ENTREVISTA com Ross the Boss: “Viking metal? Para mim é tudo rock ‘n’ roll!”

 


Membro fundador de grupos seminais do punk (The Dictators) e do metal (Manowar), Ross the Boss não se deixou intimidar pela pandemia do novo coronavírus: em 2020, o guitarrista lançou dois álbuns, fez versão acústica de clássico dos anos 80 e participou em single de nome cult do industrial alemão. O fio condutor do bate-papo que você está prestes a ler foi “Conquered Lands”, novo álbum do Death Dealer, banda que conta com o vocalista Sean Peck (Cage, The Three Tremors), o também guitarrista Stu Marshall (Night Legion), o baterista Steve Bolognese e o recém-chegado baixista das mil e uma bandas Mike LePond. Mas em pouco mais de meia hora, Ross e eu falamos também sobre seu passado e, principalmente, sobre o seu futuro, que inclui, veja só, novo álbum e turnê do The Dictators. Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Divulgação


Marcelo Vieira: “Conquered Lands” traz muitos dos ingredientes que, na minha opinião, compõem a receita de um disco de heavy metal vencedor. Solos dobrados, bumbo duplo em altíssima velocidade, riffs em palhetada alternada e até mesmo algumas influências dos anos 70 e 80. Eu queria que você contasse quem deu o pontapé inicial nessas composições.

Ross the Boss: Na verdade, a maioria dessas músicas foi escrita algum tempo depois do lançamento do “Hallowed Ground” (2015), mas nós as deixamos na geladeira porque eu estava enrolado com a banda Ross the Boss, o Sean com o Cage e o The Three Tremors e o Stu com o Night Legion. Só que aí veio essa merda de pandemia, então eu propus aos outros que finalizássemos o disco. Sean concordou de imediato, disse que seria bom e tal. Então foi isso; nós finalizamos o disco, o lançamos e quer saber? Estamos finalizando o próximo disco também.


MV: Esta é uma ótima notícia!

RTB: Em breve teremos o quarto disco e também o quinto.


MV: Haja música, hein?

RTB: Sim, haja música, mas nós temos muita coisa pronta, e como não temos muito mais o que fazer, estamos aproveitando todo o tempo disponível. 


MV: O título “Conquered Lands” somado a alguns temas tratados nas letras me fizeram pensar se tratar de um disco conceitual. Há um conceito por trás dele?

RTB: Não acho que exista um conceito. Na minha opinião, é apenas um disco de heavy metal bom pra caralho. “Running with the Wolves”, por exemplo. Imagine só se essa música tivesse sido lançada nos anos 80? O disco teria vendido milhões de cópias em questão de semanas!


MV: “Running with the Wolves” é uma das minhas favoritas do repertório. Outra que gostei bastante foi a faixa-título. Aqueles fraseados de guitarra em escala menor me fizeram lembrar de Ritchie Blackmore e do Rainbow.

RTB: É, quem sabe...



MV: Analisando o repertório como um todo, quais músicas você considera as mais fortes ou quais você tem como favoritas?

RTB: Minha trinca pessoal é “Running with the Wolves”, “Sorcerer Supreme” e “22 Gone”.


MV: “22 Gone” é talvez o mais perto que uma banda como o Death Dealer pode chegar de fazer uma balada. Qual é a história por trás dela?

RTB: É a música mais depressiva já escrita. É sobre um veterano de guerra que volta para casa e tudo começa a dar errado para ele.


MV: Veterano de alguma guerra específica?

RTB: De alguma dessas últimas guerras. Afeganistão, Irã, Iraque... malditas guerras. 


MV: Em comparação aos dois discos anteriores – “War Master” (2013) e “Hallowed Ground” (2015) –, você sente que o padrão de qualidade foi elevado a ponto de tornar “Conquered Lands” a melhor porta de entrada para aqueles que nunca ouviram o som da banda?

