ENTREVISTA: Fabio Lione e Marcelo Barbosa falam sobre turnê acústica


Iniciada no último dia 14, a turnê Rocking Your Life tem datas previstas para quinze cidades do Brasil. Às vésperas de caírem na estrada, Fabio Lione (ainda na Itália) e Marcelo Barbosa (de Brasília), do Angra, conversaram com este jornalista e revelaram detalhes acerca do giro em formato inédito para ambos. Boa leitura!


Transcrição: João Marcello Calil

Fotos: Leca Suzuki/Divulgação e Gustavo Maiato/gustavomaiato.com.br


Marcelo Vieira: Vocês estão voltando aos palcos depois de mais de um ano parados. Como está a expectativa para o reencontro com os fãs?

Marcelo Barbosa: Imensa. Como estamos sempre nos palcos, viajando, conhecendo gente nova e encontrando amigos que fizemos em turnês passadas, acho que acabamos sentindo mais [os impactos da pandemia]. Não que todo mundo não esteja sentindo, porque, querendo ou não, [a pandemia] é uma situação atípica para todos nós. Por um lado, foi muito estranho; por outro, foi interessante passar mais tempo em casa, ter mais contato com a família e comigo mesmo. Temos que aprender a ver o lado bom das coisas e tirar algum proveito de todas as situações. E tenho certeza de que o público também está ansioso por essa volta.

Fabio Lione: Temos ainda que chegar à normalidade, o que acredito que aconteça daqui a uns seis meses, mas a situação já melhorou muito. Acho que foi uma boa ideia essa de fazer a turnê acústica, pois desse jeito podemos voltar aos palcos e ao contato com o público, o que acho muito importante para mim, para o Marcelo e para o Angra como um todo.


MV: Fazer uma turnê acústica é algo que vocês já tinham em mente ou foi uma ideia que surgiu em razão da da pandemia?

FL: Já havia surgido antes, quando gravei quatro covers com outra banda que tenho na Itália – um do Judas Priest, um do Iron Maiden, um do Scorpions e um do Ozzy Osbourne – e os enviei para o Paulo [Baron], ex-empresário do Angra. Ele gostou muito, então falamos sobre fazer no futuro alguma coisa similar. Acho que essa conversa foi há quase um ano, mas só agora veio a oportunidade de tirarmos isso do papel.

MB: Meu instrumento principal é a guitarra, mas gosto de tocar violão. Cheguei a fazer alguns shows acústicos com o Alírio Netto, que hoje está no Shaman e é um amigo muito próximo. Muitas vezes fizemos shows acústicos em lugares pequenos demais para comportar uma banda completa. Também fiz shows desse tipo com o Almah e o próprio Angra. A gente já vem falando de uma turnê acústica do Angra há algum tempo, mas com a banda inteira. Esse formato voz e violão surgiu em razão da pandemia mesmo. Se a vida te der um limão, faça uma limonada. 


MV: No press-release da turnê, Marcelo define Fabio como uma das vozes mais incríveis que já pode conhecer. Além da voz, o que torna o Fabio um colega de banda tão especial?

MB: Só o fato de ele ser italiano já o torna muito especial, pois existem algumas diferenças culturais que são muito interessantes se você estiver convivendo com uma pessoa de mente aberta para entender diferentes visões de mundo. Além do talento único, ele é uma pessoa maravilhosa, um cara muito puro, muito humano. Sou grande fã do Fabio, não só como artista, mas também o considero uma pessoa sensacional de se conviver. Sem contar que ele gosta de um bom vinho, então costuma ser meu parceiro de vinho na maioria dos shows do Angra, pois o Rafael [Bittencourt] é mais da cerveja, e o Bruno [Valverde] e o Felipe [Andreoli] não bebem. [Risos.]


MV: A recíproca é verdadeira, Fabio?

