ENTREVISTA: Rob Cavestany comenta novo álbum do Death Angel, amizade com Sepultura e shows no Brasil


A pandemia – e com ela a impossibilidade de cair na estrada – equivaleu a um “Se vira nos 30” para artistas e bandas de todos os gêneros e nacionalidades. Ainda que boa parte tenha se rendido à estase do momento, outros, como os veteranos do Death Angel, buscaram maneiras de manter a música rolando. Lançado em 26 de novembro de 2021, “The Bastard Tracks” é o registro em áudio de uma live realizada pelo grupo meses antes na qual tocaram apenas músicas obscuras de seu catálogo. Num bate-papo que durou quase uma hora, o guitarrista e membro fundador Rob Cavestany falou sobre o álbum – que chega ao Brasil via Shinigami Records – e muitos outros assuntos. Boa leitura!


Transcrição: João Marcello Calil


Marcelo Vieira: Devo dizer que a ideia por trás de “The Bastard Tracks” é brilhante. É algo que eu gostaria de ver mais bandas fazendo – um show com só com os lados B, sabe? Agora eu gostaria de saber: vocês amadureceram essa ideia antes da pandemia ou foi um lapso de genialidade resultante da impossibilidade de realizar shows?

Rob Cavestany: “Lapso de genialidade”. Adorei! Não estava nos planos. Foi muito espontâneo; uma dessas ideias que surgem em meio a conversas sobre o que deveríamos fazer para manter a banda ativa. Fizemos uma live em dezembro de 2020 que foi o equivalente aos shows de Natal que fazemos anualmente em São Francisco e o resultado foi satisfatório. Daí decidimos que talvez devêssemos fazer outra. Eu particularmente não queria, porque para mim o formato já tinha dado no saco, mas se for para ser, que seja diferente. Que seja único. Então começamos a pensar o que poderíamos fazer de diferente. E, de alguma forma, veio a ideia de que devíamos tocar músicas que nunca ou raramente tocamos. Eis o conceito de  “The Bastard Tracks”.


MV: Qual foi o critério adoptado para a escolha do setlist?

RC: Não houve um critério. O foco era tocar apenas músicas que nós ou nunca tocamos ao vivo ou que raramente tocamos ou que não tocávamos há muito, muito tempo. Cheguei ao setlist após pedir a cada integrante que me enviasse uma lista com seus lados B preferidos da banda. Se uma música fosse listada por mais de um integrante, entrava automaticamente. Depois, incluí outras que achava boas. A ideia original era até fazer dois shows, com dois repertórios diferentes, mas concluímos que seria exagerado, então enxugamos a lista mantendo apenas as melhores músicas.


MV: Quanto às músicas que nunca tinham sido tocadas ao vivo, ensaiar alguma delas fez você pensar algo como “oh, nós deveríamos ter tirado mais proveito desta música”?

RC: Bem... sim e não. No calor do momento, senti isso em relação a algumas músicas. Mas acredito que isso se deva ao fator novidade, de tocá-las pela primeira vez. Ainda consigo ver a razão pela qual essas músicas não fazem parte do nosso setlist de sempre. Temos muitas músicas; são nove álbuns de estúdio ao todo. É difícil montar um setlist, mesmo se a regra for tocarmos uma música de cada álbum. Em razão disso, privilegiamos os hits a maior parte do tempo. Então, uma música ou outra [das que aparecem em “The Bastard Tracks”] pode até ter sido realmente divertida de tocar, mas jamais tomaria o lugar de outra música que normalmente está no nosso set.


MV: Você enfrentou alguma dificuldade no processo de reaprender essas músicas para tocar ao vivo? Foi divertida essa preparação?

RC: Foi bastante. Rimos muito. Felizmente, apesar de nossa música ser muito intensa, agressiva e séria, ainda nos divertimos tocando. Não nos levamos tão a sério assim. Então, quando erramos ou demoramos a acertar uma parte, rimos muito da situação. 

Estou muito orgulhoso de todos na banda e muito feliz em dizer que todos fizeram o dever de casa. Muita preparação foi necessária antes de tocarmos todos juntos. Por isso, é imprescindível que cada um em suas casas ouça as músicas, as aprenda e ensaie as suas parte muito bem, para que, quando nos juntarmos, todos já estejam afiados. Quando chegámos ao ensaio foi bonito, tudo correu muito bem. Ficamos até surpresos com a facilidade com que a coisa tomou forma.


MV: Foi muito estranho para vocês fazerem um espetáculo do cacete para uma casa vazia?