RTB: Eu diria que qualquer música nossa é a melhor porta de entrada. Mantivemos o mesmo padrão de qualidade nos três álbuns, exceto que estamos compondo cada vez melhor em conjunto. Foi essa consistência que lá atrás me convenceu a me juntar à banda sempre que o Ross the Boss estivesse de férias. As músicas do Stu e do Sean eram realmente boas e muito diferentes do que eu toco no Ross the Boss. Não só isso, mas toda a questão visual, os produtos. Todas as nossas capas são fantásticas e ficam lindas em camisetas e moletons. Aliás, é comprando os produtos oficiais que os fãs podem ajudar as bandas, sejam elas iniciantes ou veteranas, nesse período sem shows. 


MV: Isso ajuda não só as bandas, né?

RTB: Sim, ajuda a todos. Muitos profissionais estão sem trabalho. Produtoras, casas de shows, equipe técnica...


MV: Muitas casas de shows fecharam as portas aqui no Brasil.

RTB: E pode apostar que muitas delas não vão reabrir. Isso é uma pena.




MV: “Conquered Lands” não foi a sua única novidade musical em 2020, certo? Em agosto, você participou de uma regravação de “No More Heroes” do The Stranglers com os alemães do Die Krupps. 

RTB: Isso mesmo. Eles entraram em contato comigo porque são fãs do meu trabalho com o The Dictators. Aliás, estamos gravando um novo álbum. Acabei de receber as primeiras mixes.


MV: Eita!

RTB: Por essa você não esperava, né?


MV: Não mesmo!

RTB: Então, Jürgen Engler [vocalista do Die Krupps] me ligou e perguntou se eu queria tocar nessa versão do The Stranglers. Eu disse que sim, até porque o The Dictators abriu os shows do The Stranglers na Inglaterra em 1977 e nós costumávamos improvisar em cima dessa música, que todos amávamos e conhecíamos muitíssimo bem. Mandei bem na gravação e eles adoraram o resultado. É uma música que combina com clima de verão e a resposta do público não poderia ter sido melhor!


MV: Ou seja, mesmo durante a pandemia você não parou um minuto.

RTB: É isso aí! E a AFM acabou de liberar uma versão acústica que gravei de “Heart of Steel” [do Manowar], que também tem sido bastante elogiada. Ela está disponível no YouTube. E quanto ao The Dictators, a primeira prévia do novo álbum será disponibilizada em breve nas redes sociais. 


MV: Você planeja sair em turnê com o The Dictators?

RTB: Com certeza! E com a formação original, exceto pelo [vocalista] Richard Manitoba, que não estará conosco. Mas somos eu, Scott [“Top Ten” Kempner], Andy [Shernoff] e o nosso novo baterista, o primeiro e único Albert Bouchard, que é o baterista original do Blue Öyster Cult. Está sendo maneiro demais, acredite. Quatro músicos de primeira fazendo músicas boas pra caralho. Já gravamos quatro e muitas outras estão a caminho.




MV: De todos os álbuns que você gravou ao longo desses anos todos, qual você diria que resume mais perfeitamente as suas habilidades como guitarrista e compositor?

RTB: Eu diria que o novo álbum do Ross the Boss, “Born of Fire”, está entre os melhores que já fiz. É um disco incrível que representa um salto de qualidade em termos de som e composição. E o novo do Death Dealer, é claro. São dois álbuns que eu poderia passar o resto da vida ouvindo. 


MV: Em relação ao heavy metal como um todo, você acredita que ainda haja terreno a ser explorado no gênero? E essa expansão de horizontes depende mais da coragem do artista ou da mente aberta dos fãs?

RTB: Ah, acho que falta coragem nos músicos para fazer isso. Eu, por exemplo, toco música de vários gêneros. O The Dictators não é metal. Canto desde que me entendo por gente e até hoje algumas pessoas me perguntam como eu ouso fazer isso. A resposta é simples: “mais cedo ou mais tarde gravarei um disco de blues”. Me sinto um guitarrista de blues em meio a dez milhões de guitarristas de metal. É fundamental que os artistas não se imponham limites. Esse é o segredo de uma carreira bem-sucedida.  


MV: Essa é boa! Então você cresceu ouvindo blues?

