ENTREVISTA: Tom Hunting fala sobre o novo álbum do Exodus, câncer e show histórico no Rio de Janeiro


Em 19 de novembro de 2021, o Exodus pôs fim a sete anos de silêncio com o muito bom “Persona Non Grata”. De maio a outubro de 2020, Steve “Zetro” Souza (vocal), Gary Holt (guitarra), Lee Altus (guitarra), Jack Gibson (baixo) e Tom Hunting (bateria) se radicaram na casa de Tom nas montanhas, onde as doze faixas que compõem o álbum tomaram forma. Na esteira do lançamento, pude bater um papo com Hunting, o mais novo integrante do time daqueles que venceram o câncer. Sendo eu nascido e criado no Rio de Janeiro, obviamente o assunto foi parar na histórica apresentação do grupo no Garage, espécie de templo às avessas do underground, em 1998, e as lembranças do batera não poderiam ser melhores. Boa leitura!


Transcrição: João Marcello Calil


Marcelo Vieira: Sete anos se passaram desde “Blood In Blood Out”, cuja maioria das canções foi escrita para o vocalista anterior, Rob Dukes. Em quais aspectos foi diferente compor tendo a voz do Zetro em mente?

Tom Hunting: Acho que o Rob teria feito um bom trabalho neste álbum também. Quer dizer, ele e o Zetro meio que se complementam enquanto vocalistas de thrash metal. De saída, apenas nos certificamos que tivéssemos um bom riff e uma boa levada de bateria, e então construímos em cima disso. Zetro estuda muito as próprias partes e encontra maneiras de se misturar organicamente à música, sempre com ótimos resultados.


MV: Embora muito dinâmicas e versáteis entre si, as músicas do “Persona Non Grata” realmente soam muito orgânicas. Todo o álbum surgiu tão naturalmente quanto parece ter surgido?

TH: A maioria das músicas, sim, veio muito rápido e de maneira orgânica. Gary compôs “The Fires of Division” logo cedo numa manhã. Ele estava brincando com o riff principal da música na noite anterior, foi para a cama e acordou no dia seguinte comunicando que tinha uma música nova. [Risos.] Ligamos para o [engenheiro de som] Steve Lagudi e fomos ao estúdio. Gary gravou as guitarras dessa música no mesmo dia que a compôs. Foi rápido assim. 

Por outro lado, houve músicas que demoraram mais para ficarem prontas. Tudo depende da tal da inspiração, que pode vir quando você menos espera, sabe?


MV: Não obstante essa versatilidade, “Persona Non Grata” ainda é o álbum mais pesado do Exodus com Steve “Zetro” Souza nos vocais. Vocês consideraram soar cada vez mais pesados uma missão a ser cumprida? 

TH: Que nada. Nunca entramos em estúdio com um plano; as coisas simplesmente acontecem. Sabíamos que queríamos fazer boas músicas, com riffs cativantes e talvez arriscar, musicalmente, como nunca antes. Por isso é que o álbum soa tão versátil. Mas sem essa mentalidade de “quanto mais pesado, melhor”.


MV: Em abril de 2020, você definiu o “Persona Non Grata” como “o álbum que redefinirá a carreira da banda e as turnês que se seguirão”. No meu entendimento, você quis dizer que essa mistura de thrash das antigas com thrash moderno é a nova assinatura sonora do Exodus. Poderia explicar isso um pouco melhor? 

TH: Acho que já estamos fazendo essa mistura há muito tempo. Estamos no nosso décimo primeiro álbum. E temos muito orgulho disso. E temos também muito orgulho da maneira como o fizemos no meio da pandemia. Sem poder fazer shows, a única coisa que nos restava era fazer gravar um novo álbum. Então, todos os planetas se alinharam para que pudéssemos fazê-lo. Acho que o clima do álbum é, sim, o resultado musical de onde estivemos e onde estamos. Mas, novamente, não planejamos isso. [Risos.]



MV: Uma vez que o título do álbum pode ser traduzido como “uma pessoa indesejável ou inaceitável” e explora temas como a degradação da sociedade moderna, quem, na sua opinião, são os indesejáveis e inaceitáveis na sociedade?

TH: Você teria que perguntar ao Gary no que ele estava pensando quando sugeriu o título “Persona Non Grata”. Muitas das nossas letras falam sobre a condição humana e sobre como as pessoas são umas com as outras. Não é que pensemos assim. Estamos apenas relatando a loucura do caralho na qual o mundo se encontra e a necessidade de sermos melhores uns com os outros. É mais um exame de consciência do que uma constatação do tipo “você é indesejável para nós”. Somos contra essa cultura do cancelamento.


