ENTREVISTA: Victor Hugo Piroja explica o horror metal de sua banda Alchemia


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Divulgação


“Sou apaixonado por Horror”. Basta dar uma olhada nas fotos promocionais do Alchemia para atribuir a essa afirmação do vocalista Victor Hugo Piroja o selo “chover no molhado”. A leitura veio antes na vida do cara — Stephen King, Clive Barker etc. —, mas depois que ouviu “Painkiller”, o seminal álbum do Judas Priest lançado em 1990, e assistiu ao show do King Diamond no Monsters of Rock (1996), ele soube que abordaria o sobrenatural não como os autores clássicos, mas como os astros do rock que ilustravam as paredes de seu quarto.


Piroja (vocal) criou o Alchemia na capital paulista em 2018. Completado por Rodrigo Maciel (guitarra), Fifas (baixo), Alex Christopher (bateria) e Wally D’Alessandro (teclado), o grupo se classifica como horror metal. Seria esse rótulo uma resposta mais pesada ao horror punk de bandas como o Misfits? “Como o nome diz, Alchemia é uma mistura de elementos para criar algo novo. Sendo o principal compositor, eu misturo heavy metal, black metal, death metal, música clássica, orquestrações, trilhas sonoras de filmes de terror e um visual inspirado nesses filmes, pensei: ‘tem que ser horror metal’... fora que seria complicado chamar de, sei lá, black death metal!” [risos]


Considerando a semelhança de “Grind”, faixa de abertura do CD “Inception”, com Korn, pergunto se nü metal e industrial não entrariam também na equação. “Lógico. Tenho influências de Rob Zombie, Rammstein, Nine Inch Nails... A ideia é misturar coisas mesmo. Há músicas que canto numa linha mais [Rob] Halford, então parto para uma mais Cradle of Filth ou Rob Zombie. Misturo muito minhas vozes. Algumas músicas do CD têm até doze linhas de canto diferentes.”


As letras de Piroja falam sobre reflexão, consciência, prisão mental, fobias e distúrbios psicológicos; temática essa muito explorada por artistas visuais como Alice Cooper e King Diamond, ao qual o vocalista se refere como “um herói”. Mas essa inspiração tem algum caráter autobiográfico ou é proveniente de muita leitura e interesse pelo assunto? “Tem muita coisa que é autobiográfica, embora eu tenha muita influência do cinema e goste muito de suspenses psicológicos. Faz parte do meu dia a dia buscar a superação. É muito desafiador fazer metal na América Latina, porque não é um gênero com muita aceitação por aqui.” Concordo. Fazer metal no Brasil é como fazer samba na Suécia. “Além disso, somos um país com um fator religioso grande. Há perseguição de vários lados.”



Mas o problema não é a religião em si, né? “É o religioso que não tem pensamento próprio, decora um texto, segue aquilo sem fazer a menor ideia de o que está seguindo. Isso me desgasta.” Já dizia Francis Bacon: “Um pouco de filosofia leva a mente humana à não-religião. Mas entender a filosofia em profundidade leva à religião.” “Tenho amigos de longa data que são budistas, espíritas, evangélicos, católicos, judeus... todas as religiões têm coisas muito interessantes.” Ainda na seara religiosa, mas não restrita a ela, temos “Save Us”: “ela puxa a frustração do povo perante os governantes, perante os líderes que podem ser familiares, políticos e, obviamente, líderes religiosos também.”


Fugindo levemente da temática da mente, “If Nothing Is Sacred”, um dos destaques do CD, ataca justamente os falsos profetas “e o senso de verdade absoluta desse grupinho que aponta para você e diz que você tem que fazer isso ou aquilo, sabe? O sagrado meio que se perde no meio disso tudo.” A revolta não é gratuita. “Tenho formação cristã, estudo religião há anos e sou fascinado por isso, mas aquela lenga-lenga de pastor profissional me cansa. Frequentei a igreja por anos, cheguei a tocar música gospel com cabelo comprido na cintura. Uma vez uma fiel me disse que eu deveria cortar o cabelo porque cabelo comprido não era coisa de Deus. Respondi: ‘É, tanto que Jesus era careca!’” [risos]


Levando a conversa para um lado mais “cabeça”, cito Buda ao perguntar o que é pior: uma mente vazia ou uma mente malnutrida? “Uma mente vazia é mais triste. A malnutrida dá mais trabalho, mas pelo menos tem algum conteúdo. Mentes vazias são completamente manipuláveis.” 


