ENTREVISTA com Robert Sarzo (Hurricane) – Parte 1


Guitarrista dos mais furiosos dos anos 80, referência nas alavancadas — embora tenha começado com uma Les Paul — e irmão mais novo do baixista que é a cara do hard rock, Robert Sarzo tem muita história para contar. Nascido em Cuba, foi para os Estados Unidos ainda criança e lá se estabeleceu como músico; atividade que desempenha até hoje. Novamente no comando do Hurricane, banda que fundou há aproximadamente quatro décadas, e com disco novo no forno, Robert falou tanto sobre tantos assuntos que o mais prudente foi dividir a nossa conversa em duas partes. Nesta primeira, ele narra seus primórdios e os do Hurricane e revela que por pouco, muito pouco, não foi o substituto de Randy Rhoads na banda de Ozzy Osbourne. Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Divulgação


Marcelo Vieira: Seu irmão Rudy é quatro nos mais velho que você. Podemos dizer que foi ele quem trouxe você para a música ou vocês começaram a tocar na mesma época?

Robert Sarzo: Começamos a tocar na mesma época. Tocamos [juntos] em várias bandas e, na maioria delas éramos Rudy e eu e um baterista; entre eles o Frankie Banali. Fizemos shows em todas as casas de Fort Lauderdale, West Palm Beach etc.


MV: Aí os seus caminhos se separaram quando ele conseguiu a vaga na banda do Ozzy.

RS: Não. O que aconteceu foi que a cena musical na Flórida mudou de rock ‘n’ roll para disco e nós decidimos migrar para o norte em 1975 para continuar tocando rock. Percorremos Utica, Albany e Nova York. Acabei em Nova Jersey e decidi ficar por lá e ganhando a vida como compositor. Meu irmão preferiu continuar tocando; ele gostava mesmo é de cair na estrada. Não havia cena em Los Angeles naquela época. Foi quando eu conheci o DL Byron. 


MV: Pelo que sei, suas primeiras gravações foram no álbum do DL Byron. O que você lembra desses primórdios?

RS: Ele havia sido contratado pela Arista Records e quando chegou a hora de montar uma banda, eu fiz o teste e passei. Gravei o disco e toquei na turnê. 

A new wave estava em alta. Para nós, guitarristas, isso significava muito palm-muting e acordes oitavados, além da precisão. Consegui me adaptar muito rapidamente. Ah, e nada de pedais, também. Era plugar a guitarra no [amplificador] Marshall ou Fender e pronto. Minhas guitarras na época eram uma Gibson Les Paul 1971 e uma Fender Telecaster 1964. 

Na turnê, abrimos para o Bob Seger e tivemos o Boomtown Rats como banda de abertura. Fizemos vários shows em arenas e, numa época pré-MTV, o clipe de “Listen to the Heartbeat” passava entre um filme e outro na HBO. O disco na época foi produzido pelo Jimmy Iovine, e isso me abriu portas e rendeu convites para trabalhar em trilhas sonoras de filmes e como músico contratado. 

Aí o Randy Rhoads morreu. Meu irmão, que já estava tocando com o Ozzy, me indicou para a vaga. O Ozzy ligou para mim e perguntou se eu poderia ir para Los Angeles. Respondi que sim, então Sharon [Osbourne] comprou a passagem e eu fui no dia seguinte. Randy ainda não havia sido enterrado quando cheguei lá com minha Les Paul e nada mais. 



MV: Peraí. Quer dizer que era para você ter sido o substituto do Randy Rhoads na banda do Ozzy? 

RS: Depois de dar a entrevista ao David Letterman na qual falou a respeito do acidente que matou o Randy, Ozzy foi até o estúdio e nós fizemos um ensaio-teste. “Se você quiser, a vaga é sua”, foi o que ele me disse. Eu disse que topava e ele me convidou para o jantar. Recusei. “Não, obrigado. Acho melhor eu voltar para o hotel e aprender logo o resto das músicas.” Nós tocaríamos no Madison Square Garden em breve. Na época, Rudy me deu uma fita K7 com a gravação de um show da turnê do “Blizzard of Ozz” (1980) e eu memorizei nota a nota a performance do Randy naquele show. 


MV: E por que a turnê continuou com Bernie Tormé na guitarra e não com você? 

RS: Don Arden [empresário do Ozzy] já havia contatado Bernie, que já estava em Los Angeles, e antecipado para ele o cachê pela turnê. Ozzy e Sharon não faziam ideia disso. Meu irmão idem. Como já estava tudo pago, eles tiveram de seguir com o Bernie, por mais que tenham me escolhido como substituto. 


MV: Não sei nem o que dizer...

RS: Foi muito difícil para mim, Marcelo. Mas, sinceramente, na época eu não enxerguei aquilo como uma oportunidade para me promover. Meu irmão havia acabado de perder seu melhor amigo num acidente terrível. Imagine só como estava o clima dentro da banda. Eu só queria ajudá-los a terminar a turnê. 


MV: Você chegou a conhecer o Randy pessoalmente?

RS: Sim, o conheci quando eles tocaram no Capitol Theatre em Nova Jersey. Ele era super gente boa. Uma pena que tenha morrido tão jovem. 


MV: E em que momento o seu caminho cruzou com o do [baixista] Tony Cavazo e vocês formaram o Hurricane?

RS: Numa das vezes que fui visitar meu irmão em Los Angeles, entre um ensaio e outro com o Ozzy, ele me levou para conhecer o Kevin DuBrow, que, por sua vez, falou a respeito do Tony para mim. Quando me mudei de Nova Jersey para Los Angeles entrei em contato com ele e começamos a compor juntos. 


MV: Nessa época o Quiet Riot já estava na ativa, né?

