álbum seguinte’ – “Ten” (1990) –, já podemos perceber que você estava meio de saco cheio. Quão real era esse sentimento na época? Você realmente pensou em desistir de vez da música ou apenas precisava dar uma pausa para desintoxicar da indústria fonográfica? 

DM: Eu disse a todos antes de lançarmos o “Ten” que se a Geffen não o promovesse, eu colocaria um ponto final no Y&T. Gravamos um clipe para “Don't Be Afraid of the Dark” que nunca passou na MTV e a gravadora nos largou antes mesmo de cairmos na estrada. Isso foi o suficiente para eu decidir parar de dar murro em ponta de faca. Foi uma época muito frustrante. Eu definitivamente precisava dar um tempo depois de 17 anos. Tivemos muitos sucessos, mas sempre batemos na trave nas nossas tentativas de chegar ao topo nos Estados Unidos. Fizemos barulho na Europa e no Japão, mas quando os anos 90 chegaram, bandas como nós se viram incapazes de fazer turnês fora do país, então foi ainda mais fácil decidir parar. 


MV: Felizmente essa pausa durou pouco. Cerca de três anos depois, vocês começaram a tocar novamente. Para mim, “Musically Incorrect” (1995) e “Endangered Species” (1997) são como o Y&T soaria sem nenhuma influência externa, seja de gravadora, de produtor ou do cenário musical como um todo. Pode-se dizer que neles você estava redescobrindo a paixão por compor, tocar e cantar? 

DM: Era uma época muito confusa e frustrante para nós, já que os anos 90 haviam praticamente liquidado a maioria das bandas dos anos 80. Todo esse ressentimento serviu de combustível enquanto estávamos no meu estúdio dia após dia improvisando e compondo músicas a partir dessas improvisações. O resultado foram dois discos do tipo “seja o que Deus quiser”. Discos legais, mas que causaram certo estranhamento nos fãs acostumados com o nosso som da primeira metade dos anos 80. 


MV: Avancemos até 2010, ano de “Facemelter”, o mais recente álbum de estúdio do Y&T, lançado pela italiana Frontiers Records. Às vezes tenho a impressão que ela meio que lava as mãos, após lançar os discos, como se dissesse para as bandas: “Agora é com vocês! Boa sorte!”. Foi assim com vocês? 

DM: Dou crédito à Frontiers por contratar um profissional de mídia para conseguir muitas entrevistas para mim [na época], e eles investiram algum dinheiro em publicidade em algumas revistas. Portanto, embora estivéssemos por conta própria no longo prazo, o empurrão inicial dado pela gravadora foi muito bom.


MV: Já que demos uma geral na discografia da banda, qual álbum, seja do Y&T ou um dos seus discos solo, você acha que melhor representa o Dave Meniketti como cantor, compositor e guitarrista? Por quê? 

DM: Embora eu sinta orgulho de todos os nossos álbuns, como guitarrista eu diria que meus dois discos solo – “On the Blue Side” (1998) e “Meniketti” (2002) – são melhores que qualquer outro que fizemos. Como vocalista, no entanto, eu diria que foi no “Ten” que senti que havia atingido meu auge vocal, pois cantar havia se tornado muito mais fácil. 


MV: Phil Kennemore [baixista original do Y&T, morto em 2011] dizia que “não seria um show do Y&T se não tocássemos ‘Forever’”. Quais outras músicas você classificaria como impossíveis de não tocar ao vivo? 

DM: Concordo com Phil. Acredito que “Forever” seja o maior clássico do Y&T. Quanto a outras músicas impossíveis de não tocar [ao vivo], eu diria que “Mean Streak” e “I Believe in You” estão lá no topo. 


MV: Nessas mais de quatro décadas de carreira, você experimentou altos muito altos e teve de lidar com baixos muito baixos, incluindo a perda dos três caras que começaram a coisa toda com você lá nos anos 70. Se você tivesse que escolher uma conquista e apontar a coisa mais difícil que teve que enfrentar em todos esses anos, quais seriam elas? 

DM: A coisa mais difícil com a qual já lidei pessoalmente e na minha carreira foi a perda do meu melhor amigo, Phil. Phil e eu éramos o Lennon & McCartney do Y&T e, apesar de tudo, dizíamos que estaríamos sempre juntos até que o Y&T não pudesse mais se apresentar. Perdê-lo foi devastador, mais como irmão do que qualquer outra coisa. E quando Leonard e Joey [Alves, guitarrista-base original do Y&T, morto em 2017] partiram há alguns anos, me senti ainda mais sozinho. Agora, há apenas uma ou duas pessoas vivas que posso relacionar com a maioria das experiências pelas quais passamos de 1974 até hoje. É estranho. Sinto falta de todos eles. Escolher uma conquista é muito mais desafiador. Vou apenas dizer que sinto orgulho do fato de que o Y&T ainda soa incrível ao vivo e ainda faremos turnês – eventualmente – por muitos anos. Poucas bandas com mais de 46 anos de carreira podem dizer que vivem apenas de sua música. 


MV: E nesses 46 anos como músico em tempo integral, qual foi a lição mais valiosa que você aprendeu? 

DM: Confie em seus instintos. Muitas vezes fomos contra nossos instintos por causa de empresários ou gravadoras, ou mesmo brigas internas, e muitas vezes falhamos miseravelmente por causa disso. 


MV: Dado o fato de que sua esposa, Jill, além de ser sua empresária, também é uma autora de livros, já passou pela sua cabeça um trabalho em parceria nesse sentido? 

DM: Já considerei escrever uma autobiografia, e é claro que eu contaria com a Jill para me ajudar com a edição e com ideias. Mas nada oficial por enquanto. 


MV: O que vem a seguir no campo do Y&T assim que a covid-19 der uma trégua?

DM: A pandemia tem me deixado temporariamente em um estado pouco criativo. Mas, eventualmente, vou me libertar dessa sensação de bloqueio e começar a trabalhar em músicas novas. Independentemente disso, quando as restrições forem suspensas e for seguro fazer shows novamente, você pode ter certeza de que estaremos por aí continuando nossas vidas na estrada. 


MV: Para encerrarmos, qual é o seu recado para os fãs do Y&T no Brasil?

DM: Embora o Y&T nunca tenha tido a oportunidade de fazer uma turnê no Brasil, nós amamos a paixão do povo brasileiro e esperamos que, antes de pararmos de vez, tenhamos a chance de tocar em seu país. Desejo tudo de melhor para vocês. Fiquem seguros e nunca desanimem!



yandtrocks.com

meniketti.com

Comentários

  1. Muito bom. Dave Meniketti sempre esteve entre meus vocalistas preferidos. Realmente, os dois discos solo dele são fenomenais pra quem gosta de electric blues. Da discografia, lançaram só perfeição durante todo os anos 80, como poucas bandas também conseguiram repetir o feito de tanto disco bom seguido. Eu fico com o Black Tiger se for pra escolher um, mas o Contagious é extremamente injustiçado. Tem todos os clichês de um grande disco de Hard Rock oitentista. Vale a menção do Facemelter, ótimo disco que parece ter saído do meio da discografia gloriosa dos anos 80. Incrível banda. Sempre esteve entre meus preferidos.

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