RTB: Pois é! [risos] Blues e bandas britânicas, como o Yardbirds, o Cream e o Led Zeppelin. Jimi Hendrix, Fleetwood Mac, Santana, coisas assim. Eu corria atrás de ouvir toda banda que tivesse um baita guitarrista. Absorvi muita coisa naquela época. Expandir os horizontes é sempre melhor que limitá-los. Hoje em dia são tantos rótulos e subgêneros que eu nem reconheço mais. Viking metal? Para mim é tudo rock ‘n’ roll. Já power metal é aquilo: as pessoas dizem que Joey [DeMaio] e eu o inventamos e eu, de certa forma, concordo. Mas não sou o melhor do mundo para rotular quem quer que seja. 


MV: Na contramão disso tudo que você disse, muitas bandas da nova geração estão tentando recriar a atmosfera dos anos 80 gravando em analógico, usando instrumentos, pedais e amplificadores vintage e empregando inúmeros clichês da época. Você sente que essa rapaziada está tentando imitar vocês?

RTB: Convenhamos: os anos 80 foram a última boa década para a música. Os anos 90 foram uma merda. Claro, houve bandas boas, mas nada comparado aos anos 80, quando praticamente todas as bandas que surgiram eram muito boas. É fato: digam o que quiserem sobre o Manowar. Agora me mostrem uma banda que tenha uma sequência inicial de lançamentos tão forte quanto aquela?


MV: Bem, eu diria que “Hail to England” (1984) é um dos meus discos de metal favoritos.

RTB: Pois é. Como superar isso? E como superar Metallica, Megadeth, Mötley Crüe, Anthrax...? 


MV: Dessa sequência inicial do Manowar, você tem um preferido ou um que desperte as melhores lembranças do seu tempo na banda?

RTB: Minhas melhores lembranças datam de quando Joey e eu estávamos falidos, vivendo juntos em Nova York, compondo e, então, gravando uma demo financiada por um amigo que trabalhava na EMI; demo essa que eles adoraram e os convenceu a nos contratar. Gravamos e lançamos “Battle Hymns” (1982) e a partir daí a coisa deslanchou. Essas são as minhas melhores lembranças, que ficam ainda melhores quando vejo o impacto que a banda causou no mundo do heavy metal.



MV: Nesses anos todos na indústria, você certamente aprendeu muita coisa. De todas as lições, qual foi a mais valiosa?

RTB: Acredite em si mesmo, não dê ouvidos a ninguém, leia atentamente os contratos, tenha um bom advogado, trabalhe somente com pessoas que você gosta, evite cânceres na sua banda, faça cada show como se fosse o último e seja atencioso com os seus fãs, pois sem eles você não é nada. É isso que penso e coloco em prática. 


MV: Sente que perdeu alguma grande oportunidade ao longo do caminho?

RTB: Algumas, mas sempre agi de acordo com o que o coração mandava. Formei o The Dictators e veja sua importância para o punk rock norte-americano. No ano seguinte, os Ramones estavam nos copiando. Depois, formei o Manowar e ajudei a forjar as bases do power metal. Acho que fiz o que tinha de fazer. Obviamente cometi erros; quem não os comete? Mas para vencer na vida, você precisa estar preparado para perder. Quer fazer sucesso? Então treine para saber lidar com o fracasso.


MV: E para encerramos, qual é a sua mensagem para os fãs do Brasil e leitores de MARCELOVIEIRAMUSIC.COM.BR?

RTB: Bem, primeiramente me perdoem, pois eu não falo português. [risos] Mas acabei de lançar dois dos meus melhores trabalhos. Então, headbangers do Brasil, o Ross aqui os convoca para que deem o seu apoio! Gastem seu dinheiro conosco, vocês não se arrependerão! [risos] Comprem meu novo álbum, “Born of Fire”. Comprem “Conquered Lands”. Ajude-nos! Estaremos juntos logo logo. Mal posso esperar para voltar à América do Sul e ao Brasil. É muito frustrante estar trancado dentro de casa. Deixe seu “like” e compartilhe o clipe de “Running with the Wolves”. E lembre-se: o rock ‘n’ roll é a única coisa que jamais irá decepcionar vocês. Que a vacina venha e venha logo!



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