ENTREVISTA: Marcelo Junior (Level 11) e a música que salva vidas


O “about” no Facebook oficial sintetiza a proposta da Level 11 com precisão cirúrgica: “salvar vidas através da música.” Formada em 2015, por dois amigos de infância, a banda tem a missão de levar mensagens de esperança e promover a luta pelo combate à discriminação e desmitificação das doenças emocionais, mentais ou “da alma”. Bati um papo com o vocalista Marcelo Junior, que anos após ter sido diagnosticado com essa doença, compartilha através das canções sentimentos e conhecimentos vivenciados por ele.


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Divulgação


Marcelo Vieira: Você formou a Level 11 em 2015, num ano muito difícil da sua vida. Então, eu queria começar nosso bate-papo com você contando como isso foi terapêutico para você na época. 

Marcelo Junior: Foi mais ou menos no início de 2015. Reencontrei um amigo de infância depois de quase vinte anos. Ele ficou sabendo que eu tinha acabado de passar pelo tratamento de depressão e quis me visitar para ver como eu estava. Quando viu meu estado, ficou apavorado. “Meu, você não é assim, você é um cara alegre. Vamos fazer alguma coisa para melhorar isso!” Então ele sugeriu que fizéssemos uma banda de rock. “Você gosta de música, a gente teve banda na adolescência.” Falei que ele estava louco. “Banda de rock? Estou com depressão, não quero sair de casa, acabei de voltar do hospital.” Ele falou que a sacada era essa; contar minha história e inspirar outras pessoas que estão enfrentando a mesma luta a seguir em frente. 

Relutei até o dia em que ele veio até o meu apartamento para fazer um som sem compromisso. Ele trouxe bateria, baixo e guitarra, e fizemos uma bagunça aqui! Certa hora, um garoto vizinho perguntou se poderia entrar para assistir. “Pode, ué!” Esse moleque fez um vídeo e publicou nas redes sociais! [risos] Na época eu não tinha Facebook, Instagram, WhatsApp; eu estava isolado do mundo. Aí soube que o pessoal começou a compartilhar... até que o vídeo chegou ao Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, que curtiu e comentou “Caraca, o cara tem a voz parecida com a minha, que massa!”. Aí o negócio ficou louco; o pessoal ficou louco. “Mano, o Dinho curtiu o bagulho!” Começamos a receber convites e ligações, pessoas querendo contratar nosso show e, por incrível que pareça, foi assim que comecei a fazer shows! 


MV: Sua voz realmente lembra muito a do Dinho! 

MJ: O pessoal zoa pra caramba! No começo da banda, quando a gente tocava em casamento, pub, barzinho, tocava de tudo; rock nacional, internacional etc. A cada duas músicas, o pessoal pedia para tocar uma do Capital! [risos]


MV: Deve ter sido incrível para você, então, quando o Dinho curtiu e comentou um vídeo seu.

MJ: Foi demais! Quando a gente começou a fazer música autoral e eu gravei um vídeo no Instagram tocando música própria, ele foi lá e deu um like também. Atitudes como essa do Dinho fortalecem muito; validam o seu trabalho e fortalecem a sua caminhada.



MV: É possível dizer que o que se ouve no disco de 2018 são músicas fruto desse período de redescoberta, reavaliação pessoal e retomada da vida após a depressão?

MJ: É exatamente isso; uma fotografia do momento! “Bad Dreams”, “Horas Vazias” e “Ciclo Oriental” são canções que traduzem o que é alguém cheio de remédio nas ideias, fazendo terapia. Tem outra nossa chamada “O Que Eu Nunca Esqueço” que o pessoal sempre pede muito nos shows, mas que é difícil de cantar ao vivo, pois é como se eu voltasse para aquele momento e começasse a sentir de novo toda aquela emoção...


MV: De todas as letras, talvez seja a mais íntima e pessoal do disco. Para mim, é também a música que carrega a energia geral do disco. Fala um pouco sobre ela.

MJ: Ela traduz o sentimento de alguém que não consegue se enquadrar, entender o que está acontecendo, mas que está batalhando, seguindo em frente apesar das dores, das dificuldades, das acusações e dos julgamentos; alguém que não consegue cumprir com as expectativas dos pais, amigos, do chefe e da sociedade; alguém que só quer ser quem é. No final da canção eu canto que “o mundo é duro porque o homem é mau”. O ser humano não consegue ter compaixão, empatia, respeito, reciprocidade. Somos criados aprendendo a exigir bastante sem retribuir.



MV: Você citou falta de compreensão, de reciprocidade. Muita gente não tem a sensibilidade para entender que depressão não é frescura. Você chegou a sofrer algum tipo de preconceito na época que revelou o seu diagnóstico?

