ENTREVISTA com Vitaly Dubinin (Aria): “O mundo com certeza vai mudar!”

 


“É muito interessante ver uma banda que sabe que o show é muito mais do que a música, é entregar aos fãs um espetáculo que aguce mais sentidos do que apenas a audição”, escreve o amigo Gustavo Maiato em sua resenha do DVD “Guest from the Shadow Kingdom” (2019) para o site Metal Na Lata (leia aqui). Nome cult no Ocidente, o Aria ostenta em sua terra natal um status de celebridade sem precedentes. Prestes a completar quarenta anos de estrada, os decanos do heavy metal russo ainda lotam estádios e, mesmo em tempos de plataformas digitais, capitalizam em cima de milhares de cópias vendidas de seus quase trinta álbuns, incluindo discos de estúdio, ao vivos e coletâneas. Depois de algum suor, e com uma ajudinha providencial de seu filho Alex, bati um papo com o baixista e membro fundador Vitaly Dubinin. Na pauta, desde como era ser um jovem headbanger na União Soviética – incluindo um episódio de censura durante a implementação da Glasnost – até previsões para o pós-crise mundial provocada pela covid-19. Boa leitura!


Fotos: fanpage da banda no Facebook


Marcelo Vieira: A primeira pergunta que vem à mente é obviamente sobre a União Soviética. Com discos sendo tratados como artigos ilegais e vendidos somente no mercado negro, como você fazia para conhecer novas bandas, ler as notícias do mundo do rock ou mesmo estabelecer uma cena de bandas local naquela época?

Vitaly Dubinin: Sim, havia um mercado negro onde você podia comprar os discos ou copiar os discos dos amigos. Discos e revistas entravam no país graças a diplomatas, atletas, representantes de empresas soviéticas que trabalhavam no exterior e turistas.


MV: A música do Aria tanto se assemelha ao som das bandas da NWOBHM que vocês foram apelidados de “Iron Maiden russo” pela mídia. Além do Maiden, que outros nomes estão entre as maiores influências da banda e suas especificamente? 

VD: Quanto à banda, posso citar grupos como Judas Priest, Ozzy Osbourne e Whitesnake. Quanto a mim, comecei com os Beatles, depois Deep Purple, Grand Funk Railroad, Black Sabbath, Uriah Heep, Pink Floyd etc.


MV: A primeira gravadora do Aria, Мелодия, era a gravadora estatal da URSS. Vocês chegaram a sofrer algum tipo de censura da parte deles?

VD: Sim, embora em 1987 uma reestruturação completa já estivesse em andamento, nós sofremos isso. O nome do nosso álbum [daquele ano] teve que ser mudado. Queríamos chamá-lo de “Slave to the Evil Force”, mas não pudemos usar esse nome. Portanto, foi batizado de “Hero of Asphalt”.


MV: Antes da queda do Muro de Berlim, era muito difícil para os artistas ocidentais se apresentarem na União Soviética. Mas alguns conseguiram fazer isso. Você se lembra de quais foram os primeiros a causar grande impacto?

VD: A primeira banda que veio foi o Scorpions em 1987, depois veio Uriah Heep, Nazareth e Black Sabbath. Então, em 1989, ocorreu o Moscow Music Peace Festival, com Ozzy [Osbourne], Motley Crue, Bon Jovi e outros.


MV: Já que você falou do Moscow Music, por que o Gorky Park e não vocês foi incluído no line-up do festival? 

VD: Do lado russo, o festival foi organizado pelo produtor do Gorky Park, Stas Namin. Portanto, nada mais justo que o Gorky Park participasse, não o Aria. 


MV: Você é amigo dos caras do Gorky Park?

VD: Sim, eu os conheço bem. O baterista do Gorky Park, Alexander Lvov, tocou no primeiro disco do Aria.



MV: Mesmo depois do fim da União Soviética e diante da perspectiva de ser ouvido em todo o mundo, o Aria continuou cantando em russo, construindo automaticamente um tipo diferente de muro. Por que vocês decidiram ficar com sua língua materna? 

VD: Achamos que não compensaria tentar alcançar os ouvintes ocidentais e, na Rússia, acabar perdendo nossos fãs. Aqui, as bandas que não cantam em russo não são muito populares. O Gorky Park foi uma exceção; eles foram criados [pela gravadora] e considerados instantaneamente como um produto ocidental. Além disso, não tínhamos uma única pessoa que nos ajudasse nessa conquista do Ocidente.


MV: Você concorda que, mais de 30 anos depois, o idioma ainda é uma barreira a ser cruzada?

VD: O que posso dizer? Em Israel, encontramos caras da Colômbia, headbangers de carteirinha, fãs do Aria. Quando perguntamos por que eles gostavam do Aria, apesar de não ser cantado em inglês, eles responderam: “não falamos nem russo nem inglês, ouvimos a música e a sentimos.”


MV: Li que muitas das letras do Aria foram escritas pelos poetas profissionais Margarita Pushkina e Alexander Yelin. É verdade?

VD: Sim, é verdade. Escrever letras em russo, especialmente para músicas prontas, é muito mais difícil do que em inglês. Quero que a letra seja digna, tenha um significado profundo, então essa é a razão pela qual trabalhamos com poetas profissionais.


MV: Em comparação com o que você viveu há três décadas, quais são as principais mudanças que facilitaram a vida das bandas de heavy metal na Rússia? 

VD: Nada mudou para nós; antes do Aria, já éramos músicos profissionais e vivíamos de música, que é o que continuamos fazendo agora.


