ENTREVISTA: Babo Gruppi fala sobre o rock cósmico e plural do Ancestral Diva



Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Divulgação


Como disse Chopin, “Nada é mais odioso que a música sem um significado escondido.” E o que não falta é significado, não necessariamente escondido, nas músicas do Ancestral Diva; talvez a melhor descoberta em termos de rock brasileiro que fiz nos últimos meses. Uma delas, a incrível “Macumbeira”, não sai da minha playlist desde a primeira vez que a ouvi. O som tem de tudo e para todos, mas é nas letras que o quarteto de Belo Horizonte (MG) sobressai. 


“Eu não sei quem sou, mas se eu for também, agora, já era, bora ser” ouve-se em “Dançando no Inferno”, uma das prévias do vindouro álbum “Enterrado Vivo”. O mote da aceitação é ingrediente fundamental, mas a primeira coisa que eu quis saber do vocalista Babo Gruppi em nossa conversa foi se a minha pronúncia do nome da banda estava correta. “Então, é engraçado, porque o nome é em português, mas eu mesmo acabo falando como se fosse em inglês. Só que isso é o de menos. A gente queria um nome que fosse universal, que pudesse ser falado em inglês e em português.”


A semente do que hoje é o Ancestral Diva foi plantada em 2009, com a banda Tempo Plástico. “Lançamos o primeiro álbum em 2013 e o segundo em 2015. Em 2016 fomos tocar no [festival] SXSW em Austin, Texas, e aproveitamos para fazer [outros] shows por lá. Conhecemos produtores [de lá] e começamos a fermentar a ideia de uma turnê maior pelos Estados Unidos. Como o som da banda estava com uma pegada mais stoner, além das letras em inglês, decidimos mudar de nome e dar início a um novo projeto.”



Surgiu aí o The Spacetime Ripples, que em 2018 lançou o álbum “Legend of Creation” e embarcou numa extensa turnê pelos EUA. “Foram 26 shows em 40 dias”, comenta o vocalista. “Alugamos uma motorhome e fomos viajando. Foi uma experiência maravilhosa, repleta de causos e perrengues para contar.” 


Com a saída do guitarrista Claudio Moreira, Gruppi, Saulo Ferrari (bateria) e Luce Lee (baixo e teclados) decidiram voltar a compor rock em português. “Confesso que a gente quase voltou a ser Tempo Plástico! [risos] Nossa vontade artística era comunicar com os nossos, com quem está perto da gente”, revela. 


Na figura de Zé Mario Pedrosa, da banda Green Morton, encontraram a peça que faltava. “Estávamos sempre tocando juntos, ensaiávamos nos mesmos estúdios e já tínhamos uma relação bem próxima. Quando falamos que estávamos a fim de fazer músicas em português, ele topou na hora. Começamos a nos encontrar, compor, fazer muitas jams... e aí veio o processo de escolher nome, fazer logo, tirar foto, fazer clipe, gravar...”. 


Só que aí veio a pandemia. “A gente começou o processo em abril de 2019 crente que ia lançar o álbum em setembro de 2020”, relata Gruppi. “Nossa ideia era gravar ao vivo, e não pudemos. Só que o Saulo tem um estúdio que aluga para outras bandas ensaiarem. Aí encontramos uma solução caseira e começamos a gravar lá mesmo. Tínhamos os equipamentos necessários e gravamos com o auxílio do produtor Vitor Lopes. Agora, estamos masterizando [o disco] sem nunca termos feito um show [completo]!” [risos] 



Mesmo no ano de total estase da cultura que foi 2020, o Ancestral Diva conseguiu liberar duas prévias de seu vindouro álbum: “Dançando no Inferno” e “Macumbeira”. “Conseguimos gravar o clipe [da “Dançando no Inferno”] sem que as pessoas se encontrassem em cena. Cada um gravou separadamente”, explica.


É curioso observar que as músicas são muito diferentes uma da outra. “Dançando no Inferno” é um stoner dançante com falsete. Gruppi conta de onde veio a inspiração: “Quando a gente estava compondo, eu estava num festival e fui entrevistar a [cantora] Pabllo Vittar, então tenho certeza que o falsete veio dessa influência!” [risos]


Já “Macumbeira” traz uma espécie de lisergismo calculado; o tipo de som que projeta imagens mentais. Viagem total. Babo concorda. “Acho que a lisergia está presente entre as referências e as temáticas que gostamos de abordar. Quando você puder ouvir o álbum inteiro verá que a gente tentou ser bem variado. Tem dance, psicodelia, punk rock...”.


