ENTREVISTA com Renata Petrelli (The Damnation): “As pessoas têm o direito de seguir o que quiserem, desde que não prejudiquem o próximo!”

 


Quem disser que 2020 foi um ano fraco em lançamentos para o metal nacional ou é ruim da cabeça ou doente do ouvido. Depois que o colossal “Quadra”, do Sepultura, abriu as porteiras em fevereiro, não tivemos um mês sem que alguma banda brasileira lançasse material digno de nota alta e destaque na mídia. No último dia 10 de novembro foi a vez das meninas do The Damnation lançarem seu EP de estreia. O som, cuja agressividade combina com o tom ácido das letras, já repercutiu em vários países mundo afora. Bati um papo com a vocalista, guitarrista e principal compositora do trio, Renata Petrelli, que dissecou as quatro faixas de “Parasite” e deu sua opinião sobre religião, machismo e algumas peculiaridades do underground que contribuem para a latente desunião da cena. Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli
Fotos: Jéssica Mar / Divulgação


Marcelo Vieira: Saquei no som do EP uma vibe retrô, meio Celtic Frost, aquele black metal embrionário old school. Foi essa a intenção de vocês? 

Renata Petrelli: Olha, para ser sincera eu não pensei em nada disso. Fui fazendo os riffs e tal sem querer soar parecido com alguém ou remeter a alguma coisa. Não conheço muito Celtic Frost. Tenho mais como influências [do black metal] Abbath, Immortal, Behemoth... também gosto muito do thrash metal da Bay Area, como Megadeth, Testament, Anthrax, Metallica das antigas... aí eu misturo tudo. Não fico pensando em querer soar como essas bandas – isso seria muita pretensão da minha parte. Só quero fazer o meu som a partir dessa mistureba aí [risos].


MV: Sempre gosto de ler as letras para ver como o que é cantado se mistura com o que é tocado e, assim, entender a mensagem por completo, contextualizada. “World’s Curse” tem um clima meio fatalista, até meio niilista. “You born / you rise / you grow up / then you die / you suffer / you cry / you taste / how’s life”...

RP: É a ordem da vida, né? De uma maneira pessimista, no caso. 


MV: Me faz pensar logo naquela máxima do Benjamin Franklin, de que as únicas certezas da vida são a morte e o imposto [risos].

RP: Mas é isso mesmo!


MV: Essa perspectiva é algo em que você acredita a partir, sei lá, da sua história ou da sua vivência ou reflete uma percepção sua do mundo de hoje em dia? 

RP: Acho que é mais uma percepção de mundo. Sempre fui muito sonhadora, no sentido de achar que a vida tem que ser vivida. A maioria das pessoas acha que uma vida bem-sucedida se resume a entrar numa boa faculdade, começar a trabalhar para pagar as contas e acaba morrendo sem ter aproveitado nada. Eu, Renata, penso um pouco diferente. O que eu quis dizer com a letra é que a maioria das pessoas só têm essa opção, só conseguem viver dessa maneira, trabalhando para sobreviver e não para viver o que a vida tem de bom. 


MV: Limitar a existência ao pagamento dos boletos é uma realidade muito cruel.

RP: Também acho. 


© Jéssica Mar

MV: Seguindo em frente, na “Parasite” você dá um puxão de orelha ao dizer “Don’t lie to your inner side”. Há um parasita a ser nomeado ou você foi inspirada na atitude comum às pessoas que estão no mundo e perderam a viagem? [Risos]

RP: Acho que isso cabe em vários contextos, sobretudo no nosso país. Mas escrevi [essa letra] depois de passar por uma situação na qual acredito que as pessoas tentaram se aproveitar da minha boa-fé. O que eu quero dizer aí é que a pessoa precisa correr atrás do seu sem ficar na dependência dos outros ou usando os outros como subterfúgio para conquistar coisas que ela, sozinha, talvez não conseguisse. É de pessoas gananciosas e inescrupulosas que estou falando. 


MV: Curiosamente, a letra seguinte, da “Apocalypse”, acaba dialogando um pouco com essa questão. “Measure your actions or expect bad reactions”. 

RP: É a represália, né? As pessoas acham que nunca vão pagar pelas suas atitudes, que todo mundo é passivo e incapaz de rebater. A ideia é essa mesmo. 


MV: Já que você citou o Brasil na penúltima resposta, “Unholy Soldiers” me pareceu autoexplicativa: é o retrato de um Brasil reacionário governado por evangélicos que são pura intolerância e não praticam aquilo que pregam.

RP: Exatamente. A hipocrisia rola solta. Não sigo nenhuma religião, mas respeito quem segue, quem acha importante seguir. Menos quando você usa a religião para manipular as pessoas. Faço uma crítica a isso: as pessoas têm o direito de seguir o que quiserem, desde que não prejudiquem o próximo.


MV: O Ozzy tem uma frase que, para mim, é a melhor definição disso tudo: “Religião é como pênis; tudo bem você ter, mas não é legal ficar querendo enfiar nas pessoas à força”. 

RP: Totalmente. Já presenciei situações quando eu era mais nova e estava, sei lá, com uma camiseta do Helloween e vir uma pessoa querendo pregar para mim. Fiquei olhando, tipo... [risos] 


MV: Imagina só se fosse uma camiseta do Rotting Christ! [Risos]

RP: Imagina! Outra banda que eu gosto bastante!