RC: Foi estranho pra caramba! Mas como não foi a primeira vez, sabíamos o que esperar. Mas mesmo assim... Nosso tipo de música depende muito da energia do público. 


MV: Foram necessários muitos overdubs para o lançamento do CD?

RC: Não, pois nunca ensaiámos tanto para um show. Ensaiámos mais para este show do que às vésperas do início de uma turnê. Sabíamos que era uma ideia ousada, por isso nos esforçamos para tocar todas estas músicas com excelência. E também estava na minha mente que se tocássemos muito bem, talvez pudéssemos lançar em CD um dia. Consertamos alguns sons, retiramos algumas microfonias... tudo que julgamos necessário fazer para que a gravação soasse cristalina.



MV: Em maio, quando aconteceu a live, a cada três músicas vocês incluíram um segmento com comentários da banda sobre as músicas. Essas entrevistas estarão disponíveis na íntegra em algum momento?

RC: Sim, estarão todas disponíveis no Blu-ray. A ideia era fazermos algo na linha do VH1 Storytellers!


MV: A primeira prévia que vocês liberaram do “The Bastard Tracks” foi a versão ao vivo de “Where They Lay”. No dia da live, vocês disseram que a música foi escrita sobre as poucas e boas que a banda enfrentou ao longo de sua carreira. Que “poucas e boas” exatamente?

RC: Poucas e boas de todos os tipos! [Risos.] Tivemos muitas experiências quase fatais ao longo da nossa carreira. Se dependesse de uns, a banda já teria acabado; nós chegamos a encerrar as atividades uma vez. Não foram poucas as vezes que recebi críticas sobre as mudanças realizadas na formação; basicamente, as pessoas dizendo que a banda deveria terminar. “Já era”, “O tempo de vocês já passou”, “Vocês estão aí desde os anos 1980”. Isso meio que alimenta o nosso fogo, nos deixa ainda mais motivados. 

Essa é uma pergunta complicada. Acho que nunca respondi essa pergunta antes. É mais uma coisa sobre a qual se fala nos bastidores; algo sobre o qual conversamos entre nós, da banda. Não é o nosso estilo lavar nossa roupa suja na frente do mundo. Não tentamos infligir muito de nossas opiniões pessoais em certas coisas; nós as mantemos dentro de nossas músicas, nas nossas letras. Procuramos explicar muito da nossa frustração com a indústria fonográfica ou falar sobre situações de sobrevivência de maneira subliminar em muitas letras e retratar musicalmente com a energia e o som dos riffs e das músicas que escrevemos. 

Dito isso, reconheço que não tivemos lá muita sorte em nossa carreira. Tivemos que enfrentar muitos contratempos e bloqueios a ponto de nos perguntarmos “que praga é essa que nos rogaram?”, como se houvesse uma nuvem carregada sobre nós tentando nos parar o tempo todo. Se não é uma coisa, é outra, mas sigamos em frente.


MV: Num dos segmentos, Mark se refere a “Absence of Light” como a “bastard track definitiva”. Você concorda que essa talvez seja a música mais subestimada do catálogo da banda?

RC: Não sei se iria tão longe a ponto de dizer isso. É difícil para mim destacar uma única música dessa maneira, mas certamente é uma das. “Absence of Light” é uma das “bastard tracks” que definitivamente entrará no nosso repertório regular. É muito divertido tocar essa música porque é muito diferente de todas as outras. O tempo é muito mais lento, e todo o arranjo e som dessa música não é normal... não é o típico thrash metal. Mark definitivamente a adora; a letra dessa música é muito especial para ele. E para mim também.


MV: “Lord of Hate” foi lançada há mais de uma década. Nos últimos dez anos, não faltaram senhores do ódio surgindo em todo o mundo e proferindo seus discursos de ódio. Para você, hoje em dia, quem é o “senhor do ódio” a temer e quem, parafraseando a letra, “algum dia manchará as páginas de todos os livros de história”?

RC: [Risos.] Veja bem, esta é apenas minha opinião pessoal; eu não represento o que pensa a nossa banda. Cada um vê as coisas à sua maneira. Falar sobre posicionamento político é andar na corda bamba. É correr o risco de quebrar o pau com seu melhor amigo a noite toda. Você sabe, tudo vai bem até se toque em política ou religião...


MV: Ou futebol...

RC: Verdade! [Risos.] Todos nós podemos concordar em algumas coisas e discordar em outras, né? Mas já que você fez a pergunta, é lógico que o senhor do ódio a ser temido é a porra do Donald Trump. A coisa estava ficando muito feia em nosso país. Indo de mal a pior.


