ENTREVISTA: Jeff Baddley relembra feitos longínquos e comenta atual momento do Troyen


Quem assistiu a “Ghost: Do Outro Lado da Vida” (1990) ou mesmo “Gasparzinho, o Fantasminha Camarada” (1995) certamente se lembra dos tais “assuntos pendentes”: quando uma alma não consegue fazer a travessia por estar presa a um pensamento ou sentimento de dever. O fato é que Jeff Baddley, baterista e fundador do Troyen, não fazia ideia de que sua banda possuía assuntos pendentes até a chama ser reacendida em 2014, mais de trinta anos após ter renunciado ao sonho de viver de música. 

O cenário atual é outro: aposentado após longa carreira no setor financeiro, Baddley dedica-se ao metal por prazer, e o que se ouve no recém-lançado “Falling Off The Edge Of Forever” (Classic Metal Records) é justamente isso: ele e mais quatro coroas recuperando o tempo perdido com um descompromissado sorriso no rosto. De sua casa em Merseyside, no Noroeste da Inglaterra, ele respondeu às perguntas deste jornalista sobre o passado e o presente do Troyen. Boa leitura! 


Transcrição: João Marcello Calil

Fotos: Facebook.com/Troyen14


Marcelo Vieira: O Troyen emergiu na cena NWOBHM no início de 1981 e infelizmente se separou no final de 1982 devido a questões financeiras e “assuntos rock ‘n’ roll relacionados”. Devemos ler nas entrelinhas que houve problemas com álcool e drogas ou foram apenas as boas e velhas diferenças musicais?

Jeff Baddley: Definitivamente não foram as drogas nem o álcool, mas sim, houve algumas divergências sobre a direção musical a ser seguida naquele ponto.


MV: A banda se separou antes da conclusão de um LP para a Neat Records. Olhando para trás, essa perspectiva de lançar um álbum não deveria ter sido suficiente para manter a banda unida?

JF: Idealmente, sim. Mas chegamos a um ponto em que estávamos muito frustrados sobre o rumo da banda e, depois que voltamos de uma turnê pela Europa, a coisa ruiu.


MV: A demo do Troyen (1981) foi o primeiro trabalho de Gil Norton como produtor. Você poderia imaginar que ele se tornaria um profissional tão renomado e que trabalharia com tantos artistas e bandas mundialmente famosos?

JB: Não mesmo. Ele era muito jovem na época. Um sujeito muito legal e prestativo. Foi um prazer trabalhar com ele. E fico feliz que ele tenha trabalhado em tantas coisas maiores e melhores.


MV: O que você lembra sobre trabalhar com ele na época?

JB: Ele era extremamente meticuloso, sabia o que queria que fizéssemos. E embora ele provavelmente estivesse recebendo por hora, estava muito focado em terminar a gravação o quanto antes. Era um cara ótimo para se trabalhar.



MV: Os números e realizações do Troyen na época não devem ser subestimados: a demo esgotou duas prensagens de 250 cópias cada, vocês fizeram mais de cem shows, incluindo uma turnê europeia com o Nightwing, além de shows de abertura para Spider, Girlschool e Diamond Head, entre outros. De todas as memórias dessa época, quais são aquelas que você guarda com mais carinho e orgulho?

JB: Sem dúvida, a turnê de seis semanas que fizemos pela Europa com o Nightwing. Foi uma experiência e tanto para nós, jovens, e nos ensinou como todo o processo funciona, porque, sendo uma banda de abertura, aprendemos muito sobre os bastidores etc. Fizemos shows na Alemanha Ocidental, na Áustria, na Suíça, em Luxemburgo, na Bélgica, na Polônia... Foi muito, muito legal.


MV: Com a separação do Troyen, você se distanciou completamente da música?

JB: Profissionalmente, sim. Vendi minha bateria cerca de um ano e meio depois e fiquei quase 25 anos sem tocar.


MV: Que rumos a sua vida tomou com o fim da banda? 

JB: Comecei a trabalhar no setor financeiro. Trabalhei na mesma empresa por 35 anos e me aposentei mais cedo há dois anos e meio. Casei-me, tive três filhos maravilhosos que me deram cinco netos, e estava vivendo minha vida quando doze anos atrás, encontrei num bar um velho amigo que me perguntou se eu ainda tocava bateria, e eu disse que não, que havia parado há muito tempo. Daí ele disse: “Poxa, que pena, porque um conhecido meu está querendo montar uma banda.” Isso foi numa quinta-feira. No domingo comprei uma bateria nova. Formei uma banda cover com o Steve McGuire, que era o guitarrista do Troyen, e foi assim que voltamos a tocar juntos.


MV: A volta do Troyen à ativa em 2014 foi um desdobramento da experiência com a banda cover?

JB: Na verdade foi quando recebi uma mensagem no Facebook perguntando se eu era o Jeff Baddley do Troyen e se teria interesse em reunir a banda para um único show no [festival] Brofest, em Newcastle. Steve já tocava comigo na banda cover, e eu sabia por onde andava o Dave [Strathearn, baixista], então entrei em contato com ele. Demorou um bocado, mas finalmente consegui localizar o Nick [Cookson, guitarrista] também. Nos encontramos num bar, tomamos algumas cervejas e decidimos: “Por que não? Não temos nada a perder!” Então voltamos, a princípio, apenas para aquele show.