MJ: Na época do diagnóstico, eu tinha um cargo importante numa empresa grande. Abri o jogo para o diretor da empresa, pedi para sair mais cedo alguns dias para ir à terapia. A resposta que tive foi que não ficava bonito para o mercado, para os negócios, a empresa ter um gerente com depressão e que, infelizmente, eu seria demitido. 


MV: E você, que já estava num momento ruim, ficou ainda pior.

MJ: Perfeito. E aí você vai atrás da sua família, e ela acredita que [a depressão] é falta de Deus ou falta do que fazer. Além da fisiologia, da química, você começa a se sentir completamente só porque as pessoas simplesmente se afastam. Amigos e amigas começam a se afastar porque você vira um pé no saco; alguém irritante, triste, que não quer sair, trocar ideia... Eu tinha acabado de casar, e infelizmente minha esposa não conseguiu entender isso. Conviver com um depressivo é um desafio diário. A depressão não é só da pessoa que tem o diagnóstico; é do parceiro também. Ela não segurou a barra e acabou indo embora também. 


MV: O Brasil vive um momento de total retrocesso devido ao desgoverno do atual presidente. É curioso ver que muitos artistas e grupos dos anos 80, que bateram de frente com a ditadura, parecem ter se acovardado ou, o que é pior, ter adotado um discurso reacionário. Como fã dessas bandas, você se sente traído ou decepcionado?

MJ: Então, eu enxergo a música, a arte, e vejo a pessoa, o ser humano por trás, e separo isso para não me decepcionar. O ideal é que o fã não crie imagem de santo dos seus ídolos, pois a decepção é certa. Recentemente um fã tatuou meu nome no braço. Eu falei: “Espero que você tenha feito isso porque gosta muito da música e não pelo Marcelo Junior como pessoa, pois não sou perfeito! 

Vejo que essa galera dos anos 80 virou pai, mãe, constituiu família e, visando à proteção dos filhos, acabaram se tornando tudo o que mais odiavam, tudo o que combatiam. Acho que falta um pouco de conhecimento do mundo real, falta andar na periferia e ver o que está acontecendo. Não tem como ficar calado, muito menos como concordar. Essa gente vive num mundo de fantasia onde tudo é muito confortável e adorável. Se Raul [Seixas] e Renato [Russo] estivessem vivos, estariam brigando pra caramba! 



MV: Acabamos de completar um ano de pandemia. Embora haja uma perspectiva de melhora por conta da vacina e tal, todo o isolamento, o distanciamento etc. pôs em evidência doenças como depressão, ansiedade e síndrome do pânico. Podemos dizer que o som de vocês está muito em consonância com o momento, né?

MJ: Dois meses atrás a gente lançou uma música chamada “Nada no Espelho”. Pouco antes do lançamento, eu me peguei em casa, conversando comigo mesmo, pensando em parar, sabe? “Chega de música, vou arranjar um emprego normal, trabalhar de segunda a sexta, vir para casa para ver novela, futebol, jantar e dormir.” E justamente nesse dia passou no jornal uma notícia de que só no último trimestre de 2020, com a pandemia, o número de suicídios aumentou em 30% entre os adolescentes no Brasil. Na hora que eu vi essa notícia, falei: “Não posso parar; a Level 11 tem que continuar!” 

De 2020 para cá, com a pandemia, o nosso público passou a ser jovens de 13 a 17 anos. Esses jovens estão ouvindo a gente. A Level11 tem que continuar, produzir, falar com eles, abraçá-los, mostrar que estamos aqui e que estamos juntos! Recentemente, um fã mandou uma mensagem para mim dizendo que queria me encontrar para me dar um presente. Marquei num shopping aqui da Zona Leste, almoçamos juntos e passamos a tarde conversando. Ele desabafou sobre as lutas dele, sobre profissão, emprego... Olhando aquilo, não sei explicar em palavras, mas vi o propósito da banda; a gente possibilitou àquele jovem me procurar para poder desabafar, pedir conselhos. Lembrei logo do filme do Homem-Aranha: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.” 

Nos shows a gente faz questão de dizer que a música é um meio; para a Level 11, a música não é o final. O final é o relacionamento com o público; estamos aqui para falar com o público, para usar o rock and roll como meio de construir algo na vida do público. Eu tenho até um sonho e um desejo de que a Level 11 se torne um instituto, o Instituto Level 11, e a nossa música vai ser um meio que gere fundos para mantê-lo, sabe?



MV: “Nada no Espelho” fala sobre aceitação, que é outro tema entrelaçado à temática da depressão. Aceitar a si mesmo é o ponto de partida para várias coisas. É como se como o disco de 2018 você tivesse apresentado o tema e, agora, estivesse o dissecando. 

