ENTREVISTA: Felipe Colenci e Hugo Rafael falam sobre álbum de estreia do The Giant Void



De colegas de trabalho a parceiros de banda. Depois de dez anos trabalhando em jingles e produções musicais diversas para terceiros, o guitarrista Felipe Colenci e o vocalista Hugo Rafael estreitaram ainda mais os laços iniciados na Fuzzr Advertisement e deram início ao The Giant Void. Seu primeiro álbum, autointitulado, lançado em 2021, impressiona tanto pela qualidade geral quanto pelas minúcias; algumas exclusivas a ouvintes mais atentos. Pude conversar com a dupla sobre o trabalho e, especificamente com Hugo sobre sua carreira à frente do grupo Sambô e como finalista do The Voice Brasil 2021. Boa leitura!



Transcrição: João Marcello Calil

Fotos: Divulgação & Paulo Castelli 



Marcelo Vieira: Lendo a história de vocês, fiquei com a impressão de que tudo aconteceu muito rápido no The Giant Void. Foi assim mesmo?

Felipe Colenci: Na verdade foi o oposto. Hugo e eu já trabalhamos juntos há mais de dez anos, fazendo material para publicidade, às vezes tocando em um evento aqui e outro ali. Sempre falamos em montar uma banda juntos. E demoramos todo esse tempo até conseguirmos. Mas a partir do momento em que decidimos focar no projeto, tudo aconteceu muito rapidamente. Começamos há um ano, um ano e pouco, e já temos um disco lançado.



MV: Estamos falando de quanto tempo, mais ou menos, desde o dia em que vocês bateram o martelo até estarem com o álbum pronto? Quantos meses de trabalho?

FC: Na verdade o álbum já está pronto desde a segunda quinzena de maio do ano passado. Começamos em janeiro, sem nenhuma música, aí fizemos todas e mandamos para o alemão Michael Ehré gravar a bateria. Depois mixamos e masterizamos tudo. Junto com nossos managers, o casal Eliton [Tomasi] e Susi [dos Santos], tivemos a ideia de chamar alguém para fazer uma participação especial e aí fomos atrás do Adrián Barilari [vocalista do Rata Blanca], e esses trâmites demoraram um pouco mais. Tentamos outras pessoas também, outros figurões. Mas tudo ficou pronto em três meses, bem rápido.



MV: O press release fala em “banda nova com experiência gigante”. Ao longo da carreira de vocês, algum dos dois a ter banda com uma sonoridade semelhante à que se ouve no disco?

FC: Meu primeiro projeto musical profissional foi uma banda de heavy metal que fundei em 1999 chamada Fire Diamond. Essa banda passou a fazer cover do Running Wild. Eu era supernovo, e começamos a fazer show toda hora. Então, fazendo cover de uma banda que nunca veio ao Brasil e nunca virá [N.E.: Rolf Kasparek, vocalista, guitarrista e líder do Running Wild, é conhecido por seu medo de viajar de avião, o que faz com que a banda tenha feito muito poucos shows fora da Europa em toda sua história], viramos algo rentável. Somos de Sorocaba, “interior” de São Paulo, muito perto da capital, mas começamos a tocar na capital. 

Eu já estava compondo; compus músicas para essa banda também. O que eu não tinha na época era um estúdio com a qualidade que tenho hoje, então as demos dessa banda têm uma qualidade deprimente, mas já tinham muito do som que é feito no The Giant Void. Tenho muita influência do power metal alemão, então acabei trazendo isso para o The Giant Void. É nítido; tem músicas em que você percebe essa influência. Por isso que casou tão bem com o Michael Ehré, que é um batera de metal alemão, que tocou no Gamma Ray e no Primal Fear.



MV: Pude perceber que o CD do The Giant Void tem uma pegada mais moderna, uns acenos ao prog metal, até uma coisa meio virtuosa... notei que tem umas afinações que parecem afinações rebaixadas, talvez até guitarra de sete cordas, não sei se é o caso. Nominalmente, quem são os artistas e as bandas que vocês listam como inspirações para o trabalho?