FL: Marcelo e eu somos muito amigos e sabemos ter momentos de descontração, o que é importante quando se está em turnê e é preciso ficar concentrado, estudar o repertório, ensaiar etc. Ter bons momentos – falar amenidades, comer e beber vinho – alivia a tensão. Se você fica sempre concentrado e tenso, complica, né? O público percebe o “mood” do músico, percebe quando há insegurança ou nervosismo. Marcelo e eu estamos juntos há seis anos, desde o Rock in Rio de 2015. Além de muito bom músico, já sabe tocar as músicas do Angra caso a gente precise!



MV: O repertório dos shows vai contar com músicas das principais bandas de vocês e clássicos do rock. No que diz respeito às músicas do Angra e do Rhapsody, o critério de seleção envolveu mais combinar com o formato acústico ou mais estar entre as favoritas do público?

MB: É uma mistura das duas coisas, mas, obviamente, preferimos não escolher músicas que não combinassem com o formato acústico porque seria inviável, difícil ou até de mau gosto fazer arranjos que as transformem demais, mudando-as totalmente. Como estamos falando de clássicos, os fãs gostam de reconhecer a música que estão ouvindo, então combinar com o formato acústico é, sem dúvida, um critério muito importante. Porém, se a música, mesmo ficando boa no formato acústico, acabar sendo lado B demais e não agregando ao show, acabamos optando por outra que as pessoas saibam cantar; até porque shows acústicos costumam ser mais intimistas, com direito a pessoas sentadas em algumas casas, então queremos combinar a energia que gostamos de colocar ao vivo com esse formato diferente do tradicional.

FL: No começo, fui eu que escolhi o repertório, pensando no formato acústico e nas músicas que gosto e que acho que o público vá gostar, mas não de um jeito banal. Com certeza temos que tocar músicas do Angra e do Rhapsody, mas pelo menos metade do repertório é classic rock, algumas músicas que ninguém toca, então o público vai ficar muito surpreso. O repertório é variado; acho que vamos tocar pelo menos 25 músicas, o que vai dar um show de uma hora e meia ou talvez mais, porque tenho que interagir com o público. Estou pensando também em cantar duas músicas a cappella, sozinho; desse jeito o Marcelo pode descansar um pouco e tomar um copo de vinho. [Risos.] 


MV: Quais são as vantagens e os desafios exclusivos do formato acústico?

MB: Não conheço muito a lei de cada um dos estados, mas, até onde sei, [as casas de shows de] todos os estados [do Brasil] ainda funcionam com lotação limitada, então o fato de ter menos público torna tudo mais próximo e intimista. Essa proximidade é muito legal, pois fica aquele clima de acampamento, de sala de casa. [Risos.] 

Os desafios, principalmente nesse primeiro momento, se resumem a fazer tudo funcionar bem, pois vai ser a primeira vez que faremos esse formato voz e violão. Está sendo desafiador adaptar algumas músicas para um único violão e definir de uma vez por todas o repertório. Muita coisa já está definida, mas sempre tem alguns ajustes que podem ir acontecendo no meio do caminho. Muitas vezes o plano é perfeito no papel e, na hora do vamos-ver, uma coisa ou outra acaba não funcionando.


MV: Houve alguma música que vocês consideraram que iria funcionar em versão acústica mas, na prática, não ficou tão boa e vocês decidiram tirar do repertório?

MB: Houve duas músicas. O Fabio, até por uma questão de tempo, sugeriu algumas que já cantava, principalmente clássicos do rock. Uma das que tinha colocado era “You Give Love a Bad Name”, do Bon Jovi, que  certamente iria ficar incrível na voz dele. Mas a versão acústica que já existe [lançada no álbum “This Left Feels Right” (2003)] não convenceu quando a ouvimos. Essa versão é muito ruim! [Risos.] Quando a ouvi, perguntei ao Fabio: “Você tem certeza de que quer fazer isso?” [Risos.] A música ficou descaracterizada demais, era melhor nem terem feito essa versão.