MV: “The Beatings Will Continue (Until Morale Improves)” conta com um refrão poderoso que com certeza será cantado a plenos pulmões pelos fãs nos shows. Isso passou pela cabeça de vocês quando da composição dela?

TH: De modo algum. Se uma música acaba caindo no gosto do público, nós a colocamos no setlist. Foi assim com “Funeral Hymn” [do álbum “The Atrocity Exhibition: Exhibit A” (2007)] e “Blacklist” [do álbum “Tempo of the Damned” (2004)]. As pessoas gostam de cantá-las conosco, sabe? Só que no caso da “Beatings”, caso gostem, vão acabar cantando pouco, porque é uma música curta! [Risos.]


MV: É a mais curta do álbum e uma das mais curtas da carreira da banda.

TH: Sim. Originalmente, teria entre três minutos e meio e quatro minutos. Mas decidimos “cortar a gordura”. Continuamos editando-a tendo em mente que, nos primórdios, Elvis [Presley] e os Beatles imortalizaram músicas de dois minutos e quarenta segundos em média. Mas acho que acabou batendo a marca dos três minutos. (N.E.: Por um segundo, mas bateu.)


MV: “Falsas manchetes repletas de mentiras para nos manter entretidos” é o que diz a letra de “Clickbait”, um ataque aos sites que escrevem qualquer coisa em nome do clique. Você ou a banda já foram vítimas de fake news ou é simplesmente uma questão de você não precisar comer merda para saber que tem gosto ruim?

TH: Acho que você acabou de responder à sua própria pergunta! [Risos.] Tipo, qualquer um pode escrever qualquer coisa sobre qualquer assunto na internet, inventar dados e gráficos e pagar de especialista. Nunca fui vítima de fake news porque não perco muito tempo na internet. Me restrinjo a falar com a imprensa quando nossos álbuns vão sair, é o máximo que faço. Não estou nas redes sociais nem nada disso. Redes sociais são como poços sem fundo. E as pessoas caem.


MV: Sendo assim, o que é pior na sua opinião, ser ignorante ou ingênuo? 

TH: Bem, ambos são ruins. Mas acho que ignorância significa apenas que as coisas foram ensinadas da maneira errada à pessoa. A ignorância tem cura. Por outro lado, você se torna ignorante se opta por acreditar no que dizem os ignorantes. Se for ingênuo a tal ponto. [Risos.]


MV: Aqueles que enganam têm mais culpa do que aqueles que são facilmente enganados?

TH: A pessoa que engana sempre tem algum tipo de má intenção. Para enganar, você quer levar as pessoas a uma determinada direção onde elas normalmente não iriam, mas para ser enganado, basta que você seja ingênuo.



MV: Com mais de sete minutos e meio, “Lunatic-Liar-Lord” me soou como uma música anti-Donald Trump. É correto interpretá-la como tal?

TH: Não me posiciono politicamente na internet, mas acho que sim. Isso vale para “The Fires of Division”. Há muitos significados diferentes que podem ser atribuídos a essas músicas, mas deixamos os ouvintes tomarem suas próprias decisões.


MV: “Prescribing Horror” não soaria deslocada num disco do Slayer. Você acha que o Gary mudou ou melhorou seu estilo de composição devido ao tempo que passou com o Slayer?

TH: Não acho. Seus riffs são tão brutais como sempre foram. Sem contar que o Slayer o tinha à disposição e nem assim eles se valeram disso naquele último álbum. Há quem diga que o Gary foi subutilizado pelo Slayer. É inegável que o “Repentless” (2015) poderia ter sido um álbum ainda melhor se tivesse alguns riffs do Gary lá, se ele tivesse colaborado em algumas músicas. Mas que bom que não tiveram, pois pegamos esses riffs e os aproveitamos! [Risos.] 

Dito isso, “Prescribing Horror” foi escrita em 2016 ou 2017. Essa é a música mais antiga do álbum. Gary ainda estava no Slayer.


MV: Pela terceira vez na história da banda, o Exodus recorreu ao artista sueco Par Olofsson para criar a capa de um álbum. Você poderia explicar o conceito por trás da capa e como ele se relaciona com o título e o conteúdo das letras?

TH: Sinceramente, não vejo qualquer relação entre um e outro. Só queríamos uma estampa que ficasse bem em uma camiseta! [Risos.]


MV: Alguns críticos acharam que, com mais de uma hora de duração, “Persona Non Grata” é um disco longo demais. Qual é a sua resposta para eles?

TH: Se eles vão a um show ao vivo, as bandas dificilmente tocam por menos de uma hora. Inicialmente, não íamos colocar “Prescribing Horror” no álbum, mas aí pensamos: “é uma ótima música, não temos motivo para não a colocar”. Se a tivéssemos deixado de fora, o disco duraria menos de uma hora.



