ENTREVISTA: Eduardo Marcolino e Gabriel Aquino falam sobre o disco de estreia do Tarmat


Nos tempos da faculdade, tive um professor que dizia que fazer rock no Brasil era tão fácil quanto fazer samba na Suécia. Mais de uma década se passou e a realidade continua a mesma. Dependendo do estilo de rock, a empreitada se torna ainda mais desafiadora. Sem saber que era quase impossível em solo brasileiro, a rapaziada do Tarmat foi lá e fez em seu disco de estreia um prato cheio para entusiastas da veia mais melódica do hard. Valendo-se de experiências prévias tanto em bandas cover quanto em grupos de progressivo, Alexandre Daumerie (vocais), Eduardo Marcolino (guitarra), Gabriel Aquino (teclados) e José Marcus (baixo) apresentam em “Out of the Blue” uma amálgama de tudo isso; com letras repletas de significado e um sentimento de celebração a anos de amizade. Com a palavra, Eduardo e Gabriel. Boa leitura!



Transcrição: Leonardo Bondioli



Marcelo Vieira: Ouvindo o álbum, fiquei com a impressão de que era uma banda de rock progressivo fazendo AOR westcoast. Quão equivocado fui na minha interpretação?


Eduardo Marcolino: De certa forma, [sua interpretação] faz sentido. Nosso histórico na música autoral é muito ligado ao rock progressivo. Gabriel e eu temos quase vinte anos com o Anxtron, e o José Marcus, nosso baixista, tocou conosco por quase dois anos. Acho que quase todos da banda curtem rock progressivo. Não sei se eu diria que somos músicos de rock progressivo fazendo AOR, mas como temos uma história nesse gênero acabamos trazendo de certa forma essa influência. 


Gabriel Aquino: Por circunstâncias da vida, toquei rock progressivo por bastante tempo, mas o estilo da Tarmat representa muito o que sou como consumidor de música. A vertente mais pop do prog, de bandas como Alan Parsons Project, Camel e Saga, é a de que mais gosto. O “90125” do Yes que todo mundo apedreja eu acho genial. A minha fase favorita do Rush é quando o Geddy Lee assume a “tecladeira” e começa a fazer as músicas mais radiofônicas possíveis. Enfim, para mim prog e AOR andam de mãos dadas. A linha é tênue entre um e outro. 



MV: Sendo o Anxtron uma banda que é basicamente instrumental, rolou algum estranhamento ou alguma dificuldade na adaptação para uma banda com vocais?


EM: Acho que não em razão da facilidade do Alexandre de criar letras e melodias. A gente jogava as ideias para ele e no mesmo dia ele já vinha com uma letra, uma melodia pronta. A própria “Backbone Feeling” é uma ideia que Gabriel e eu tínhamos gravado em 2008 e nunca tínhamos aproveitado exatamente porque faltava um vocal ali. 


GA: E a gente toca cover, já tocou cover, já teve banda cover. Já tínhamos esses background de música cantada. O que não tínhamos, talvez, fosse a capacidade de nos expressar por palavras. Escrever letra nunca foi o meu forte. Já o Alexandre... é absurda a facilidade que ele tem. 



MV: Pude notar que as letras têm um ingrediente diferenciado, mais erudito. Vocês não apelam para clichês, rimas óbvias e ideias batidas. Essa foi uma preocupação ou mera consequência do processo?


EM: Não foi a nossa intenção colocar letras mais rebuscadas, mas acho que isso acabou se tornando um diferencial. Eu, particularmente, nunca fui de prestar muita atenção em letras; gosto das músicas independentemente da complexidade do que é cantado. Costumo falar que se você traduzir as letras do Bon Jovi para o português terá algo nível sertanejo universitário. [Risos.] Já o Alexandre é professor de inglês, gosta muito de literatura e de brincar com as palavras. Ele chama a nossa atenção para essa coisa abstrata, de poder dar várias interpretações a uma letra, e levou nosso trabalho a outro patamar.



MV: A escolha da “Backbone Feeling” como primeiro single teve algum motivo além de vocês enxergarem nela, de repente, o maior potencial dentre as oito faixas?


GA: Há uma série de simbolismos para a gente, e todo esse trabalho foi resultado de um movimento despretensioso de celebração da nossa amizade. Três o quatro meses de pandemia, decidimos tentar compor alguma coisa. A ideia inicial era ir compondo de duas em duas e vendo no que dava. “Backbone Feeling” foi a primeira música em que trabalhamos. Como o Eduardo falou, tínhamos esse riff de teclado e essa intro há mais de dez anos. O apelido era “Farofão”. Cheguei a usar como despertador no meu celular na época. Então, sim, além de ela ter uma pegada mais radiofônica e, com isso, ser interessante como uma primeira impressão para quem nos ouvir, tem essa importância de ter sido o pontapé inicial. A própria letra incorpora isso. Estamos “back in the game” no sentido de estarmos novamente fazendo música.





MV: Se a gente parar para pensar, até que tudo aconteceu muito rápido. Além da “Backbone Feeling”, tinha mais ideias aí guardadas?


EM: Da minha parte teve a “Rosetta Stone”, que era uma ideia antiga; um riff de guitarra meu que eu tinha guardado desde 2008 ou 2009. Estava gravado no meu computador há muito tempo e eu não achava que cabia para um projeto instrumental e essa foi a oportunidade de eu desengavetar essa ideia também.