Hugo Rafael: A oportunidade de começar o The Giant Void com o Felipe me trouxe esse lance de revisitar coisas que já gostava de ouvir. Rob Halford, Ronnie James Dio, Glenn Hughes. Independente de tudo o que eu faça, em todos os estilos, acho ele um cara muito versátil; um cara que canta bem tanto “Stormbringer” [do Deep Purple] quanto “A Whiter Shade of Pale” [do Procol Harum], alguém que tenho como referência master. E dá para sacar outras coisas no disco. A gente vai criando uns avatares; dentro desse avatar Hugo, no metal, vai-se colocando em cada momento alguma coisa desses nomes que falei, e outros, como James Hetfield.

FC: Sobre o lance da afinação, não é guitarra de sete cordas, mas sim uma de seis cordas com afinação drop C, um tom abaixo do drop D. E foi na cagada, não foi intencional! [Risos.] Nunca pensei “Vou fazer algo tipo Killswitch Engage”, por exemplo. Nunca penso em fazer algo de um jeito moderno de forma premeditada; simplesmente misturamos várias influências. Escuto muita coisa [de heavy metal] tradicional e também muita coisa de hard rock, pois meu trabalho me faz ouvir música de todos os estilos, e aí misturei tudo isso. Minhas influências são o de sempre: Iron Maiden, Judas Priest, Helloween, Gamma Ray, Grave Digger, Running Wild, esse tipo de coisas. Dr. Sin é outra banda que as pessoas têm comparado bastante com a gente. Deve ser porque fiz aulas de guitarra com o Edu Ardanuy, então meio que ficou no meu DNA.





MV: Pelo nome da banda, pude inferir que rola um interesse em coisas de astronomia, vida em outros planetas, coisas do tipo. Tanto que uma das músicas tem um título que remete à série “The Expanse”.

FC: Se eu pudesse, juro para você, só assistir à ficção científica, só assistiria à ficção científica! [Risos.] Sou fissurado, adoro. O “giant void” é exatamente isso: um espaço no universo que tem um bilhão de anos-luz e não tem nada. É uma coisa bizarra, não tem nenhuma galáxia, nada observável. Na verdade, existem vários espaços desse pelo universo, e o nome da banda é por causa de um deles.



MV: Já que eu pesquei essa referência da série, queria saber se existem outras referências à cultura pop que estão ali para serem pescadas pelo ouvinte mais atento.

FC: A primeira faixa, “Voidwalker”, se não me engano, faz referência ao jogo Warcraft [N.E.: Mais especificamente, Warcraft III, o terceiro jogo da série], que tem um personagem de mesmo nome. Não fiz a letra com base nesse personagem, mas o nome sugestão de um amigo meu, com certeza baseado nesse jogo. “Dead End Job”, quando penso nela, penso em um filme do [Quentin] Tarantino, pois a música fala sobre um assassino que se sente meio culpado em fazer seu trabalho, mas, no fim, não está nem aí, vai lá e faz. “Bite the Bullet” já é uma coisa mais positiva; o que é bem estranho para nós, mas a época da pandemia trouxe isso. “Ordinary Men” é do livro homônimo, que fala sobre as atrocidades do nazismo.



MV: Você antecipou uma das minhas próximas perguntas. Notei que “Dead End Job” e “Ordinary Men” meio que dialogam nesse sentido de matar por dever e não por querer. O cenário, sobretudo em “Ordinary Men”, é muito vívido; essa coisa do conflito mental e tal. Em meio a essa guerra entre Rússia e Ucrânia, queria que você falasse um pouco sobre o que inspirou de fato essas duas músicas.

FC: A gente tem um amigo, o Francisco [Rangel], que escreveu algumas letras. A “Ordinary Men” foi uma delas, e ele leu esse livro [“Ordinary Men”, do autor Christopher R. Browning], que mostra que pessoas normais cometeram as atrocidades do nazismo, por terem sido basicamente forçadas a tal. A pessoa iria ficar sem salário, sem ter como alimentar sua família se não fizesse aquilo. Era isso que o nazismo fazia, esse tipo de absurdo. Mudei algumas coisas na letra e fiz questão de colocar esse embate do tipo “O que diabos estou fazendo?”. A “Dead End Job” já é algo mais tipo assassino de aluguel, tipo o “Cães de Aluguel” [filme de Quentin Tarantino]. 

