ENTREVISTA com Wolf Hoffmann (Accept): “Os anos 90 nunca deviam ter existido!”


Dizer que o Accept vive, desde a entrada do vocalista Mark Tornillo, sua fase mais produtiva é chover no molhado. Nos últimos dez anos, foram quatro álbuns de estúdio e dois ao vivo. No próximo dia 15 de janeiro, um novo capítulo será aberto na já extensa discografia da banda com “Too Mean to Die”. Embora o álbum ainda não tenha sido liberado na íntegra para a imprensa – apesar de uma edição nacional em CD já ter sido anunciada –, bati um papo com o guitarrista Wolf Hoffmann, que, de sua casa na Flórida (EUA) antecipou o que eu, meus colegas e todos os fãs do Accept podem esperar do “disco da cobra”, demonstrou pouca intimidade com o universo da luta livre – apesar de ter tido música num filme sobre o esporte – e opinou sobre a década que a maioria das bandas cujo auge se deu nos anos 80 prefere esquecer. Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli
Fotos: Gustavo Maiato & Divulgação 


Marcelo Vieira: Você é uma espécie de Mick Box (Uriah Heep) do heavy metal; afinal, é o remanescente da formação original e único responsável pela assinatura sonora da banda que fundou. Como é ter essa responsabilidade?
Wolf Hoffmann: Bem, ser o único remanescente nunca foi a minha intenção e não era uma realidade até o Peter [Baltes, baixista] sair da banda dois anos atrás. Agora que estou sozinho é um pouco estranho. Nunca quis que isso acontecesse, mas preciso lidar da melhor maneira possível. Vejo-me mais responsável por manter o Accept soando como o Accept que qualquer outra coisa. Por isso, sempre que componho, seja sozinho seja com outro integrante da banda, procuro assegurar que o resultado seja aquilo que os fãs querem ouvir. Nada de reinventar a roda; tentamos dar aos fãs o som que eles vêm amando por todos esses anos, com todos os elementos típicos da música do Accept: um heavy metal sólido com refrães marcantes. 


MV: Num paralelo com Ritchie Blackmore, que, assim como você, estudou música clássica e incluiu muito desse aprendizado no som das bandas que comandou, como você avalia a importância desse “background”, muito mais explícito na sua carreira solo, no som do Accept?
WH: Bem, eu tento não exagerar nem forçar esse lance clássico nas músicas do Accept. Se rolar, rolou. Gosto de experimentar às vezes, mas prefiro diferenciar o máximo possível a minha carreira solo do Accept. O Accept não requer esses ingredientes clássicos, mas às vezes eles vêm bem a calhar. Por exemplo, no novo álbum tem uma música chamada “Symphony of Pain” que é fortemente influenciada por elementos da música clássica. Mas a presença desses elementos não é uma regra.


MV: “Too Mean to Die” é o quinto álbum de estúdio do Accept com Mark Tornillo nos vocais. Eu diria que a última década faz total justiça à fase clássica da banda. Você concorda? 
WH: Os últimos dez anos foram alguns dos mais produtivos de nossas vidas; talvez até mais produtivos que os anos 80, porque houve mais mudanças de estilo entre um álbum e outro sem que houvesse perda da consistência. Cada álbum gravado com Mark tem força própria e foi super bem-recebido pelo público e pela crítica. Fizemos turnês mundiais para cada um deles. Portanto, eu diria que somos mais bem-sucedidos agora do que fomos nos anos 80.


MV: Mesmo assim, ainda tem gente que compare a fase Mark com a fase Udo? 
WH: Isso sempre terá. Muitos fãs cresceram ouvindo aqueles discos, então é natural que comparem o velho Accept ao Accept de hoje em dia. Mas isso não muda o fato de que o Accept atual é o que somos. E se fizemos ótimas músicas nos anos 80, por que não faríamos igual hoje em dia? 




MV: Como muitas coisas em 2020, a gravação do novo álbum teve de ser interrompida por conta da pandemia e suas consequências. Felizmente, vocês conseguiram retomar os trabalhos, ainda que remotamente, em julho. Você poderia explicar como fizeram para o álbum acontecer? 
WH: Gravamos a primeira metade das músicas do jeito tradicional, todos juntos num estúdio em Nashville, incluindo nosso produtor, Andy Sneap. Mas a segunda metade teve de ser gravada sem a presença dele, que acompanhava os trabalhos em tempo real pela Internet. Fora do comum, mas acabou dando certo!


MV: Circunstâncias especiais às vezes levam a resultados especiais. Isso já se aplicou a algum outro álbum do Accept?
WH: Boa pergunta! Não acho que tenhamos passado por algo tão fora do comum [como essa pandemia]. Mas, às vezes, circunstâncias especiais levam a shows especiais! Quando tudo está numa boa, na maior normalidade, o show acontece normalmente, sem sustos. Mas quando algo inesperado acontece sobre o palco, a luz cai, ou alguém sofre algum acidente, você pode ter certeza de que o show será inesquecível. Parece loucura, mas condições adversas resultam em grandes shows!