MV: Se por um lado a aplicação no formato acústico subtrai as possibilidades do instrumental, por outro vocês não acham que favorece maior expressão vocal, permitindo maior variedade de registros?

FL: Sim. Como o repertório é muito variado, vou poder cantar de diversas maneiras. Em formato acústico você pode explorar territórios que geralmente não explora quando toca em uma banda. No caso do Angra, isso não acontece porque a banda é bastante variada, ao contrário do que acontece com muitas de power metal, onde o jeito de fazer a música e de cantar é sempre o mesmo. Não consigo mais escutar power metal, pois geralmente depois de duas ou três músicas o álbum já deu, fica tudo muito repetitivo. Mudam as palavras, o refrão, mas de resto não muda muito. O Angra não é assim; é uma banda que consegue variar muito, tendo elementos de prog metal e outros próprios do Brasil, como a percussão. Acho que no acústico é quando um vocalista pode mostrar todo o seu potencial. Mas tem também o outro lado da moeda: se você erra, já era...


MV: Qualquer tropeço fica mais evidente.

FL: Exatamente. Sendo um show acústico, não dá para usar reverb na voz, então, se você não canta bem, não tem jeito. Mas gosto disso, porque possibilita mais “feeling”; um “feeling” diferente com o público. São somente você, seu guitarrista e o público. É mais íntimo, é diferente.



MV: Agora, em relação à fatia classic rock do repertório, quais outros critérios vocês adotaram na escolha das músicas? Gosto pessoal? Importância/relevância histórica, talvez?

MB: Gosto pessoal é um dos principais critérios. Começamos fazendo um brainstorming e, se acabarmos escolhendo músicas demais de uma mesma banda, substituímos pelas de alguma outra que ainda não tenha sido contemplada. É lógico que não temos como contemplar todos os grandes nomes do rock e do metal em um show de até duas horas, mas a ideia é atingir um equilíbrio. 

Outro critério é o de não ter só baladas, pois, ainda que esse tipo de música combine com o clima intimista, às vezes mais romântico, do formato acústico, precisamos também ter músicas que tragam uma energia diferente ao show. Enfim, usamos vários critérios, mas, de maneira geral, não temos um plano muito bem definido a seguir. Ainda é possível que haja algumas mudanças após os primeiros shows, pois teremos o feedback do público e saberemos o que funciona e o que não funciona. Tudo acontece de maneira muito dinâmica, e temos que estar sempre abertos a ajustes e reajustes de acordo com o resultado.


MV: A ideia, então, é vocês terem um “batch” de canções à disposição e irem montando o repertório conforme as datas forem acontecendo?

MB: Isso mesmo. As músicas, em grande parte, são as mesmas, pois, nesse primeiro momento, não temos como fazer um show diferente em cada cidade. Nem mesmo há essa necessidade; se estivéssemos tocando sempre em uma mesma cidade, aí sim teríamos que variar muito mais, pois provavelmente as pessoas iriam a mais de um show e, por isso, iriam querer ver coisas diferentes do que já viram. Em uma turnê que passa por várias cidades, nossa prioridade é encontrar um formato que funcione, que faça tanto nós quanto o público se divertirem. Ajustes sempre serão feitos, mas não serão shows muito diferentes um do outro.


MV: Algumas performances acústicas se tornaram históricas para o rock. De cabeça, lembro logo do show acústico que David Coverdale e Adrian Vandenberg fizeram no Japão que deu origem ao álbum “Starkers in Tokyo” (1997), do Whitesnake. Vocês poderiam citar alguma performance acústica que considerem especial ou, quem sabe, tenha até servido de inspiração?

FL: Você mencionou exatamente um dos álbuns acústicos que mais gosto. O “Starkers in Tokyo” é simples, genuíno e incrível. A interpretação do Coverdale é incrível, pois ele tem uma voz que acho perfeita para o formato acústico.