Com relação à guerra, acho que todo esse lance da pandemia é uma guerra; uma guerra de informação, desde o começo. A tensão, quando todo mundo ficou trancado em casa daquele jeito, morrendo de medo, para mim é um cenário muito parecido com o de uma guerra e com certeza refletiu nas letras e nas composições.



MV: Seguindo mais ou menos esse fio condutor, entendi que “Pale Blue Dot” propõe uma autorreflexão no sentido de como lidamos com o planeta. Vocês acham que esse foi um ponto que a pandemia exacerbou, no sentido de pertencimento?

FC: Primeiramente, acho muito legal essa análise que você fez. Parabéns e muito obrigado por isso, porque é muito gostoso poder discutir a arte nesse nível.

HR: Até agora, acho que ninguém nos fez perguntas tão profundas, reflexivas mesmo.

FC: É isso o que a gente quer, que a mensagem seja de fato passada. Mas sim, em “Pale Blue Dot” a pergunta não é nem “De onde viemos?”, mas sim “Será que somos uma raça que realmente vai permanecer?”. É uma pergunta que vai para outro canto da filosofia. Por mais que a gente esteja num momento evolutivo de detonar tudo — porque é isso que a gente faz —, será que isso é um aprendizado para que a raça humana evolua e a gente permaneça mesmo como um ser do universo ou, sei lá, a gente está aqui conversando e vem uma explosão e já era tudo? Essa é a pergunta. A música já começa perguntando se somos um presente do destino ou um erro evolutivo.



MV: Vocês realizaram um show no dia 18 de dezembro de 2021. Como foi a experiência de levar esse material para o palco?

HR: Desde a hora que começamos a planejar essa data, todo o tempo que a gente tinha disponível para pensar, ensaiar e bolar esse show, investir para que ele fosse legal, foi um presente para nossa alma. Chegar nesse dia não foi fácil, mas quando vimos a quantidade de gente que conseguimos levar para o Teatro Municipal [Teotônio Vilela], aqui em Sorocaba.... Se não me engano, foi o primeiro show aqui em Sorocaba depois da reabertura gradual das coisas, o que, além de tudo, foi uma responsabilidade. Vimos o público lá curtindo e depois ficamos trocando ideia com a galera, vendendo e autografando CDs. Voltei no tempo, lembrando das coisas... Fizemos um puta show. O Felipe fez questão de ir atrás de tudo de produção, som, luz... Já tinha sido um presente poder fazer um show desse num teatro, e todo o empenho para rolar esse show foi muito legal e deixou um gosto de quero mais. Estamos buscando mais coisas para fazer e apresentar para mais gente, não só em Sorocaba, mas para fora também.





MV: Queria fazer uma pergunta específica para você, Hugo. O público do rock é naturalmente preconceituoso com outros gêneros e não gosta quando seus artistas favoritos inovam e promovem misturas e crossovers. Por você cantar no Sambô, que é um grupo que promove justamente esse tipo de mistura, você já teve de lidar com desdém por parte do público roqueiro?

HR: Pude perceber quando entrei no Sambô. A notícia da minha entrada no Sambô gerou um negócio do tipo “P*rra, velho, e aí?”. Não entrava na cabeça das pessoas. Existe o lance de a gente ser um operário da música, de aprender a se adequar e se adaptar em vários cenários, e o Sambô, de certa forma, é um trabalho que me dá bastante liberdade para eu ser quem sou dentro do possível, dentro de uma banda de samba. E a verdade é essa: sempre fui do rock, e o The Giant Void está trazendo a possibilidade de exercitar isso de novo. Tive esse lance, realmente, de as pessoas estranharem lá atrás, mas nesse momento, agora, não sei se por conta do efeito de eu ter participado do The Voice recentemente, vou precisar tomar um distanciamento disso para entender de fato quem vai ficar depois que passar esse tsunami. Mas acho que, de certa forma, com o The Giant Void, agora que já gravamos o primeiro disco e estamos indo para o segundo, as pessoas que são do rock e que me conhecem vão ver que realmente não é uma coisa de momento, que estamos buscando uma solidez; solidez essa que também estou buscando para minha carreira como cantor também. Era um sonho que eu tinha, mostrar esse lado do rock para as pessoas.