MV: Nenhuma das letras do novo álbum faz menção à crise mundial provocada pela covid-19. Vocês não acham que os fãs, de repente, esperariam que vocês se posicionassem de alguma forma?
WH: Talvez. Mas acredito que os fãs já estejam de saco cheio de ouvir falar de coronavírus; afinal, está o tempo todo nos jornais e nos programas de TV. Preferimos transmitir nossas mensagens de encorajamento de outra forma, mais alto astral, sem fazer uma referência explícita ao vírus. “Ei, pessoal, nós somos os guerreiros do metal, vaso ruim não quebra etc.” Não esquecendo que nós já temos uma música chamada “Pandemic”!


MV: As duas prévias do novo álbum exemplificam com perfeição o que eu entendo como os dois lados da música do Accept. “Too Mean to Die” é um pique de alta velocidade e um convite a rodas de pogo. Já “The Undertaker” segue a tradição de “Princess of the Dawn” e outras com forte teor narrativo. Como não ouvi o novo álbum ainda, em que direção as demais faixas seguem?
WH: Ambas. Sério, há muita variedade no álbum. Há outras músicas na veia de “Too Mean to Die”, como “Zombie Apocalypse”, por exemplo. Há momentos mais melódicos e até mesmo uma balada chamada “The Best Is Yet to Come”. O álbum encerra com uma instrumental... enfim, você ouvirá!



MV: O segundo comentário com mais curtidas no clipe de “The Undertaker” no YouTube diz o seguinte: “Todos concordamos que o wrestler The Undertaker deveria ter aparecido nesse clipe.” Sei que a música não fala sobre o lutador, mas que teria sido engraçado, teria!
WH: Quem sabe. O problema é que eu nunca tinha ouvido falar desse cara! [Risos]


MV: Ele é só um dos wrestlers mais famosos de todos os tempos.
WH: Sim, agora eu sei, mas só porque me disseram, pois nunca gostei de luta livre. O que é curioso, já que tivemos uma música [“Balls to the Wall”] na trilha sonora de um filme sobre um lutador de luta livre.


MV: Exatamente! O filme era “O lutador” (2008), com Mickey Rourke no papel principal. Vi esse filme no cinema!
WH: Que legal! Achei o filme muito bom!


MV: Já que você mencionou o filme, eu gostaria de saber se você concorda com o personagem principal quando ele diz que, musicalmente, os anos 90 foram uma merda. 
WH: Ô se foram! Digo, foram para a maioria das bandas de metal e certamente foram para o Accept. Foi uma época esquisita na qual ninguém queria saber do bom e velho heavy tradicional e todas as bandas saíram em busca de um novo direcionamento. Falhamos miseravelmente ao tentar encontrar um novo som ou uma nova identidade com álbuns menos produzidos. Fizemos várias tentativas e nenhuma delas deu particularmente certo. Então, me sinto à vontade para afirmar que os anos 90 foram uma merda, sim. Nunca deviam ter existido, mas infelizmente existiram. 


Gustavo Maiato

MV: Agora eu gostaria de falar de números. “Blind Rage” (2014) chegou a um impressionante 35º lugar nos Estados Unidos, tornando-se o disco do Accept mais bem-sucedido no país. Três anos mais tarde, entretanto, “The Rise of Chaos” estagnou na 140ª posição. A que você atribui uma colocação tão alta e outra comparativamente tão baixa?
WH: Olha, eu nem sabia disso. Sei que na Alemanha o “Blind Rage” ficou em primeiro e o “The Rise of Chaos” em terceiro nas paradas. Isso significa que ambos os discos foram muitíssimo bem-sucedidos. É claro que quando você chega tão alto nas paradas, espera que o disco seguinte repita o feito, mas não estamos de maneira alguma insatisfeitos com as vendas. A verdade é que estamos em meio a uma mudança. Como se mede o sucesso hoje em dia? Através dos downloads e das plataformas digitais? No passado era muito mais fácil.


MV: Sim. Dependia apenas de quantas cópias você vendia de um disco.
WH: Pois é. Agora temos tantos formatos diferentes que fica difícil estabelecer uma métrica. O ambiente muda a cada ano. Mas pense comigo: a última década certamente deixou sua marca, e eu sinto que o próximo álbum será tão ou mais bem-recebido que os anteriores. Todos que o ouviram me disseram que ele é tão bom quanto o “Blood of the Nations” (2010). Eu concordo; sinto que as músicas trazem aquele mesmo espírito, aquele mesmo frescor. 


MV: Ainda sobre números, de 2011 para cá, o Accept fez um total de vinte e um shows no Brasil. De qual deles você se lembra com mais carinho?
WH: Meu Deus! Foram tantos que as lembranças acabam se misturando. Mas lembro de um que fizemos num festival... foi no Rock in Rio?


MV: Monsters of Rock!
WH: Isso! Nossa, aquele foi incrível! Nunca tocamos no Rock in Rio. Quem sabe um dia! 


MV: Quem sabe! Além do novo álbum, o que os fãs podem esperar do Accept para 2021?
WH: Isso já não é o bastante? [Risos] Estou brincando!


MV: [Risos] Certamente! Então, que tal deixar uma mensagem para os fãs e leitores de MARCELOVIEIRAMUSIC.com.br?
WH: Espero que todos fiquem a salvo e que essa pandemia acabe logo para que possamos estar juntos novamente. Até lá, comprem o novo álbum, ouçam o Accept nas plataformas digitais e cuidem-se! 

 

Gustavo Maiato

www.acceptworldwide.com 

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