Um texto inacabado sobre os 30 anos de “Don’t Come Easy” do Tyketto

Um dos discos da minha vida. Um dos dez que levaria para uma ilha deserta. Por anos foi o item mais caro da coleção. Até hoje é um dos mais preciosos. Pensei em muitas formas de homenagear “Don’t Come Easy”, o disco de estreia do Tyketto, em seu trigésimo aniversário. Mas como dizem o sábio meme e o herói Super Sam, “the life snakes” e “time is money”. Ainda assim, a data nunca, jamais, poderia passar em branco. Eis aqui o melhor texto inacabado já escrito sobre um disco lançado num 21 de abril.

Tanto se fala a respeito dos discos campeões de vendas do segundo semestre de 1991 que muitos álbuns, sobretudo de hard rock, lançados no primeiro semestre daquele ano acabam sendo deixados de lado, condenados a meras notas de rodapé do gênero. A concorrência torna-se ainda mais desleal quando listamos somente os lançamentos da Geffen Records. 

Em 1991, a Geffen era uma máquina de fazer dinheiro. Enquanto bandas como Aerosmith, Whitesnake e Guns N’ Roses garantiam o caixa, a gravadora, por meio de olheiros dos mais atentos, se permitia explorar os recônditos mais underground em busca de novas galinhas dos ovos de ouro. 

Numa dessas, a A&R da Geffen Mary Gormley estava no Cat Club, finado clube em Nova York, quando o som que vinha do palco chamou a sua atenção. Lá estavam Danny Vaughan — o vocalista “muito cabelo, muito violão” egresso do grupo Waysted —, Brooke St. James (guitarra), Jimi Kennedy (baixo) e Michael Clayton Arbeeny (bateria). Na ocasião, além de cortes que nunca veriam a luz do dia como “Tearin’ Up the Night” e “Go for Your Guns”, o quarteto tocou versões rudimentares daquelas que se tornariam suas principais músicas: “Standing Alone”, “Wings” e “Forever Young”. 

Gormley notou o diferencial e antes mesmo de telefonar para seu chefe — o papa John Kalodner —, ameaçou a banda: “Se vocês assinarem com outra pessoa, eu mato todos vocês.” Depois de três anos de luta, o Tyketto conseguira o tão sonhado contrato de gravação — e um adiantamento de 200 mil dólares para gravar seu disco de estreia. 

O preparo era tanto que nosso aniversariante do dia levou cerca de um mês e meio para ficar pronto. Depois de alguns dias trabalhando nas músicas com o produtor Richie Zito, a gravação teve início nos A&M Studios, em Hollywood, na mesma sala em que “We Are the World” foi gravada, utilizando a mesma mesa de som Neve utilizada por George Martin em Montserrat. Michael liquidou todas as baterias em apenas um dia. Brooke e Jimi levaram mais tempo com as guitarras e o baixo. Finalizadas as guias, banda e produtor mudaram a base de operações para um estúdio menor chamado O’Henry em Toluca Lake, onde foram gravadas as vozes, os violões e feitos os overdubs de guitarra. 

Embora Zito, produtor de álbuns como “Lap of Luxury” (1988) do Cheap Trick e o primeirão do Bad English, fosse arranjador dos mais competentes, sua arma secreta era o engenheiro de som Phil Kaffel, cujo know-how técnico foi providencial para tornar possíveis todas as ideias. À mixagem de David Thoener seguiu-se a masterização subtratora de peso de Greg Fulginiti. A banda jura de pés juntos que seu som era muito mais pesado que o que se ouve no disco. 

Mas nem tão pesado assim. Basta ouvir as versões demo lançadas no compilado “The Last Sunset – Farewell 2007” para sacar que o Tyketto se alinha muito mais à elegância AOR de Journey e REO Speedwagon que ao rótulo de hair band atribuído por sua gravadora, potencializado pela imagem escolhida como capa do disco; mais ou menos o mesmo tratamento do qual o Tesla, também da Geffen, foi vítima. Não se julga um livro pela capa, mas em 1991 havia quem comprasse o disco só pela capa.  