MV: Percebo que o público brasileiro de rock tende a se segregar de acordo com o estilo, diferente de lá fora, onde, por exemplo, bandas de hard e de metal dividem o posto de headliner em alguns dos principais festivais. No fim das contas, é tudo rock ‘n’ roll. Você acha que essa falta de “união” baseada em gostos é o que impede a cena brasileira de se fortalecer como um todo e voltar a subir?

RP: Há algumas questões aí. As pessoas realmente se separam como se você gostando de uma coisa não pudesse gostar de outra. Por conta disso, ficam vários grupos menores que se tornam inexpressivos para mostrar a força que o metal tem como um todo. Mas toda vez que rola show de uma banda grande, nem que parcele em 12 vezes, a pessoa dá um jeito de ir, entende?


MV: Essa é a mais pura verdade!

RP: Outro ponto é o fato de o idioma do heavy metal ser o inglês, que não é a nossa língua-mãe. Acredito que isso dificulte um pouco a penetração na grande massa, porque a maioria não entende inglês. Por outro lado, ainda causa estranheza nas pessoas ouvir uma banda como o Project 46, que é uma puta puta banda cujas letras são em português. Enfim, parece que a temática das músicas também não consegue atingir as massas. Nós, dentro do metal, somos muito incisivos em relação à política, à desigualdade... os artistas mais ouvidos no Brasil falam sobre traição...


MV: Sofrência!

RP: É, coisas assim, mais corriqueiras.


MV: E mais rasas, né?

RP: Sim, acabam sendo mais rasas mesmo. Não que seja ruim; às vezes é bom falar de coisas mais rasas para abstrair um pouco. 


© Jéssica Mar

MV: Outra coisa que observo é que muitas vezes o público brasileiro acaba se interessando e correndo atrás de uma banda nacional só depois que essa banda começa a repercutir lá fora. É como se o aval do gringo fosse um selo de qualidade, como se o cara lá de fora entendesse mais de som do que a gente...

RP: Isso desde os tempos mais primórdios, né? Com o Sepultura foi assim, com o Angra foi assim, com as meninas da Nervosa é assim. O brasileiro sofre da chamada “síndrome do vira-lata”, acha que nunca pode ter algo bom o suficiente e que o gringo tem gabarito para falar o que é bom e o que não é. Nós temos condições de exportar heavy metal. Vê só a Finlândia, por exemplo. O metal é o estilo musical mais popular do país!


MV: Não só lá, mas ainda é muito louco pensar que existe uma realidade como a deles. Falando nisso, o EP de vocês já repercutiu lá fora, né?

RP: Já! Pelo que vejo, nossos principais ouvintes estão nos Estados Unidos, em Portugal, na Alemanha e na Suécia. Recebemos algumas resenhas bem legais na Finlândia, na Noruega e em outros países que eu não lembro [risos].


MV: E vai ter lançamento em formato físico, né?

R: Vai, vai.


MV: Já tem previsão?

R: Acredito que em janeiro.


© Jéssica Mar

MV: Imagino que vocês, sendo uma banda de mulheres, assessorada inclusive por mulheres, tenham de lidar com certos machismos numa base diária. Ainda tem muito homem babaca no metal?

RP: Tem para cacete! [Risos] Internet aceita o que quiser, né? Falta respeito, mas tem muita gente que apoia, que gosta. Enquanto o cara está lá perdendo tempo escrevendo besteira dos outros, está deixando o próprio sonho de lado. Dou risada, porque se você resolve ir matar a curiosidade de ver quem comenta as besteiras, você pensa: “Meu Deus, esse aí nunca transou.” Mas qualquer um que pretende fazer algo e tornar público precisa ter a frieza de não se deixar abalar, do contrário... 


MV: E para 2021, a vacina saindo e as coisas voltando a normal... quais são os planos?

RP: A gente quer tocar, né? Logo que começar a vacina a gente vai começar a marcar shows. E tem o álbum também. Já fizemos a pré-produção, estamos gravando as guias e tal. Acredito que no segundo semestre a gente esteja com tudo pronto. 


MV: Excelente! Agora, para encerrar, manda o seu recado para os leitores do meu novo site!

RP: Antes de mais nada, muito sucesso para o seu novo site! É sempre bom ter pessoas interessadas nas particularidades do som de cada banda. É isso que acaba fazendo a diferença, para acabar com o “mais do mesmo”, que é um problema no jornalismo musical. Para as pessoas que não conhecem o The Damnation, o EP é apenas um aperitivo das coisas que faremos ano que vem no álbum. Não esperem músicas sempre com a mesma pegada, pois não me prendo a rótulos ou estilos. Obrigada a todo mundo que está curtindo, dando aquela força. Logo menos teremos um CD físico, camisetas e, se tudo permitir, shows!


© Jéssica Mar

Comentários

  1. Super diferente tua EMQs, não é sempre o óbvio, teu nome, de onde vc vem, etc...e tal, é uma reportagem completamente diferente e que chama a atenção. E eu sou muito crítica nesse lance. Marcelo só posso te dizer, vc entrevistou minha nova, acredito que a única Diva, Renata Petrelli. Parabéns 👏👏.

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