MV: Imagino, então, que você esteja muito feliz por ele não ter sido reeleito! [Risos.]

RC: Demais, cara. A história se repete, né? Presidentes dos Estados Unidos. Na época em que o Mark escreveu essa letra, acredito que o presidente era o [George W.] Bush. E nós estávamos numa merda fodida. E ele não estava, aos nossos olhos, representando muito bem nossa pátria. E muitas pessoas estavam odiando isso; vimos isso nas nossas turnês. Na Europa, as pessoas nos perguntavam: “O que diabos está acontecendo no seu país?!”. Não sabia o que responder. Era uma merda atrás da outra. Sem me alongar muito, vou apenas dizer que ainda não estou satisfeito com o cara que entrou [Joe Biden]. De todo modo, Donald Trump ainda é o atual senhor do ódio para mim, mesmo que não esteja na posição de poder agora.



MV: Os fãs podem imaginar o Death Angel caindo na estrada tocando o mesmo setlist de “The Bastard Tracks”? Quero dizer, você acha que é viável fazer um show sem “Evil Priest”, “Kill as One” ou “Thrown to the Wolves”?

RC: [Risos.] Boa pergunta! Não acho viável. Só foi possível realizar algo como “The Bastard Tracks” porque as pessoas estavam assistindo de casa. Mesmo que isso pudesse ser legal para alguns fãs, não seria para outros. Não consigo me imaginar indo a um show de um artista de que gosto e curtir caso ele fizesse algo assim. A única maneira de isso acontecer é se for anunciado desde o começo que vai ser assim, então ninguém ficará desapontado por não ouvir “Thrown to the Wolves”, por exemplo, porque já vai chegar lá sabendo. Sem contar que não é sempre que o Death Angel vai estar naquele país ou naquela cidade e, quando isso acontecer, é obrigatório que toquemos as músicas que as pessoas estão esperando ouvir.


MV: Para você, qual é o álbum definitivo do Death Angel até agora? Tipo, qual você recomendaria para alguém que nunca ouviu falar da banda antes e por quê?

RC: Perguntinha difícil de responder, e fico feliz em dizer que é difícil de responder, porque não temos apenas um disco pelo qual somos conhecidos. Estamos aqui há tanto tempo, e temos tantos discos de épocas diferentes que para realmente nos entender, você precisa pelo menos ouvir alguns deles. Um bom ponto de partida seria nosso álbum de estúdio mais recente, “Humanicide” (2019). Em seguida, recomendo ouvir nosso álbum de estreia, “The Ultra-Violence” (1987), para que conheça nossas origens e saiba como soávamos quando éramos muito jovens. É um dos chamados álbuns lendários do thrash metal. 

Por fim, talvez você devesse ouvir o “Act III” (1990), nosso terceiro disco e o último da fase inicial da banda. Nosso produtor foi o Max Norman, que produziu “Blizzard of Ozz” (1980) e “Diary of a Madman” (1981) [os dois primeiros álbuns solo de Ozzy Osbourne após a saída do Black Sabbath], e tantos álbuns incríveis do heavy metal clássico. Foi nesse disco que passamos de banda iniciante para profissionais. Fizemos um disco muito bom e bem-produzido por uma grande gravadora [Geffen Records] que dispunha de um baita orçamento, que usamos com gosto! [Risos.] Há muitas músicas clássicas nesse disco. Eu poderia continuar porque quero que todos ouçam cada um dos nove discos, mas aí eu ficaria falando até amanhã. [Risos.]



MV: Vamos voltar no tempo rapidinho. O que você lembra do dia em que o Death Angel tocou com o Sepultura no Dynamo Open Air em 1990 para um público de mais de mais de 20 mil pessoas?

RC: Andreas [Kisser, guitarrista do Sepultura] e eu conversamos sobre esse dia várias vezes. Foi o maior público do Sepultura até então e foi o maior público do Death Angel até então também. Fomos os headliners daquele festival, e foi incrível. Éramos muito jovens, eu tinha 21 anos na época, e estávamos muito animados. Também foi a primeira vez que vimos e conhecemos os caras do Sepultura. Sem dúvidas, um momento inesquecível.


MV: Foi o início de uma amizade com os brasileiros?

RC: Isso mesmo. Somos grandes amigos até hoje. Os considero como irmãos. Fizemos inúmeras turnês juntos. Visitamos Austrália, Nova Zelândia, Europa, Sudeste Asiático. Falta só fazermos uma turnê na América do Sul. 