GA: Todas as outras surgiram em cima da empolgação. E naquela coisa de morar em uma cidade e trabalhar na outra, uma hora e meia para ir, uma hora e meia para voltar, as ideias foram vindo e a coisa evoluiu de uma maneira tão satisfatória... Começamos a conversar [sobre compor juntos] em julho de 2020!


EM: Acho que foi resultado também do tempo livre que a gente teve naquele momento porque era uma época de muito isolamento e muita restrição. Pensa bem: fim de semana, você não está saindo, não está indo a festas... todo mundo em casa tendo esse tempinho extra? Acabou sendo um empurrão para a gente trabalhar mais rápido nas músicas. Aí o negócio fluiu muito rápido mesmo.



MV: Fazer o disco foi uma maneira de manter a mente sã em tempos pandêmicos?


EM: Totalmente. Minha vida pessoal passou por muitas coisas e com certeza trabalhar com música e ter a oportunidade de voltar a trabalhar com música autoral foi terapêutico.





MV: Diante das restrições, quanto do processo se deu de maneira cem por cento remota? Ou vocês deram um jeito de se reunir para gravar?


EM: A gente compôs e arranjou o álbum inteiro e deixou todas as demos prontas e tudo mais sem nunca ter se encontrado. Até encontrei com o Gabriel e com o José algumas vezes nesse período de pandemia, mas nunca para trabalhar em música. Daí a gente começou o processo de gravação do álbum totalmente remoto, gravando quase tudo em casa mesmo. As únicas coisas que a gente não conseguia gravar em casa com uma qualidade boa o suficiente para ir para o álbum eram o vocal e o violão. Aí sim a gente teve que alugar um estúdio e foi quando a gente, como banda, se reuniu no mesmo ambiente pela primeira vez. Isso em abril de 2021, quase um ano depois de termos começado o projeto.



MV: O disco de vocês é a prova de que dá para ter um resultado bacana fazendo as coisas de casa. 


EM: Acho que [gravar de maneira remota] tem sido uma realidade para muita gente mesmo antes da pandemia, só que a pandemia meio que potencializou isso, né? A gente não ia ter condição de ficar se encontrando para gravar em estúdio, até pela distância física, porque eu moro em São Paulo e o resto da banda mora em Niterói. Sobre o resultado ter ficado bom eu acho que vem muito já do nosso entrosamento de projetos passados também. Acho que a gente ter trabalhado junto, Gabriel e eu principalmente, com tantas bandas facilitou.





MV: Passa pela cabeça de vocês levar essa coisa do disco pro palco?


EM: Pergunta difícil. Temos conversado sobre essa possibilidade. Quando a gente começou a compor e gravar, simplesmente não pensou se tocaríamos ao vivo ou não. Vontade de fazer show nós temos; acho que é unânime esse desejo de levar o disco para o palco. Mas tem todo um processo, são várias as etapas pelas quais temos de passar para conseguir. Tem músicas com duas, três guitarras, várias coisas que teríamos de ver como adaptar para o ao vivo. O mesmo vale para os vocais. Ao vivo a coisa teria de ficar mais enxuta. Isso sem contar a distância. Como falei, moro longe do resto da banda. E é aquilo: banda autoral no Brasil...



MV: Você antecipou a minha próxima pergunta, basicamente.


EM: O que eu vejo cada vez mais é que toca ao vivo quem faz cover. Com autoral é muito difícil ter oportunidade de fazer show e tendo a oportunidade é difícil conseguir levar um público relevante para o show. Sendo assim, por enquanto a gente deixa as portas abertas. É uma vontade que a gente tem, com certeza. Se a gente tiver uma oportunidade de fazer um show, vai dar um jeito de fazer acontecer, se valer a pena. 


GA: Nosso CD tem trinta e três minutos. Como é que a gente vai fazer um espetáculo de uma hora? O que a gente vai fazer com esses vinte e sete minutos que faltam? Quem vai tocar bateria nesse show? Há muitas coisas a serem vistas. É óbvio que o músico quer fazer o seu produto ser ouvido das mais diferentes formas e nos mais diferentes lugares, então tocar ao vivo é maluquice dizer que não queremos. Vontade a gente tem, mas a gente tem muitas perguntas a serem respondidas antes de poder cravar essa expectativa de que isso possa acontecer.



MV: O que os próximos meses reservam em termos de divulgação?


EM: Isso é uma coisa que a gente ainda não tem definido, mas acho que o principal é divulgar o álbum, tentar colocá-lo para rodar mesmo, obter a maior quantidade de resenhas possível e maior quantidade de gente escutando-o. Saber o feedback das pessoas é muito legal, e não só feedback positivo! Gosto de saber o feedback negativo também. Às vezes fico torcendo para ver alguma resenha esculachando o álbum para saber por que que não gostaram, sabe? Tenho essa curiosidade. A boa agora é aproveitar ao máximo o material que a gente já tem, que foi feito com muito cuidado. Fazer um álbum não é nada simples nem é barato. Nosso trabalho foi mixado e masterizado na Suécia. A gente tentou fazer tudo com a melhor qualidade de som possível.



MV: E conseguiu! [Risos.]


EM: Que bom que você achou isso! Portanto, agora vamos divulgar o álbum até não poder mais e ver o que isso vai trazer de coisas boas para a gente.



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