ENTREVISTA: as perguntas a George Lynch que ficaram de fora da Guitarload #118


A entrevista que realizei com George Lynch para a edição #118 da Guitarload certamente pintará pela lista dos meus grandes feitos profissionais de 2021 – sem contar a realização pessoal que foi poder ficar quase uma hora conversando com essa lenda das seis cordas. No entanto, algumas perguntas acabaram não entrando no corte final da entrevista – disponível em www.guitarload.com.br –, só que Lynch deu respostas tão boas que seria uma baita sacanagem condenar tal conteúdo ao esquecimento. Boa leitura!


Por Marcelo Vieira

Transcrição adicional: João Marcello Calil


Marcelo Vieira: No seu novo álbum, “Seamless”, há uma faixa chamada “TJ69”. O que significa esse título?

George Lynch: TJ significa Tijuana, México. 69 é apenas um ano; há também uma conotação sexual, obviamente, um duplo sentido. Não que haja algo a ver com alguma coisa na música, mas eu estava escrevendo uma letra para um álbum do Lynch Mob anos atrás e esse era um título provisório para uma música sobre um cara fodão que chegava em Tijuana com sua arma e sua garota em seu carrão possante, com um monte de merda acontecendo. Nunca acabamos usando a letra, mas mantive o título; estava na minha lista. Eu simplesmente o aproveitei. 

Tenho um pouco de história em Tijuana também, porque moro no sul da Califórnia. Eu ia muito lá, velejava muito, pegava onda, costumava ficar deitadão na praia, o que me dava prazer. Tijuana é um lugarzinho sui generis. E em 1969 me casei e, como não tínhamos dinheiro, minha esposa e eu entramos em nosso carro e partimos para uma lua de mel improvisada. Dormimos na praia, o que não deveríamos ter feito. Descobrimos mais tarde que a praia em que dormimos era um campo de tiros do exército. Então, na manhã seguinte fomos acordados pelo barulho. Não estavam atirando na gente, mas ouvimos inúmeros disparos. Pensamos que as cápsulas de projéteis na areia eram percevejos ou algo assim. Então vimos uns caras de uniforme marrom marchando pela rua, armados, acenando para que fôssemos embora dali. “TJ69” — é disso que se trata! [Risos.]



MV: Quando perguntado quais foram os músicos mais talentosos com quem você trabalhou e o que os faz se destacarem em comparação com os outros, você citou tanto Dug Pinnick quanto Ray Luzier, seus companheiros de KXM. Posso deduzir, então, que o KXM é a sua banda dos sonhos?

GL: Pode sim. E vamos fazer um quarto álbum. Íamos fazê-lo durante a pandemia, mas não daria para fazer como queríamos. O KXM requer que nós três nos reunamos no estúdio, sem pré-produção, e improvisemos até que dali saia uma música e a gravemos. Repetimos isso por doze dias até fecharmos um álbum e, então, vai cada um para o seu canto novamente! [Risos.]


MV: De todos os seus trabalhos até hoje, qual, em sua opinião, é a melhor síntese de quem é George Lynch?

GL: Putz, nenhum, foi mal. Não há nada feito por mim que eu escute e diga “Perfeito, sem defeitos”. Sabe o mito da caverna de Platão? Todo o meu trabalho são as sombras, os reflexos; nada do que fiz corresponde à realidade ainda. Não creio que tenha lançado algo que eu possa morrer hoje feliz. Meu melhor disco ainda será feito. Minha música é um trabalho em constante progresso.


MV: E, de todos, qual você gostaria que tivesse obtido mais reconhecimento ou tivesse feito mais sucesso ainda?

GL: Todos os que não tiveram sucesso. Project NFidelikah, Ultraphonix, “Shadow Train”, “Smoke This” — que as pessoas odeiam [Risos] — e o ainda mais obscuro Stonehouse, que é apenas um EP que gravei com Matt Kramer do Saigon Kick. Praticamente todos que foram menos reconhecidos e as pessoas não gostam muito; são justamente desses que mais gosto.



MV: Para a reta final da entrevista, eu gostaria de falar sobre a Mr. Scary Guitars. Quando você construiu seu primeiro modelo e quando decidiu tornar isso um negócio?

GL: Foi há cerca de oito anos. Eu estava em uma cadeira de rodas após alguns problemas nas costas. Tive que fazer uma cirurgia que me deixou incapacitado. Então comecei a me manter ocupado fazendo arte. Comecei a pegar corpos de guitarra antigos e enfeitá-los com ossos e peles, e pintá-los. A ideia era só me distrair, mas aí eu concluí que poderia começar a vendê-los, então comecei a mostrá-los, só mostrá-los, para alguns amigos, e eles manifestaram interesse em comprá-los, então entrei em contato com a [marca de instrumentos musicais] ESP. Eles acharam uma boa ideia e deram total apoio. 

Montei uma oficina junto com a ESP, aprendi a arte da luthieria por cerca de um ano trabalhando com o pessoal da ESP. Eles me ensinaram muito. A Mr. Scary Guitars começou comigo basicamente modificando guitarras ESP, até que comecei a fazer meus próprios corpos e braços. Tive um ano de aulas com um luthier; não sou um profissional completo, não consigo construir um braço do zero, ainda cometo muitos erros. Mas, sabe, todos os instrumentos que faço são pintados no meu quintal, pendurados para secar junto com as minhas roupas [risos]... faz parte do charme né? É tudo feito à mão. Ainda não dou conta do acabamento gráfico; tenho que repassar isso para outra pessoa que saiba o que está fazendo. Mas tento me aprimorar em tudo o mais rápido que posso.


MV: Você poderia falar sobre alguns dos acabamentos específicos dessas guitarras, como aquele que utiliza couro e cabeça de cobra? [Risos]

GL: Ah, o modelo Snakehunter. Muito chato e difícil de fazer. Realmente não gosto porque é um processo árduo para mim, porque essencialmente depois de lixar e tudo mais, eu tenho que pegar peles de cobra e colá-las usando uma supercola. Então eu sento lá e colo cada pequena seção, você sabe, esses entrecortamentos, torções, voltas e curvas seguindo o padrão. É muito tedioso e requer que eu use essas lupas com luz para ver todos os detalhes. O processo leva cerca de duas semanas, e meus dedos acabam colados todas as noites, o que me impede de tocar guitarra e me obriga a colocar todos esses produtos químicos nas mãos para descolar essa merda. É um pesadelo. Ainda não descobri uma maneira mais simples de fazer isso. Faz um tempo que não recebo um pedido de um Snakehunter. E não sinto falta, acredite. É por essas e outras que [esse modelo] tem um preço tão elevado. Se quiser um, vai ter que pagar por ele.


MV: Qual é o preço médio e o tempo de produção para quem quer comprar uma guitarra dessas?

GL: Entre quatro e nove mil dólares, dependendo de muitas coisas, obviamente. O tempo de construção, do sinal à entrega, é de cerca de seis meses.


https://www.georgelynch.com/


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