ENTREVISTA: A representatividade na imagem e a diversidade no som do Tines (EUA)


Fotos: Michael W. Thomas


O fato de Cannibal Corpse e Goo Goo Dolls, duas bandas de estilos tão díspares, serem talvez as mais famosas surgidas em Buffalo diz muito a respeito da diversidade musical da cidade localizada às margens do lago Erie no norte do estado de Nova York. É de lá que vem o Tines, banda cujo som ora prog ora punk ora metal torna impossível a classificação em um determinado gênero. 


“Adoramos o rock dos anos 70”, conta o guitarrista Glenn Szymanski de seu estúdio. “Thin Lizzy, Deep Purple, Rainbow e até mesmo coisas mais progressivas como Yes, King Crimson e Emerson, Lake and Palmer. Sinto que talvez possamos ser classificados como doom [metal] ou stoner rock, mas não somos o tipo de banda que tenta imitar o Black Sabbath dos quatro primeiros álbuns.” Essa impossibilidade de ser classificada acaba dificultando a banda de encontrar seu público. “A galera que ouve classic rock nos acha muito barulhentos. Já a galera que ouve punk rock acha que tocamos bem demais para sermos considerados punks”, diz. 


Após passar uma temporada fora da cidade, Szymanski voltou para Buffalo em 2013 decidido a montar uma banda. A primeira providência que tomou foi entrar em contato com a vocalista Kelly Murphy. “Kelly e eu tínhamos tocado juntos no Towpath em 1999. No Towpath ela tocava baixo, mas eu sabia que ela cantava, porque havia cantado em outras bandas. Então, quando comecei a formular o Tines, era a voz dela que eu ouvia”, revela. 



No final dos anos 90, o satânico Towpath adquiriu um status de cult em meio à cena death metal local. É curioso pensar que uma dupla com esse background acabaria recrutando uma tecladista na igreja. “Tive muita dificuldade em encontrar alguém para tocar teclado, porque a maioria dos tecladistas só consegue tocar com um dedo ou não gosta de música pesada. Dei sorte de encontrar a Arrow [Fitzgibbon]”, conta Szymanski, que levaria dois anos até encontrar o baterista Eddie Pearsall também na igreja. “Quando Eddie se juntou à banda, ele ainda era cristão, mas agora está se tornando ateu”, ri o guitarrista. O baixista Mike Hermann — “grande fã da formação original da banda e não perdia um show. Quando nosso segundo baixista saiu, não pensamos duas vezes antes de convidá-lo para entrar na banda” — completa a formação. 


De alguma forma, Szymanski conseguiu reunir numa mesma formação uma cantora, um baterista negro e uma tecladista transgênero, mas, segundo ele, isso não foi intencional. “Apenas calhou de essas serem as pessoas certas para tocar a minha música como eu queria”, garante. Ainda assim, o guitarrista reconhece a importância da representatividade que sua banda apresenta: “Acho que todas as bandas precisam ter os membros que melhor se adaptem à música. Mas, ao mesmo tempo, acho que essa diversidade torna a banda mais interessante e pode ser um bom exemplo para os mais jovens. Ver uma banda com tanta gente diferente pode fazer com que se sintam melhor e mais aceitos e quem sabe até incentivá-los a formar uma banda também.”


Representatividade é algo que ainda não se vê muito no metal, mesmo na cena underground. Mas Glenn assegura que uma mudança está em curso: “Os fãs da velha guarda do death metal só são meio lentos para aceitar o novo, mas a galera mais jovem, tanto do metal quanto do punk, já chega total mente-aberta”.



O lançamento mais recente do Tines é um autointitulado compacto em vinil com duas músicas. “Thin Blue Line”, a música do lado A, começa com um fraseado que lembra Thin Lizzy. Szymanski revela que é bem por aí mesmo. “Thin Lizzy é uma das minhas bandas favoritas. Dois anos atrás viajei para a Irlanda e isso provavelmente exerceu uma enorme influência em mim.” Sobre a letra, escrita por Murphy, o guitarrista prefere não opinar. “Quem cuida das letras é ela. Só sei que todas têm um significado muito especial para ela.”


