Raio X – março de 2021: Smith/Kotzen, Chez Kane, Evanescence, Paul Stanley e Starmen

Confira os lançamentos de fevereiro de 2021 que mais curti:


Adrian Smith & Richie Kotzen – “Smith / Kotzen”

De vizinhos a parceiros em papo de uma década por sugestão de gente que sacou o potencial das jam sessions que rolavam em sociais na casa um do outro. Se pararmos para pensar, uma aliança entre o bastião do classic rock dentro do Iron Maiden e o homem que não tira férias e foi de promessa do shredding / ídolo do glam metal dos últimos dias ao artista mais completo em atividade não era coisa tão improvável. Lançado no último dia 26, “Smith/Kotzen” é resultado de meses de intercâmbio de ideias num mundo pré-pandemia e também um atestado de que nada supera o talento. Riffs trazidos de lá e de cá e uma divisão quase sempre justa dos encargos vocais tornam o trabalho um prato cheio para os fãs do instrumento que é o órgão sexual do rock, seja em abordagens mais tradicionais, planejadas — como no single “Running”, que se sustenta num ótimo refrão —, seja em momentos em que o fluxo dita as regras, como em “You Don’t Know Me” e na derradeira “‘Til Tomorrow”, cujo solo remete aos metros finais de uma pista de corrida na qual o vencedor é escolhido no detalhe, na emoção. Não que o empate não seja uma opção, é lógico. Ouça no YouTube.



Chez Kane – “Chez Kane” 

Abram alas para a recém-coroada princesa do AOR contemporâneo! Ao lado das irmãs na banda Kane’d, Chez Kane já havia mostrado uma competência acima da média, suscitando comparações com as grandes musas do passado. Agora, solo e com produção de Danny Rexon (Crazy Lixx), a britânica surpreende ainda mais, preenchendo uma lacuna há anos vazia: a de voz feminina no Melodic Rock cujo expediente não fosse restrito à imitação de Lee Aarons e Lita Fords e à replicação de fórmulas gastas e clichês batidos. Embora a estética da capa transmita a ideia de uma abordagem retrô, o repertório está em total sintonia com a atualidade, trazendo frescor a um gênero engessado e — muito por culpa dos fãs — baseado em nostalgia. Ouça e comprove que é possível, sim, agradar a gregos e troianos e ouvintes casuais sem ressalvas; os números obtidos nas paradas dos Estados Unidos e da Europa não me deixam mentir. Golaço como há um tempo a italiana Frontiers não marcava. Ouça no YouTube.



Evanescence – “The Bitter Truth”

Louvores e graças a ti, Amy Lee, que duas décadas após o fenômeno global que foi seu Evanescence — mais de 17 milhões de cópias vendidas do álbum de estreia, “Fallen” (2003), em todo o mundo —, traz a banda de volta, atualizada, visando a renovar a base de fãs e, para dialogar com os seguidores de longa data, com o fundo temático amadurecido. O desespero adolescente de outrora dá lugar às agruras da vida adulta, materializadas pela morte do irmão da vocalista e pela perda inesperada do filho do baixista Tim McCord. Sobra espaço ainda para discursos de esperança e relatos de superação, tão necessários para a manutenção da saúde mental em tempos pandêmicos. Musicalmente, muito do peso e da atmosfera que se obtém não é magia, é tecnologia; e esse talvez seja um dos pontos sensíveis, questionáveis, do trabalho. Caberá única e exclusivamente ao ouvinte definir se o instrumental em “The Bitter Truth” soa artificial de mais / orgânico de menos. Mas duas coisas são inquestionáveis: dotado de ótimos ganchos, o repertório pega. E “Wasted on You” é nitidamente uma tentativa de “Creep”, do Radiohead. Ouça no YouTube.



Paul Stanley’s Soul Station – “Now and Then”

Nos últimos meses o dia a dia de Paul Stanley no Twitter foi atormentado por um perfil fake de nome Syncin’ Stanley cujo objetivo era gongar antecipadamente sua empreitada à frente de uma big band de soul e R&B, batendo na tecla de que o líder do KISS, 69 anos recém-completados, não teria envergadura vocal para regravar standards de um dos mais tradicionais gêneros norte-americanos. Embora desconfiado de que o trabalho seria bom igual cair de moto, conferi e, parafraseando Gil Brother, fiquei “perplecto”. Coadjuvante no próprio disco, Stanley não dá margem nem para o erro nem para o azar: além de estar acompanhado de músicos que manjam do riscado — entre eles o baterista Eric Singer e o guitarrista brasileiro Rafael “Hoffa” Moreira —, o cara foi certeiro na escolha do repertório meio autoral, meio cover, cem por centro brega, sem medo de ser feliz, e estabeleceu um limite para a voz que já viu dias melhores. Se ao vivo, no calor do momento, o fôlego o trai — vide qualquer filmagem do KISS no palco na última década —, em estúdio, na disciplina, os registros mais baixos e médios soam agradáveis e naturais. Ouça enquanto prepara um cacio e pepe que é garantido que a noite termine com as roupas ao pé da cama. Ou do sofá. Ouça no YouTube.



Starmen – “By the Grace of Rock ‘n’ Roll”

Vem da Suécia a banda de hard rock relativamente nova que você precisa ouvir hoje. A história do Starmen começou em 2018, com quatro pais de família se juntando para fazer um som em homenagem a seus grupos favoritos do hard rock de antigamente. Somam-se a isso maquiagens kabuki-glam notavelmente inspiradas no KISS e figurinos à Milton Cunha na cobertura do Carnaval do Rio de Janeiro. Embora suas identidades não sejam um mistério como eram a de Gene, Paul, Peter e Ace, cada um dos quatro atende pelo nome da cor da estrela em seu rosto. Mas a influência da maior banda de todos os tempos se estende também à música: a voz de Red é igualzinha à de Paul Stanley nos áureos tempos, embora a performance seja menos desenvolta e vigorosa; Starchild só existe um, né, seguimores? A presença de uma “Hotter Than Fire” no repertório é a última camada de verniz do troféu Emerson Nogueira. Por fim, para variar, os japoneses saem na frente: além de “By the Grace of Rock ‘n’ Roll” ter sido lançado por lá mais de um mês antes, saiu com duas bonus tracks. Malditos. Ouça no YouTube.


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