MJ: “Nada no Espelho” fala sobre você parar de buscar o padrão, não só de aparência, mas de personalidade, de jeito de ser. Você não tem que saber a resposta para tudo, não tem que escolher um lado sempre. Muitas vezes você nem sabe direito o que está acontecendo; precisa caminhar, se conhecer, se descobrir e ser feliz como você é. Vários jovens conheceram a banda por essa música e disseram que aprenderam a se aceitar graças a nós! Eu fico besta com essa coragem porque nem eu consigo me aceitar cem por cento. Aí eu respondo: “Me ajuda aí!” [risos]


MV: Embora ainda seja, em essência, pop rock, em “Nada no Espelho” a balança pesa um pouco mais para o lado do rock. Notei até que você está cantando diferente, subindo mais o tom, prolongando mais as notas. Essa é a nova cara da Level 11? O material que está vindo por aí é mais pesado nesse sentido?

MJ: Você acaba de fazer a pergunta de um milhão de dólares! [risos] A gente tem uma essência, que é o pós-punk, e traz essa morbidez nas letras, no jeito de cantar e na simplicidade do som. Mas não queremos nos definir nem nos limitar. “Faça o Bem” tem um rap no meio. “Só Um Motivo” é cem por cento indie, um negócio folk com violão e violino. Aí você tem “Nada no Espelho”, que é puro rock and roll. Nossa ideia é não se definir por rótulo nenhum; a gente quer fazer música para militar em prol daqueles que sofrem como a gente sofre, com depressão e transtornos emocionais. Inclusive, fizemos versões para seis músicas antigas da Level e tem até uma que virou meio que um xote! 


MV: “Who dares wins” como diria o panfleto de guerra. Mas o público do rock, sobretudo brasileiro, tende a segmentar, a excluir. Ousar artisticamente, infelizmente, é se arriscar com o público. 

MJ: A gente já sofreu pra caramba com isso. Pra você ter uma ideia, já participamos de eventos onde teve banda que não quis conosco porque a gente “não é rock”. Já ouvimos não a propostas de parceria por causa do nosso estilo. O rock infelizmente ainda tem essa galera de visão turva, mas vejo certa mudança; o underground já está mudando. Bandas que estão no mainstream, como Supercombo e Scalene, misturam tudo quanto é coisa e estão vindo para mostrar como esse preconceito é bobagem e só enfraquece. Quem perde é a arte.



MV: Além dessas seis músicas, o que mais podemos esperar da Level 11 em 2021?

MJ: Estamos terminando de mixar esse EP, que vai se chamar “levelferiassessions”. Serão seis canções em formato acústico. Também vamos gravar um show sem público aqui no interior de São Paulo numa pegada bem sertaneja, à beira da piscina, um negócio bem bacana, produção hollywoodiana com várias câmeras. No final do mês a gente volta para o estúdio para retomar as gravações do álbum dois, que pretendemos lançar no final de junho. Se tudo correr bem e todo mundo estiver vacinado até setembro, vamos tirar o último trimestre para viajar pelo Brasil, visitar algumas cidades importantes na história da Level; cidades que têm rádios locais que tocam o nosso som, que têm fã-clubes. 


MV: Já tem nome o álbum dois?

MJ: Sim! Vai se chamar “Rexista”, com “X”. Resista a tudo isso para existir!


MV: Agora, vamos encerrar com um recado para os fãs da Level 11 e leitores do Marcelo Vieira Music!

MJ: Tenham fé, esperança, força e não desanimem. Vamos acreditar! A vacina está aí, o mundo inteiro está sendo vacinado, então, quando chegar a sua vez, tome a vacina você também! Tenho pavor de agulha, mas, acima de tudo, quero ter paz e saúde para reencontrar todos vocês e estar de volta aos palcos o quanto antes! Vamos nos divertir e celebrar a vida novamente! Aproveite o momento para ficar em casa, ler bons livros, alimentar o espírito, a mente e o coração com coisas boas. Sejamos todos agentes do bem! Confiem mais, façam acontecer e façam com que dê certo! Avante Levels!


Saiba mais sobre a Level 11:

Facebook | Instagram | Site oficial

Comentários

  1. Gratidão sempre, avante #lightlevels !

    ResponderExcluir
  2. Acompanho desde o início da Banda . O Marcelo Junior, tem uma missão de levar paz com suas músicas, encantando e cantando. Parabéns Banda , sucesso!!

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pela matéria!!! Avante Level's!!!👏👏👏

    ResponderExcluir

Postar um comentário