MV: Quando perguntado pelo site Metal Injection, você citou “Chaos A.D.” (1993) do Sepultura. como um dos seus cinco álbuns definitivos de Thrash Metal. O que te atrai tanto no som do Sepultura?

RC: Gosto da vibe crua e primitiva e do groove pesado. Definitivamente, eles têm um som único e original. Claro, é por causa de onde eles vêm, essa cultura transparece dentro de sua música. Então eles usam muitos elementos rítmicos tribais e grooves realmente pesados com sabor brasileiro. Andreas toca muito violão e é um músico muito talentoso com influências musicais que vão além do metal, além do thrash metal. E eles incorporam essas outras influências no thrash. O resultado é um som único com um sabor internacional. Eles são muito honestos e brutal e emocionalmente sinceros. E eles têm o Eloy [Casagrande] na bateria, que é um dos meus bateristas favoritos. Sou um grande fã de bateria e o Eloy sozinho é uma força a ser reconhecida.


MV: Existem outros grupos brasileiros de metal na sua playlist?

RC: O Kiko [Loureiro] do Megadeth é um guitarrista incrível. Amo vê-lo tocando. Sou fã de sua musicalidade. E o Angra? Eles arrasam! Nossas amigas da Nervosa estão voando baixo. A ex-vocalista e baixista delas, Fernanda [Lira], montou o Crypta. Não é bem uma banda brasileira, já que tem uma guitarrista holandesa, mas você tem a Fernanda lá, trazendo essa vibe. Ultimamente tenho ouvido muito as duas bandas e acompanhado o que ambas estão fazendo, e ambas estão arrasando.



MV: A única visita do Death Angel ao Brasil foi há 11 anos. Você poderia compartilhar algumas memórias daquela Sonic Retribution Tour?

RC: Meu Deus, já faz tanto tempo assim? Não posso acreditar que não voltamos desde então. Foi incrível, definitivamente único. Muito único. Foi a única vez que aproveitamos a experiência, a cultura, os fãs incríveis e as pessoas incríveis desta região do planeta. A energia dos fãs era o que todos esperávamos; sabíamos o quanto eram apaixonados. Pessoas muito apaixonadas, uma energia apaixonante. Esse é o nosso estilo, nós amamos ser recebidos dessa forma. Todos os shows estavam lotados, um calor infernal. E foram traslados muito longos, e não tivemos descanso. Todos concordamos que aquela turnê nos fez envelhecer um ano em duas semanas!


MV: Pudera: foram dez shows em quinze dias!

RC: Pareceram cinco semanas! [Risos.] A gente quase não dormiu em razão das viagens que tínhamos que fazer. Nosso sono foi todo picado, tipo, dormíamos uma hora no aeroporto, uma hora na van, uma hora no camarim... Não dava tempo nem para chegar ao hotel e tirar uma soneca ou algo assim; saíamos da van, montávamos nosso equipamento, passávamos o som, nos vestíamos, comíamos algo e então restavam apenas duas horas antes do show, e você não pode nem tentar dormir a essa altura. Um calor infernal, éramos a atração principal, sets de duas horas todas as noites e, como nunca tínhamos estado no Brasil, queríamos fazer shows inesquecíveis. Como queríamos continuar na companhia dos fãs, perguntávamos a eles onde ficava ao bar de rock mais próximo e íamos confraternizar com eles após os shows. Trocávamos de roupa nos bastidores e íamos direto para o bar ou a boate e passávamos a madrugada bebendo, nos divertindo, conversando, rindo e festejando... então nada de descanso e no dia seguinte estávamos de ressaca! E então no próximo show fazíamos tudo isso de novo e de novo e de novo. Essa é a minha lembrança dessa turnê. Foi extremamente difícil, mas foi muito, muito divertida.


MV: O que podemos esperar do Death Angel para 2022?

RC: Muita atividade porque temos que compensar o que perdemos por causa da porra da pandemia. A menos que a porra da pandemia nos pare novamente, você pode esperar nos ver em turnê. Espero que possamos voltar à América do Sul. Queremos tocar em todos os lugares que pudermos e também compor e gravar nosso próximo álbum.


MV: Algum recado para os fãs brasileiros?

RC: Estamos fazendo o nosso melhor para voltar. Mas não é nada fácil fazer uma turnê por aí. Amamos vocês, amamos sua energia e paixão; isso realmente leva a banda a fazer o nosso melhor. Obrigado do fundo de nossos corações por seu apoio. Nunca poderíamos fazer isso sem vocês.



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Adquira “The Bastard Tracks” no site da Shinigami Records.


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