MV: Ao contrário de bandas como Megadeth e Metallica, que meio que abriram mão de suas raízes thrash visando ao apelo de massa, o Exodus nunca seguiu as tendências. Quando você pensa em vendas e vê o saldo da sua conta bancária, conclui que talvez devessem ter seguido?

TH: É lógico. Talvez devêssemos ter escrito baladas! [Risos.]


MV: Muitas grandes bandas de thrash metal surgiram e desapareceram desde que o Exodus começou a fazer barulho e ajudou a moldar o som da Bay Area. Você está ciente da importância que tem para a cena? Surpreende você que a banda exista há tanto tempo e ainda seja tão influente?

TH: Não penso muito nisso, mas acho que temos sorte. E se as pessoas gostam do que fazemos, e em razão disso decidem fazer por si mesmas, acho isso incrível.


MV: Malcolm Dome, o homem que inventou o nome “thrash metal”, faleceu recentemente. Qual a importância dele na história do Exodus?

TH: Eu o encontrei em muitas ocasiões, saí com ele muitas vezes. Era um ser humano muito, muito adorável. Nunca apelou para o clickbait e realmente gostava da nossa banda. Foi um grande jornalista, sempre com perguntas incríveis. Suas entrevistas eram ótimas, e ele não perguntava a mesma coisa para todo mundo. Fará falta, com certeza.


MV: Finalmente, gostaria de falar sobre o diagnóstico e o tratamento do seu câncer. Como estão as coisas?

TH: Melhores. Tudo indica que estou livre do câncer. A cirurgia foi um grande sucesso. 


MV: Quando você foi diagnosticado com câncer, um filme passou pela sua cabeça? Quer dizer, alguma coisa mudou na sua maneira de ver a vida?

TH: Sim. Acho que tento não ficar mais estressado com pequenas coisas como costumava ficar. Quer dizer, se você está lutando uma batalha como esta e está vencendo, outras coisas passam a não significar mais merda nenhuma.


MV: Esta é sua mensagem para aqueles que estão lidando com os mesmos problemas que você lidou?

TH: Sem dúvida. Se você acha que algo está errado com você, procure um médico. E não desista.



MV: Quarenta anos de carreira depois, você teria feito algo diferente?

TH: Provavelmente teríamos tomado decisões de negócios diferentes. Não teríamos demitido o Paul [Baloff] e... você sabe, tem coisas que você só aprende quando se torna um adulto. Nós éramos jovens quando começamos a banda. Portanto, cometemos muitos erros no início. Não consigo listar todos eles, mas gosto de onde estamos agora. Estamos finalmente curtindo a jornada.


MV: Você pensa no Paul com frequência? (N.E.: o vocalista morreu em 2002, aos 41 anos.)

TH: Todo dia. Ele ensinou muito a todos nós. Ele amava o metal mais do que qualquer pessoa já amou. [Risos.]


MV: O que vem a seguir para o Exodus? 

TH: Acho que sairemos em turnê em abril e maio. Talvez façamos algo em fevereiro, ainda não sabemos. Queremos voltar ao Brasil!


MV: Antes do início da entrevista, você me disse que ama o Brasil. O que exatamente você ama?

TH: Temos uma longa história de amor com o Brasil. Passamos momentos loucos por aí. Você está no Rio de Janeiro, certo? Fomos beber na Vila Mimosa. (N.E.: Famosa zona de prostituição da cidade.) Fizemos um show na Vila Mimosa. (N.E.: Na verdade, no Garage, que ficava perto.) E estava tudo inundado, as ruas inundadas, em razão de uma grande tempestade. E fomos para o bar ao lado e o dono daquele bar estava servindo bebidas pendurado em um poste do lado de fora enquanto a água subia sem parar... Tipo, “uau!”. Achei mais louco do que a cantina do Star Wars, um lugar absolutamente assustador. 

Mas todo mundo foi gente boa. Sempre nos divertimos no Rio. A primeira vez foi logo após a enchente. Quando chegamos à Praia de Copacabana, estávamos dando pulinhos de alegria. Fomos correndo pular no mar. Até que nos demos conta: “que cheiro é esse?”. Aparentemente, a tal da enchente tinha despejado todo o esgoto da cidade no oceano... [Risos.]


MV: Espero vê-lo em breve, Tom. No Rio de Janeiro e sem esgoto a céu aberto!

TH: Quando voltarmos, quero ir a São Luís, Manaus, Curitiba... Quero voltar a cada canto desse país! [Risos.] A maioria das bandas grava álbuns ao vivo no Chile. Acho que precisamos gravar um no Brasil.



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Comentários

  1. Suas entrevistas sempre nos levam a coisas diferentes e inesperadas, por isso que te admiro tanto.

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