MB: O “Starkers in Tokyo” é muito importante para mim também por eu ser grande fã de Whitesnake e por [esse CD] ser justamente no formato de um violão e uma voz. É muito mais fácil fazer um acústico com uma banda completa, com o baterista tocando mais baixo, um baixolão, um ou dois violões, um piano, um violino... todo um vocabulário musical que faz com que seja muito mais fácil trazer novos elementos para as músicas. O que Adrian Vandenberg e David Coverdale fizeram com um violão e uma voz ficou muito bonito, até porque valorizou muito o vocalista. Quando se tem um único instrumento além da voz, o vocalista precisa ter uma voz muito incrível para a coisa fluir. É necessário que haja um grande cantor, uma grande voz por trás de um show com poucos elementos harmônicos. Funcionou muito bem com o Coverdale e tenho certeza de que vai dar certo com o Fabio também. 

FL: Adrian Vandenberg é o guitarrista do Whitesnake que mais gosto. John Sykes e Steve Vai eram incríveis, mas, se eu tivesse que escolher um, provavelmente escolheria o Vandenberg. Steve Vai é tão incrível, tão engenheiro do som, tão perfeito, que pode ser que lhe falte um pouco de “feeling”, ao menos para o meu gosto pessoal. 


MV: A turnê já tem quinze datas confirmadas e ainda está com outras a confirmar. A ideia é percorrer só o Brasil ou também a América do Sul? Ou vai depender do quão rentável o giro se provar?

MB: Já estão sendo negociadas datas na América Latina. Não só na América do Sul, mas também no México. Não deu tempo para fazer isso na primeira perna da turnê porque a demanda por shows no Brasil foi muito grande. O Paulo me procurou dizendo que seriam doze shows, somando Brasil e América Latina, mas já estamos em quinze shows só no Brasil, podendo fechar em dezoito, então ele decidiu que deixaríamos a parte internacional para o ano que vem. Ficamos muito felizes com a receptividade e tenho certeza de que essa primeira parte da turnê nos dará boas lembranças e boas histórias para contar.


MV: Como bom carioca, não pude deixar de notar que, entre a divulgação de um dos pôsteres e do seguinte a ele, a data prevista para o Rio de Janeiro caiu. Você saberia dizer o que aconteceu e se há planos para remarcá-la?

MB: Não sei exatamente os detalhes porque não cuido dessa parte, mas havia uma negociação em curso que, por algum motivo, não foi concretizada. Sempre converso muito com os fãs nas redes sociais; às vezes perguntam por que não vamos ao Rio de Janeiro, e a resposta era para ser natural e óbvia: queremos sempre ir a todas as cidades, ainda mais ao Rio de Janeiro, mas é necessário que alguém contrate o show, que alguém da cidade se interesse em produzi-lo. Sempre repito isso nas minhas redes sociais para não parecer que é uma escolha nossa, que não queremos ir a determinadas cidades. Há quem fique bravo e pergunte por que nós nunca vamos a Teresina, por exemplo, mas não é como se a gente falasse para o produtor: “Não marque em Teresina, pelo amor de Deus, não queremos ir lá!” [Risos.] Essa pergunta tem que ser feita aos produtores locais. Se uma galera se reunir e demonstrar interesse, talvez consiga fazer alguém viabilizar a nossa ida.


MV: Justo. Vamos encerrar, então, com um convite aos fãs das cidades que serão contempladas nessa primeira etapa da turnê!

FL: A ideia de fazer shows novamente é algo que o Marcelo e eu estamos gostando muito, e tenho certeza de que, após essa pandemia absurda, todo mundo quer escutar boa música fora de casa. Então, acho que essa turnê é a chance que teremos de passar duas horas tranquilos, escutando boa música e não pensando em problemas. Todo mundo pensou muito em problemas nesse último ano e meio, então acho que agora é a hora de voltar à normalidade. Um grande abraço a todos e nos vemos na turnê!

MB: É isso. Será um prazer voltar aos palcos, encontrar com vocês, poder bater um papo e ter bons momentos juntos!


Confira as próximas datas da turnê Rocking Your Life:


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