MV: Você acha que cantar no Sambô e ter participado do The Voice pode, de alguma forma, despertar a curiosidade de quem te conhece dessas duas empreitadas e não é necessariamente do público do rock? Isso pode, por extensão, ajudar o The Giant Void a ser conhecido fora desse nicho do rock?

HR: Acho que sim. Inclusive, boa pergunta, porque bastante gente que já acompanhava o meu trabalho antes do The Voice, que já me acompanhava no Sambô, foi procurar o The Giant Void e gostou. São mundos diferentes, a gente sabe, mas de alguma forma eu vejo como uma coisa positiva. Acho que está trazendo um resultado positivo no geral com relação às pessoas que conhecem meu trabalho ou então simplesmente passam a conhecer e veem essa infinidade de opções e gostam delas mesmo assim.



MV: Pelo que você pode observar nos bastidores do The Voice, você acha que as pessoas que lidam com a música brasileira, que lidam com o The Voice, que é o programa de maior expressão de talentos vocais do Brasil, tendem a enxergar o rock e o artista ligado ao rock com menos carinho e menos tolerância, ou isso é lenda?

HR: Ali, dentro do The Voice, passei momentos incríveis da minha vida como cantor, como pessoa e como artista também. A produção é super bem-preparada em mostrar uma visão super justa para cada um dos participantes; e isso eu posso falar não porque cheguei à final e tive grandes chances ou por ter tido algum destaque a mais do que as outras pessoas que fizeram menos, mas não senti essa separação das coisas na cabeça de cada um, sobretudo na dos artistas.



MV: É que eu tenho a impressão de que esse tipo de programa, no caso das edições brasileiras, sempre vai favorecer um cara que cantar uma música regional ou um samba de raiz, por exemplo, ou uma música que estiver em alta, bastante popular; que, para conseguir vencer um programa desses, a pessoa tem que se amparar não só no próprio talento, mas também em um repertório que tenha um enorme apelo junto ao público e aos jurados. E o rock nunca está entre esses de maior apelo...

HR: A parte da música bastante popular foi exatamente o que aconteceu! [Risos.] Sobre o rock, sem dúvida é assim. Percebo que, na cabeça dos artistas e do público em geral que vê um cantor apresentar um rock num programa como o The Voice, vira mais uma exibição de habilidade; algo que, na cabeça deles, é caricato. Não sei se consigo comparar isso com alguma outra coisa, mas é tipo “Pô, que legal o que o cara tá fazendo”, mas tem esse aqui também que faz isso, aquilo, “Chama o sertanejo aqui”, e aí é “Pô, você canta muito” e tal.

FC: Uma coisa que acho absurda são as pessoas que falam “Eu ouvia muito metal quando era adolescente, mas aí parei”, como se dissesse “Eu ouvia metal quando era imaturo, mas agora que sou maduro, escuto Anitta” [Risos.] Nada contra a Anitta, inclusive achei a música nova dela [“Boys Don’t Cry”] muito massa, mas por que a pessoa parou de ouvir metal? Qual foi o problema? É óbvio que há um preconceito. Mas também vejo que hoje tem menos preconceito, porque se respeita mais o heavy metal. É o que Hugo falou, talvez num programa como o The Voice você se torne uma alegoria; você é uma coisa estranha acontecendo ali. Se o Hugo fosse lá e cantasse, por exemplo, “Run to the Hills”, do Iron Maiden, ia ser uma alegoria, mas hoje em dia vejo que tem mais respeito do que tinha antigamente.



MV: Um meme que está rolando nestes tempos pandêmicos traz a pergunta “Qual o primeiro show que você pretende assistir depois do fim da pandemia? Se tudo der certo, Iron Maiden; se der errado, Jimi Hendrix”. [Risos.] Se tudo der certo, o que 2022 reserva para o The Giant Void?

FC: [Risos.] Shows, com certeza. Já temos datas sendo negociadas. Em termos de produção de conteúdo, com certeza vamos fazer bastante coisa esse ano, como vídeos, por exemplo... e música, muita música; isso eu garanto que vai ter esse ano! Bem provável um segundo álbum, que já está bem adiantado, para falar a verdade!

HR: Estamos lá juntos [na produtora] e de repente ele me chama: “Sobe aqui na minha sala, fiz um negócio”. Aí eu subo e lá vamos nós... [Risos.]





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