“Inception” foi lançado numa data bem simbólica: 31 de outubro de 2020. “Tinha que ser no Halloween, né?” [risos] A perturbadora arte de capa foi criada pelo artista brasileiro Carlos Fides, reconhecido mundialmente por já ter ilustrado álbuns de bandas como Kamelot, Evergrey, Edu Falaschi, entre outras. “Eu queria algo que remetesse ao ‘mind prison’ e que trouxesse alguns ícones da psicologia. O Carlos é genial, e foi ele também que criou o nosso logotipo.”



Quem mixou e masterizou o disco foi Tue Madsen, produtor e engenheiro de áudio dinamarquês em cuja folha corrida constam trabalhos para Moonspell, Babymetal, Meshuggah e Rob Halford. “Eu precisava de alguém que conseguisse mixar, além das orquestrações, essas guitarras de sete cordas que a gente afina em lá, que é a mesma afinação usada pelo Korn e que o Slipknot usa também em algumas músicas. Quando você toca sete cordas em lá fica tão grave que você tem certas dificuldades pra mixar com o baixo e mais dificuldade ainda pra mixar com a orquestra. A música ‘Save Us’ tem sessenta e quatro canais de orquestra. Imagina jogar isso pra alguém que nunca mexeu com orquestra? O cara cai de costas, não sabe nem por onde começar.”


O investimento foi alto, mas já começou a render bons frutos. “Acabamos de assinar com uma gravadora italiana chamada WormHoleDeath Records que irá distribuir nosso disco na Europa, nos Estados Unidos e no Japão.” Especializada em metal, a gravadora só existe há uma década e, embora seja relativamente pequena, “vai nos dar uma atenção especial. Numa gravadora maior, eu estaria longe da lista de prioridades. Além do mais, eles têm operação própria no Japão, e o estilo de som que eu faço é muito forte por lá.”


Ao perguntar se haveria uma faixa bônus exclusiva para os japoneses, Piroja acabou me surpreendendo ao falar de seu modus operandi na hora de compor. “Sou muito chato com composições. Para você ter uma ideia, escrevi 104 músicas para o álbum, e só segui em frente com dez. Componho tudo sozinho em casa. Escrevo as baterias, as orquestrações, o baixo, a guitarra... tudo. Somente depois que eu finalizo a pré-produção que vou para o estúdio com a banda para melhorar as músicas.” Rola uma carta branca para os outros músicos? “Sim, mas o esqueleto das músicas é sempre meu. Para o próximo álbum já tenho escritas quarenta músicas.” 


A qualidade do som e o visual elaborado que pôde ser visto na estreia do Alchemia nos palcos, abrindo para o Therion na Horror Expo — evento do qual Piroja é fundador — em outubro de 2019, deixou muita gente de queixo caído. “Não somos uma banda pensando somente no mercado brasileiro. Fazemos um som em inglês para que ele seja universal. Tanto é que muita gente fica surpresa quando descobre que somos brasileiros.”



Entre os elementos de palco do Alchemia está o artista performático Coveiro Maldito. “Ele é praticamente o nosso Eddie”, diz Piroja a respeito do ex-funcionário do IML que tem 80% do corpo tatuado. “Ele está sempre com a gente. Adora o som da banda. Quando o conheci, falei: ‘a gente precisa fazer coisas juntos. Você tem tudo a ver com o nosso DNA!’”


Além de músico, Piroja tem formação em marketing e usa o conhecimento adquirido nessa área em benefício próprio. “Percebi que se eu só estudasse música seria muito difícil entender a alma do negócio. Então, me especializei pesado em marketing e agora sei como funciona esse outro lado da moeda.” 


É lógico que a cena metal brasileira entrou em pauta. Sobre o assunto, Piroja foi pura lucidez: “Bandas como Krisiun, Korzus e Sepultura abriram muitas portas internacionalmente, mas acho que ainda falta às novas bandas entender como funciona o music business. Muitas ficam esperando ter um empresário ou receber o convite de uma gravadora e acabam desanimando. Nosso papel como artista é entregar um produto do qual o fã queira ser fã. Não podemos obrigá-lo a curtir, compartilhar etc. se ele não gostar!”


Como muitos artistas e bandas, o Alchemia se agarra na esperança da vacina para cair na estrada e promover o álbum. “Se tudo der certo, a turnê começa em novembro e dezembro. Em 2022, a ideia é tocar na Europa e no Japão.” Dada a infraestrutura necessária, o show requer toda uma logística e, às vezes, até abrir mão de certos elementos: “A gente têm que se adequar às casas, mas a ideia é usar painel de LED, cenografia completa, fogo e algumas outras coisinhas. Gosto que o show seja uma experiência inesquecível para o fã, sabe? Me recuso a tocar vestindo camiseta preta e calça jeans. Quero usar maquiagem, lançar mão de algumas surpresas, fazer um show mais teatral, mais Alice Cooper... Um show!”



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Compre o CD “Inception” no site da Shinigami Records.


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