No lado B temos “Rock & Roll Witness Protection Program”. Por trás do título engraçadinho, versos de caráter ultra pessoal assinados pela vocalista. “Anos atrás, Kelly morou numa cidade isolada a cinco horas de Buffalo. Na época, ela mal conseguia ver os amigos. Diz ela que se sentia parte do programa de proteção a testemunhas. Acredito que essa fase tenha inspirado a letra”, supõe Glenn. 


Quando não está trabalhando como chef especializado em comida vegana na faculdade local ou ensaiando com o Tines ou outra de suas bandas, Glenn tenta vender seu peixe da melhor maneira possível. “Envio cópias promocionais do compacto para gente de outros países ou mesmo de outras cidades aqui nos Estados Unidos para que ouçam e, quem sabe, escrevam algo sobre ele”, conta. “Algumas das críticas que recebemos são que a produção não soa totalmente profissional ou que tudo parece ter sido feito com sérias restrições orçamentárias. Bem, tudo o que fizemos até agora, eu gravei em casa!”



Infelizmente para ele e seus colegas, viver só de música ainda é um sonho — “Tenho 47 anos. Kelly tem 50. Os outros estão na casa dos 30. Alguns têm filhos. Todos têm empregos. Kelly é web designer, Arrow trabalha com carpintaria, Eddie está no setor automotivo. Não é sempre que conseguimos nos encontrar durante a semana para tocar. Todos temos bocas para alimentar e acordamos cedo para trabalhar no dia seguinte” —, mas não um sonho impossível: “Tenho esperança de conseguir assinar com uma pequena gravadora que banque um esquema de gravação mais profissional para a gente. Sei que nossa música não é acessível a ponto de estourarmos no mainstream, mas imagino a gente chegando no nível de um Mastodon, o que já seria coisa à beça!” 


Tocar mundo afora também está nos planos e sonhos de Szymanski. “Europa, América do Sul, Ásia. Chegar numa cidade e ter, sei lá, umas cem pessoas na plateia para mim já seria incrível.” Por enquanto, os únicos shows previstos para o Tines são nos Estados Unidos: “Vamos tocar em Rochester, Nova York, em setembro e, no final de outubro, tocaremos no Maryland Doom Festival”, antecipa ele o que possivelmente será o maior show da banda em oito anos de carreira. 


Embora turnês internacionais estejam, pelo menos por agora, fora de cogitação, a música do Tines já conquistou ouvintes em vários cantos do mundo, inclusive no Brasil. Szymanski cita o vídeo feito pela entusiasta Líbia Barros Brígido para o canal Consultoria do Rock como uma das respostas mais legais que sua música já teve. “Uma amiga minha que é brasileira e mora aqui em Buffalo traduziu o vídeo para mim. O que ela [Líbia] disse a respeito do compacto foi comovente”, diz ele com empolgação. “Também obtivemos boa resposta na Inglaterra e na Alemanha. Na Irlanda, as pessoas que conheci, todas mais velhas, no acharam barulhentos demais”, ri. 



Ciente do momento político brasileiro, Szymanski muda o tom e mete a real: “Vocês precisam se livrar logo desse Bolsonaro. Ele diz tantas coisas horríveis sobre os povos indígenas que é quase como se quisesse eliminá-los da face da Terra. Espero que vocês aí no Brasil entendam que esses povos são muito importantes para todo o planeta.”


Para encerrar o bate-papo, pergunto qual a lição mais valiosa que ele aprendeu sendo músico e que conselho ele dá para quem está começando. “Muita gente acha que todo músico é rock star e muitos músicos se consideram rock stars”, começa ele. “Venho de uma cena em que as bandas confraternizavam com o público no fim dos shows e até trocavam endereços com os fãs para se corresponderem; isso antes da internet, obviamente. É lógico que há bandas que fogem à regra. O Deep Purple, por exemplo. Roger Glover é um dos caras mais gentis e pé-no-chão que já conheci. Mas há outros por aí… é como se a mão deles fosse cair se derem um autógrafo. Humildade e respeito, sempre. Quanto ao conselho, nunca perca de vista os diferenciais da sua banda e mesmo na falta de retorno, não desanime. Tente outra vez.”


E para os irlandeses que acharam o Tines barulhento demais resta somente uma livre adaptação da máxima atribuída ao saudoso Lemmy Kilmister: “Se você acha que está barulhento demais, talvez esteja muito velho para o rock.”



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