MV: Em 1997, você e o guitarrista Vladimir Kholstinin gravaram um álbum acústico sob a alcunha de Авария. Como foi navegar nessas águas musicalmente? Podemos esperar um novo álbum ou projeto como esse no futuro?

VD: Fizemos isso de brincadeira! Compomos e gravamos tudo em três semanas. Não acho que precisemos repetir a dose; tudo tem sua hora e sua vez.


MV: Por que vocês se separaram do vocalista Valery Kipelov em 2002? Já se passaram 17 anos, mas há uma chance de uma reunião?

VD: Valery decidiu que poderia continuar trabalhando sem mim e Vladimir. “Não preciso mais de vocês.” As chances de uma reunião estão entre zero e nada.


MV: Em 2015, o selo chileno Veins Full of Wrath lançou uma versão do álbum “Игра С Огнём”. É uma reedição oficial ou apenas algum tipo de bootleg?

VD: Eles nos pediram permissão, então, sim, considere-o um lançamento oficial.



MV: Agora, vamos falar sobre o novo DVD, “Guest from the Shadow Kingdom”, que é um lançamento matador e um verdadeiro marco na carreira da banda. Como foi o caminho até ele; desde a escolha do setlist, a arrumação do palco acima do público, as ideias dos figurinos e, finalmente, a gravação?

VD: Antes de qualquer coisa, obrigado! Claro, foi um evento especial tanto para nós quanto para os fãs. Nós adoramos tocar cada música para um grande público com uma produção de tirar o fôlego. Sem dúvida que já tocamos em grandes palcos antes, mas desta vez foi muito maior e [foi] sensacional. A produção custou uma grana absurda e tivemos que encurtar nossos salários, mas valeu a pena. O projeto foi executado pelo nosso produtor Yuri Sokolov com quem já tínhamos trabalhado no início dos anos 2000 em vários shows. Ele produziu alguns shows especiais do Aria, e o seu trabalho sempre foi de alto nível.


MV: Quais foram os principais desafios que vocês enfrentaram durante este processo? 

VD: Não houve problemas, exceto que tivemos que mudar o show para outro estádio, cuja cobertura suportaria todas as estruturas do palco para o show.


MV: Você tem algum momento favorito nesse show?

VD: Cada momento [dele] é especial para mim. Não consigo escolher um só. Cada música estava em seu lugar. Espero que façamos um show maior e ainda melhor no nosso aniversário.


MV: Quais frutos você espera colher com este novo lançamento? 

VD: Tínhamos grandes planos para este ano. Estava nos planos uma turnê tocando o “Guest from the Shadow Kingdom” na íntegra. No entanto, a pandemia decidiu que esse não é o momento certo para o show. Então, vamos tentar fazer uma turnê no próximo ano, talvez um pouco maior da que havíamos planejado para este ano. Ainda assim, temos shows de aniversário marcados para os dias 3 e 4 de novembro e esperamos que seja possível fazê-los, independentemente das circunstâncias em que estamos vivendo agora. Este será um show maior do que o do DVD. Estamos animados com isso e ensaiando no momento [para isso].



MV: “As circunstâncias em que estamos vivendo agora”. Você está se referindo à pandemia, certo? Como você está lidando com isso? 

VD: Tentamos não ficar parados e fazer algo de útil. Sobrevivemos ao bloqueio criativo regravando velhas canções. Como tivemos alguns problemas legais com o lançamento de dois de nossos discos, “Baptism by Fire” (2003) e “Armageddon” (2006), a solução foi regravá-los com nossa formação atual. Dois álbuns, vinte músicas, gravação, mixagem e masterização. Foi um processo difícil, mas muito divertido. Estamos felizes por termos feito isso. Agora, esses álbuns estão disponíveis em todas as plataformas digitais, incluindo Spotify, Apple Music e muito mais!


MV: E no seu país, como as pessoas estão lidando?

VD: É difícil dizer... Torço não só pela vacina, mas também pelo bom senso, que, espero, prevaleça sobre as restrições impensadas e às vezes prejudiciais.


MV: Você acha que o mundo vai aprender alguma coisa, qualquer coisa, com isso tudo?

VD: Não sei se o mundo vai aprender alguma coisa, mas com certeza vai mudar!


MV: Se houvesse uma cápsula do tempo e você pudesse incluir apenas uma música para ser conhecida no futuro, qual seria? 

VD: Sem dúvida, “Imagine”, de John Lennon.


MV: E qual frase de uma letra do Aria você colocaria em sua lápide?

VD: “I played with fire”! 


MV: Por fim, qual é a sua mensagem para os fãs do Aria no Brasil? 

VD: Sei que o heavy metal é muito popular no seu país! Isso é ótimo! Desejo que vocês continuem assim, ouvindo suas bandas favoritas e descobrindo bandas novas! Muito obrigado a todos e saudações da Rússia!



facebook.com/AriaRussiaOfficial

Comentários

  1. SENSACIONAL 👏👏👏👏👏, o Aria é sem dúvidas o Iron maiden Russo. Os caras fazem do palco um espetáculo com senários muito fodas. São ótimo.
    Parabéns pela entrevista, fico grata de ler uma matéria tão boa. Ária é espetacular.

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  2. Incrível. Nunca pensei que fosse ler uma entrevista da banda em português, nem em inglês eu imaginaria. E essa ainda nem é tradução. Incrível. Junto com Chernyj Kofe, os melhores do metal russo.

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