Embora não tenha sido lançada ainda, uma terceira faixa chamada “Despertamente” já foi tocada pela banda. “Lançamos a versão ao vivo que gravamos no Festival Sensacional. É uma música com uma vibe de liberdade, para se ouvir na estrada.” E de estrada o grupo entende, vide os 26 shows em 40 dias nos EUA, né? “Não só isso. Sempre tivemos esse ímpeto na veia. Acreditamos que se você não correr atrás e se jogar no mundo não conseguirá fazer as coisas.” 



O repertório do Ancestral Diva inclui ainda uma fatia cover. E a escolha por “Fala” não poderia ter sido mais providencial. A música, escrita por Zé Rodrix e imortalizada pelo Secos & Molhados nos anos 70, soa terrivelmente atual: conflitos verbais, locais de fala, ruídos de comunicação etc. É uma preocupação da banda usar a música como instrumento para despertar a reflexão nas pessoas? “Se eu disser que não, vou estar mentindo!” [risos] “Mas não quero soar pretensioso. Acho que as reflexões estão dentro de nós e, a partir do momento que não conseguimos mais guardá-las, as colocamos para fora”, conta ele.


Gravar “Fala” foi importante também por outras razões. “O Ney [Matogrosso] tem essa coisa que a gente também tem da androginia, da questão de gênero, do personagem que está ali para brincar com roupas e maquiagens”, explica. Como o assunto foi parar em Secos & Molhados, aproveitei para mencionar que “Macumbeira”, toda construída sobre dois acordes, lembrou e muito “Primavera nos Dentes”. “E ‘Breathe’ do Pink Floyd! Foram as nossas duas referências!”, acrescenta.


Quando é pedido para elencar suas influências além de Secos e Floyd, Gruppi não se restringe às musicais — “Black Sabbath, Led Zeppelin, uma banda chamada All Them Witches, que é um stoner mais blues, ‘Besta Fera’ [o mais novo álbum] do Jards Macalé, The Doors, Queen, Cazuza, Elis Regina, Novos Baianos, Mutantes, Arnaldo Baptista” — e surpreende ao acrescentar a obra do ambientalista Ailton Krenak: “Sou muito influenciado pelas ideias do Ailton, que é um indígena muito atuante desde a época da Constituição. ‘Ideias para adiar o fim do mundo’ (2019) é um livro sensacional, pena que não conseguiu [adiar o fim do mundo]!” [risos]


Somado a leituras e audições, vivências: “Tive a oportunidade de ir ao Mato Grosso do Sul e visitar aldeias indígenas, aprender o guarani e ter experiências com o povo de lá. Essa é a verdadeira identidade brasileira, a que vem antes do que o Ailton chama de ‘carimbar o nome Brasil’. Muito antes de os portugueses chegarem, os indígenas já estavam aqui, e a gente sempre foi levado a acreditar que nossa cultura é uma herança europeia”, detalha o vocalista. 



Rola também um exercício de espiritualidade por meio das músicas: “Quando falo que ‘o homem invadiu a lua procurando água limpa’ estou parafraseando Chico Xavier e exercendo minha espiritualidade, mas também antecipando o fim do mundo. Estamos destruindo esse planeta. A raça humana se desenvolveu de maneira muito parasita. Não soubemos viver em comunhão com a Terra”.  


Como homem gay e insider no universo das drags, Gruppi está naturalmente ligado à causa contra a homofobia “e todo preconceito que existe.” Ele acredita que “nenhuma minoria está só. Quando defendo a causa dos gays, estou defendendo, também, a causa da liberdade, daqueles que não toleram racismo, não toleram acabar com a cultura indígena. Enfim, todo esse desmonte cultural que o governo Bolsonaro está promovendo, tornando a gente cada vez mais uma colônia dos Estados Unidos.”


A noção de que o Brasil vive um retrocesso transparece no título do álbum. Babo explica como a banda chegou em “Enterrado Vivo”: “Chegamos nesse nome pensando nas árvores milenares, enraizadas há mais de 5 mil anos e presenciando todas as mudanças realizadas pelo homem na Terra, associando-as com todas as culturas, como a negra e a indígena, que todo dia as pessoas tentam enterrar. Essas culturas estão vivas, resistindo. ‘Enterrado Vivo’ é uma analogia à resistência; estamos enterrados, mas continuamos vivos.”


Por fim, como está sendo controlar a expectativa pelo lançamento do álbum? “Não vemos a hora! Queremos muito que as pessoas escutem, comentem, compartilhem e comecem a querer mostrar para os amigos dizendo ‘Vamos chapar ao som do Ancestral Diva!’” [risos]



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