MV: Depois daquele show, você de alguma forma sentiu que ainda havia algo a ser feito pela banda e como uma banda?

JB: Com certeza. Em julho ou agosto de 2014, assim que anunciámos que iríamos tocar no Brofest [em fevereiro de 2015], começamos a receber convites para tocar em outros festivais. Concluímos que estávamos velhos demais para uma turnê, então decidimos que era melhor gravar um disco. Daí, compilamos o álbum “Finish What You Started” (2014) a partir de algumas músicas presentes na demo de 1981, duas ou três músicas novas e outras antigas que nunca havíamos gravado.


MV: Quem está na formação atual do Troyen?

JB: Steve Haslam na guitarra, Steve McGuire na guitarra, Mark Walling nos vocais – que se juntou a nós para o novo álbum –, Mark Nortley no baixo e, lógico, eu na bateria.


MV: O que faz deles os caras certos para tocar com você na banda?

JB: A química. Não somos exatamente velhos amigos porque alguns deles só conheci há alguns anos, mas nos damos muito, muito bem. Steve [Haslam] e Mark são grandes fãs do metal dos anos 1980, então, mesmo sendo alguns anos mais novos, não têm papas na língua e são compositores de mão-cheia.


MV: Antes de falarmos sobre o novo álbum, eu gostaria de saber como os caminhos da banda, que é inglesa, se cruzaram com os da Classic Metal Records, do Brasil.

JB: Em 2017, fizemos um show com a banda Quartz. Foi a primeira apresentação do Steve Haslam conosco. Por acaso, Patricia [Vera Zuliano] e Denis [Pedro Zuliano] estavam viajando pela Europa e foram convidados pelo pessoal do Quartz para vir ao show. Fomos apresentados e nos demos bem. Cerca de seis meses depois, recebi uma mensagem deles perguntando se teríamos interesse em lançar uma antologia [pela Classic Metal Records]. Foi aí que o relacionamento começou.



MV: Esse vínculo, na sua opinião, aumenta a possibilidade de uma possível vinda da banda ao Brasil?

JB: Adoraríamos ir ao Brasil e à América do Sul. Basicamente, estamos topando tocar em qualquer lugar que as pessoas queiram que toquemos, desde que seja economicamente viável.


MV: Existe alguma relação entre a capa do novo álbum, seu título e o conteúdo das letras?

JB: Nenhuma. A arte da capa foi feita pelo Steve Haslam. Ele é designer gráfico e se ofereceu para fazer a capa, mas não é correlação direta entre ela, o título e as letras.


MV: Falando em letras, a de “It’s Not Too Late” tem um forte teor autobiográfico. Podemos considerá-la o mote da retomada da banda?

JB: A inspiração para “It’s Not Too Late” foram as mudanças climáticas; o fato de que ainda podemos consertar o planeta se agirmos agora. A lançamos como single às vésperas da COP 26 em Glasgow no mês passado. 


MV: Já “All That Glitters” tem cara de que foi baseada numa história real.

JB: E foi. No CD “Anthology” (2019) tem uma faixa chamada “Syrian Lady” cuja letra escrevi em 1981 que conta a história de um soldado britânico do século 19 que se apaixonou por uma jovem síria. É uma das preferidas do nosso público. “All That Glitters” é a continuação dessa história, quando a jovem síria chega à Grã-Bretanha e é abandonada à própria sorte, sem saber o que fazer.



MV: Outra que chamou minha atenção foi a extensa “Raise Your Hands”. A inspiração dessa foi a pandemia?

JB: Na verdade, não. Assim como “It’s Not Too Late”, “Raise Your Hands” é sobre as mudanças climáticas e sobre a necessidade da humanidade de melhorar para poder seguir em frente.


MV: O CD inclui uma regravação de “Stormchild”. Por que regravar uma música lançada quatro anos atrás?

JB: Mark Walling, nosso novo vocalista, queria cantá-la e imprimir sua marca nela. Embora tenha um título bastante dramático, “Stormchild” é sobre o nascimento da minha neta! [Risos.]


MV: Minha última pergunta é sobre a sua amizade e parceria com Steve McGuire. Torcer para o mesmo time é tão importante quanto ter gostos musicais semelhantes ao formar uma banda? 

JB: [Risos.] Até que não. Embora Steve McGuire e eu torçamos para o Everton, isso não é algo de que possamos nos orgulhar muito, porque o Everton não está indo muito bem no momento. Temos muitos interesses em comum além do futebol e da música, mas também somos diferentes em uma porção de coisas. É por isso que a amizade e a parceria funcionam.


MV: Que mensagem você gostaria de deixar para os fãs brasileiros, leitores do meu site e a todos que vão comprar o novo álbum?

JB: Agradeço antecipadamente a sua compra. Agradeço o seu apoio. Tenha um Natal fantástico e um 2022 ainda mais fantástico – até porque, pior do que 2021, realmente não tem como ser. 



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