ENTREVISTA: Ricky Warwick fala sobre seu novo disco solo, The Almighty e Black Star Riders

Um dos lançamentos que mais chamou a minha atenção em fevereiro foi “When Life Was Hard and Fast”, de Ricky Warwick. O quinto álbum solo do vocalista do Black Star Riders chega num momento de paralisação na música ao vivo devido à pandemia do novo coronavírus. Ainda assim, o norte-irlandês, com quem tive o prazer de conversar recentemente, está empolgado para divulgar o material, explorando todas as possibilidades; seja fazendo lives, seja dando entrevistas. Bora conferir?


Fotos: Robin Wielink / Divulgação


Comecei o bate-papo com Ricky chamando a atenção dele para o fato de algumas resenhas estarem definindo seu mais novo trabalho como “dad’s rock”, ou “rock de pai”. “O que me resta dizer? Tenho 54 anos e não tento fingir que tenho 24. Sou o que sou, faço o tipo de som que eu gosto e não vou mudar. Se o que eles chamam de ‘dad’s rock’ é um rock da pesada repleto de uma energia que gente com metade da minha idade é incapaz de conseguir, então eu aceito a definição!” 


“When Life Was Hard and Fast” é fruto da parceria de Ricky com Keith Nelson. O ex-guitarrista do Buckcherry era a primeira opção do Black Star Riders após a saída de Damon Johnson, “mas disse ‘não’ por não estar disposto a fazer turnês, embora tenha demonstrado interesse em compor e gravar.” Mas como a dupla se conheceu? “Nosso amigo em comum, Richard Fortus, atualmente no Guns N’ Roses, nos apresentou no comecinho de 2018. Rolou uma química entre nós dois e no nosso primeiro encontro em estúdio escrevemos a música ‘Fighting Heart’. Fiquei tão fissurado naquela demo que liguei para ele e abri o jogo: ‘tenho várias ideias de músicas para o meu próximo disco solo. Você topa coescrever e coproduzir esse material comigo?’ ‘Só se for agora!’”


O objetivo de Ricky no disco era obter um meio termo entre Tom Petty e Johnny Thunders. Como Keith tornaria isso possível? “Keith é igualzinho a mim; ele respira o rock ‘n’ roll e entendeu desde o começo o que eu estava tentando alcançar. Ele vestiu a camisa e seu conhecimento foi fundamental em todo o processo. Além do mais, ele é ótimo de se trabalhar, é um guitarrista formidável e tem um ouvido muito, muito bom, o que é importantíssimo.”


Temas mais delicados são abordados em algumas letras. “I Don’t Feel At Home”, por exemplo, fala sobre o vício em drogas – “um parente meu lutou contra a dependência por boa parte da vida, então eu quis escrever sobre o que ele passou e ao que submeteu a nossa família” –, e “Clown of Misery” sobre depressão: “Graças a Deus eu nunca sofri de depressão. Passei por maus bocados, mas nunca obtive um diagnóstico. A inspiração para essa letra é aquele amigo que todo mundo tem, sempre sorrindo, festejando, mas que, repentinamente, acaba tirando a própria vida. Às vezes as aparências enganam. Podemos estar muitíssimo bem por fora, mas nem tanto por dentro.”


No radar das temáticas resta ainda espaço para um ataque aos poderosos, como podemos ouvir em “I’d Rather Be Hit”. Mas será que Ricky concorda com o saudoso Lemmy Kilmister, que dizia que todos os políticos, sem exceção, são filhos da puta? “Há sempre os bons e os maus. Mas antes da política vem o ser humano. [Antes de ser um mau político,] Donald Trump é um ser humano perverso que, ainda bem, está fora do poder. Muitos políticos são corruptos e não dão a mínima para ninguém além de si mesmos e, no caso de Trump, ainda espalham mentiras e ódio por aí. Que bom que ele deu o fora.” 


Esse tipo de posicionamento é cada vez mais raro no rock, sobretudo vindo de caras da idade de Ricky. Mas ele alivia: “Cada um escreve sobre o que bem entender. Só posso falar por mim; despejo cem por cento daquilo que sinto nas minhas letras. Se alguém discordar [de mim], beleza! Não estou aqui para ser o dono da razão. De repente, o que está errado para mim, não está para você. Mas se algo te incomoda, não pense duas vezes; escreva sobre!”