RS: Sim, eles haviam acabado de lançar um disco. Fui à festa de lançamento no Rainbow [Bar & Grill] na Sunset [Strip]. Antes de tocar com o Ozzy, meu irmão tocou no Quiet Riot, e o próprio Tony tocou com Kevin, não sei se no Quiet Riot ou em outra banda. Mas Tony é coautor de “Metal Health”. Ele e seu irmão Carlos escreveram a música quando tocavam no Snow. 


MV: Em algum momento você pensou que poderia se beneficiar dessa ligação com o Quiet Riot?

RS: Nunca. Tony e eu ensaiávamos sete dias por semana. Ele chegou a se mudar para o apartamento do andar de cima para que pudéssemos passar mais tempo juntos compondo. Eu sabia exatamente o que queria fazer e já tinha o nome Hurricane em homenagem à quantidade de furacões em Miami. A música “Hurricane” foi a primeira que Tony e eu escrevemos em parceria. 


MV: Reza a lenda que vocês testaram mais de cem vocalistas antes de escolherem o Kelly Hansen.

RS: Eu diria que chegamos perto disso, sim!


MV: Entre os candidatos, alguém que tenha estourado posteriormente a bordo de outra banda?

RS: Não que eu me lembre. Testamos muitos caras talentosos, mas eu estava em busca de um tipo de voz específico. Eu queria alguém com alcance, mas que não gritasse tanto; uma abordagem mais clássica, melódica...


MV: E o Kelly preenchia esses requisitos...

RS: Sim! Compare-o com o Kevin. Ambos são ótimos vocalistas, mas são duas vozes completamente diferentes. Kevin era mais atitude; Kelly é mais melodioso. Não que um fosse melhor do que o outro, mas eu queria um vocalista que soasse diferente da maioria dos de Los Angeles no começo dos anos 80. 


MV: Embora as músicas tenham sido escritas por você e pelo Tony, Kelly e Jay [Schellen, baterista] são creditados como coautores de todas as músicas no “Take What You Want” (1985). Você decidiu dividir os créditos igualmente para evitar brigas por dinheiro?

RS: Isso mesmo. Vi que outras bandas faziam isso também. Sempre quis que todos se sentissem felizes e igualmente importantes dentro da banda, mas o grosso do material foi e era escrito por mim. 

Deixe-me explicar melhor: sempre que eu estava em turnê, levava comigo um pequeno gravador de quatro pistas e uma bateria eletrônica. Eu aproveitava o tempo nos quartos de hotel para compor e aperfeiçoar composições. Li que os Beatles faziam isso. Sendo assim, quando estivéssemos de volta da turnê não perderíamos tanto tempo compondo e poderíamos partir direto para o estúdio.

Entenda: o Hurricane era o meu bebê. Eu sabia exatamente como queria que ele soasse. Posteriormente os outros começaram a contribuir mais, mas no começo eu diria que compus quase todas as músicas da banda. 


MV: O Hurricane fez turnês ao lado do Stryper, do Gary Moore... de quem mais?

RS: Não fizemos muitas turnês com outras bandas — lembro de Saxon e Europe —, mas fazíamos cerca de 280 shows por ano.


MV: Isso é show pra caramba!

RS: Pois é! Ficávamos tanto tempo na estrada que tínhamos de compor na estrada. Depois, era partir direto para a pré-produção e gravação. Isso foi bom e não foi para nós...


MV: Por que? 

RS: Não havia um minuto de descanso. Imagine quatro caras, alguns roadies, o cara do som e o motorista do ônibus, um dia após o outro, todos com saudade de casa, um invadindo o espaço do outro. Isso fode com a cabeça de qualquer um e é frequentemente a causa da separação de muitas bandas. 


MV: Sufocante, para dizer o mínimo...

RS: É... e então tudo e todos começam a irritar você, cada mínimo detalhe, e quando você é jovem, é menos paciente, menos compreensivo... Acho que se nós tivéssemos tido férias o nosso desfecho teria sido outro.



MV: Vamos falar sobre isso já, já. Agora eu quero saber como rolou a aproximação com o Bob Ezrin e a regravação de “I’m Eighteen” do Alice Cooper no “Over the Edge” (1988).

RS: Nosso empresário conhecia alguém que conhecia o Bob e lhe mostrou as demos do “Over the Edge”. Ele se tornou meio que o quinto integrante do Hurricane na época. Ficamos amigos e fizemos boa parte da pré-produção na casa dele, mas nada de festas! Nada de putaria! [risos] Ensaiávamos todos os dias, por horas a fio. Demos um duro danado!

Foi o Bob que teve a ideia de regravarmos “I’m Eighteen”. Inclusive, é ele que toca o teclado na gravação.


MV: Seja sincero e me diga o que você acha da versão de vocês.

RS: Nós tentamos, né? Foi uma ideia do Bob e ele meio que nos disse o que e como fazer. Acho que ela tem um ar meio tenebroso que é bacana!


MV: Acho que o problema dela é justamente esse ar meio tenebroso, que em nada combina com o clima geral do álbum. Péssima escolha para primeiro single. A propósito, acho que “Give Me An Inch” teria sido o primeiro single perfeito para o disco.

RS: Também acho! Infelizmente fui voto vencido contra a gravadora, os empresários e o resto da banda. “Give Me An Inch” é um grude só; eu amo aquela melodia do refrão!


MV: E então vocês lançaram “I’m Onto You”...

RS: Bob Ezrin coescreveu a música. Ele a apresentou para nós e nós a refizemos completamente! [risos]


MV: Chega 1989 e você sai da banda. O que houve? 

... continua na Parte 2!


Comentários

  1. Parabéns, Marcelo, pela entrevista. Amo ler essas histórias!!! Ansiosa pela segunda parte!!!

    ResponderExcluir

Postar um comentário