“Don’t Come Easy” chegou às lojas no dia 21 de abril de 1991 e já foi posto à prova na estrada. Começando com uma apresentação no L’Amour em Nova York no dia 24 de abril, o Tyketto fez quatro shows de aquecimento nos Estados Unidos antes de embarcar para o Reino Unido. Entre 31 de maio e 9 de junho foram oito noites abrindo para o White Lion, que já estava na Europa havia vinte dias promovendo o recém-lançado “Mane Attraction”. Nesses shows, com duração de pouco mais de meia hora, o Tyketto costumava tocar nove músicas: oito das dez de “Don’t Come Easy” — nada de “Burning Down Inside” e “Standing Alone” para os britânicos — e um cover de “Train, Train” do Blackfoot — sim, a mesma que o Warrant regravou em “Cherry Pie” alguns meses antes.

Poucos são os álbuns que você ouve repetidamente ao longo dos anos, aprende cada letra, memoriza cada nota de cada solo que provocam efeito semelhante ao que “Dont’ Come Easy” provoca. Dez músicas fundamentais, brilhantes, munidas de identidade; característica escassa nas chamadas hair bands. E ouve-se muito violão; um aceno às influências de Vaughn que vão de Eagles a John Denver e Neil Young. 

A faceta acústica de Vaughn é, sim, um diferencial, mas sua voz é, provavelmente o que torna o Tyketto tão ímpar. Longe dos agudos de Robert Plant ou das inflexões operísticas de Geoff Tate, o cara soa como um Bryan Adams sem a rouquidão ou como um Jon Bon Jovi após rodadas sem fim de polimento e lapidação. O cara é tão a alma do negócio que bastou sua saída para que o grupo naufragasse — ainda que “Shine” (1995), com Steve Augeri nos vocais, esteja longe de ser ruim — e bastou ele dar o sinal verde para que as atividades fossem retomadas. Atualmente, restam apenas Danny e Michael da formação de trinta anos atrás.

E por falar em Bon Jovi, talvez a banda com mais hinos do rock na carteira nos anos 80, no quesito refrão, “Don’t Come Easy” não fica devendo em nada para “Slippery When Wet”. São tantos refrões marcantes que fica difícil escolher um só. As letras também são ponto em comum com Jon e cia. Repelem-se os clichês de sexo — restritos a “Lay Your Body Down” e “Strip Me Down” —, drogas e rock and roll em favor de temáticas mais maduras, relacionadas à mudança de fases (“Seasons”) e aos aprendizados necessários à sobrevivência (“Walk on Fire” e “Sail Away”). 

Quando o assunto é amor, nada de rimas óbvias ou metáforas gastas: cada qual a seu modo, “Wings” (com direito a um videoclipe que é a cara da MTV dos anos 90), “Burning Down Inside” e “Standing Alone” abordam o tema com a maestria de quem já teve o coração amassado feito maço de cigarros e não perdeu a esperança. Antes de tocar essa última no show no Rio de Janeiro em 2008, Danny reconheceu o valor de “Standing Alone” para os mil e poucos presentes no Circo Voador: é a música pela qual recebe mais mensagens de agradecimento de fãs em todo o mundo. 

Mas a principal do disco, que permanece até hoje como a mais importante já lançada pela banda, é “Forever Young. Ainda que a letra vá ficando cada vez mais datada conforme o tempo vai passando, é inegável que, lá no fundo, o jovem sonhador que existe dentro de cada um enxerga-se nos versos e nos obriga a cantá-la a plenos pulmões — ainda que mentalmente — sempre que o modo aleatório do Spotify nos presenteia com ela.

Longe de ser a galinha dos ovos de ouro que poderia/deveria ter sido, o Tyketto teria muitos de seus planos embargados pela Geffen. Mas isso eu deixo para contar quando “Strength in Numbers”, o sucessor de “Don’t Come Easy”, completar trinta anos.

“Don’t Come Easy” foi relançado em CD pela inglesa Rock Candy Records. Compre o seu aqui ou ouça nas plataformas digitais. 

Comentários

  1. artigo bem legal, bem informativo e completo. esse disco nunca foi dos meus preferidos da época, apesar de achar "wings" uma pérola perdida, uma banda que acabaria caindo na vala comum do fim daquela saudosa era, com bons músicos com certeza, boa produção mas muito derivativa em sua sonoridade o que, de forma alguma, deve ser motivo para não dar uma conferida

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