“When Life Was Hard and Fast” tem uma lista imensa de convidados especiais – Joe Elliott (Def Leppard), Andy Taylor (Duran Duran) e Dizzy Reed (Guns N’ Roses), entre outros –, mas para Ricky, sem dúvida, a participação mais significativa é de sua filha caçula, Pepper, com quem divide os vocais na stoniana “Time Don’t Seem to Matter”: “Foi incrível mesmo. Escrevi essa música para ela. Foi uma realização tanto como pai quanto como artista. E obrigado pela comparação com os Rolling Stones; sou muito fã deles!”


Entretanto, se tivesse de escolher uma só música do disco para sintetizar a proposta, Ricky escolheria a faixa-título: “Acredito que ela seja um resumo de tudo que há no disco. Não é à toa que é a faixa de abertura e a faixa que dá nome ao disco. Qualquer um que a ouvir saberá exatamente do que se trata a minha música.”


Muitos no Brasil se lembram de Ricky graças à vinda de sua antiga banda, The Almighty, ao país em 1994, quando abriram três shows para o Megadeth, à época promovendo o recém-lançado “Youthanasia”. Faz tempo, mas Ricky ainda se recorda: “Foi incrível. Era nossa primeira vez na América do Sul. Os shows foram uma loucura só. Lembro que o Floyd [London] e eu ficamos confraternizando e tomando cerveja com os fãs na frente do hotel.”


Embora tenha emplacado dez singles no top 40 e quatro álbuns no top 20 europeus, o The Almighty nunca gozou do mesmo prestígio do lado de cá do Atlântico. Por que será? “Não faço ideia. Talvez apenas má sorte aliada a algumas más decisões da gravadora. Simplesmente não rolou. Talvez não fosse para rolar.” 


Mais de uma década se passou desde a última separação do The Almighty. Será que os fãs podem ainda nutrir esperanças de testemunhar uma quarta reunião? “Não”, sintetiza Ricky, a cara levemente emburrada. Voltando a sorrir de leve, ele completa: “Amo o The Almighty e tudo o que fizemos. Ainda toco músicas do The Almighty nos meus shows solo. Mas todos viramos a página e estamos felizes dessa maneira. Não vejo motivos para nos reunirmos mais uma vez.”


Ao passado o que é do passado, certo? Então falemos de Black Star Riders. O quinto álbum do grupo já está a caminho. “Vamos começar as gravações no meio do ano para lançarmos ano que vem. As músicas estão bem bacanas. Vamos repetir a dose e gravar de novo em Los Angeles com [o produtor] Jay Ruston. Mal posso esperar para iniciarmos os trabalhos!”


De uns tempos para cá, os fãs puderam reparar que o Black Star Riders parou de incluir músicas do Thin Lizzy no repertório ao vivo. Isso tem um motivo. Segundo Ricky, “nós somos o Black Star Riders, não o Thin Lizzy. No começo nós ainda não tínhamos material autoral o bastante para um show completo, então tocávamos algumas músicas do Thin Lizzy meio que para tapar buraco. Nove anos e quatro álbuns depois, não precisamos mais recorrer a isso.” 


Diante dessa decisão a princípio irrevogável, Ricky surpreende ao dizer que não resta nenhuma música do Thin Lizzy que ele gostaria de cantar ao vivo. “Dois anos atrás fizemos alguns shows no Reino Unido tocando o [álbum] “Black Rose” na íntegra, então eu meio que realizei meu sonho de cantar “Got to Give It Up” e “Toughest Street in Town”. Eram as duas que faltava riscar da lista.” 


Obviamente, os planos do Black Star Riders dependem do andamento das vacinações pelo mundo e da retomada da normalidade pós-pandemia. Ainda assim, Ricky manifesta seu desejo de voltar aos palcos. “Espero que no começo de 2022 tudo volte a ser como era. Mal vejo a hora de cair na estrada e fazer tantos shows quanto possível!”


Espero o mesmo! E para encerrar, que tal um recadinho para a turma do “dad’s rock”? “Ah, esses aí podem ir se f… antes que eu me esqueça!” 


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