ENTREVISTA: Jeff Scott Soto fala sobre novo single, relação com o Brasil e relembra trabalho com Vinnie Vincent


A lembrança dos recentes shows de Jeff Scott Soto no Brasil ainda está vívida na memória dos fãs que puderam assistir ao vocalista que não sabe o que são férias interpretar clássicos e lados B do Queen acompanhado de alguns dos mais gabaritados músicos da cena daqui. Com disco novo a caminho – “Complicated” – antecipado pelo recém-lançado single e videoclipe “Love is the Revolution”, Soto, 56, conversou comigo sobre o atual momento e não poupou elogios ao país. Boa leitura!


Transcrição: João Marcello Calil

Fotos: facebook.com/JeffScottSoto


Marcelo Vieira: Gostaria de começar nosso bate-papo falando sobre “Love is the Revolution”, seu mais novo single e videoclipe. Como essa música traduz a sua visão de mundo, principalmente agora?

Jeff Scott Soto: A letra dessa música faz todo sentido, especialmente à luz da guerra na Ucrânia. Temos lidado com tanta coisa há tanto tempo – quero dizer, toda geração lida com tanta coisa. Essa música é meio que a minha versão de “All You Need is Love”, dos Beatles. É apenas um lembrete de que, com tudo de ruim que está acontecendo – as pessoas sofrendo, sendo acometidas por medos, preocupações, frustrações, tristezas – o amor é verdadeiramente a única resposta. E pode vir de muitas formas. Pode ser o amor entre um casal, o amor de pai para filho, o amor e o respeito de um pelo outro, então é praticamente uma mensagem geral exatamente disso. 



MV: Já que você citou a guerra, sente que falta nos artistas uma postura mais ativa em prol daqueles que mais sofrem?

JSS: Não acho que falte. Sempre tivemos na história da música, através dos gêneros e das gerações, muitos artistas que se posicionam, que são ativistas, que escrevem sobre coisas importantes para o mundo, para as pessoas e para a sociedade. E há outros que optam por não fazer isso porque preferem usar sua música como uma válvula de escape ou qualquer outra coisa que não tenha relação com as coisas do dia a dia que temos que viver, ver, encarar e que nos fazem sofrer. Eu mesmo tento me posicionar de maneira mais sutil; não gosto de ser tão óbvio em defender algo porque entendo, como artista, que isso provoca embates. Sempre haverá alguém que não concorda com o seu ponto de vista e você pode perder fãs por causa disso. Meu objetivo é conquistar fãs, não os perder, então apenas tento guardar minhas opiniões sobre a maioria das coisas para mim mesmo.


MV: Tem alguma música no “Complicated” que você gostaria que seus fãs prestassem atenção especial?

JSS: “Love is the Revolution”, sem dúvida. É estranho porque, quando mandei o disco para a gravadora, ela não enxergou potencial. Mas desde o começo algo me dizia que essa música deveria ser um single. A gravadora e eu trabalhamos juntos, nunca há uma situação em que eles me digam o que fazer ou exijam que eu faça qualquer coisa. Tudo, do início ao fim, fazemos juntos, então tenho carta branca para expressar minhas opiniões, e eu disse: “Gente, eu realmente sinto que ‘Love is the Revolution’ é um single em potencial. Sinto que é diferente o suficiente e não soa como coisas que já fiz ou lancei. Então vamos com algo que soe familiar para os fãs de Jeff Scott Soto, mas não soe como uma sobra do último álbum ou de dois, três, dez álbuns atrás. Quero que ‘Complicated’ caminhe com as próprias pernas e acho que essa música representa isso”.



MV: Recentemente, o álbum “The Duets Collection Vol. 1” chegou ao Brasil. Neste CD, você revisita vários clássicos da sua carreira, dividindo os vocais com muita gente boa, incluindo o brasileiro Renan Zonta (Electric Mob). De quem foi a ideia de gravar esses duetos?

JSS: Foi uma ideia minha e da Frontiers Records. Quando a tivemos, ainda estávamos em plena pandemia e não fazíamos ideia de quando voltaríamos ao trabalho ou a fazer shows. Então cogitamos o que poderíamos fazer para continuar produzindo, me mantendo ocupado, trabalhando, e mantendo as pessoas felizes com música durante esse tempo sombrio. A gravadora sugeriu um álbum de covers. “Que covers?”, e eles disseram: “Covers de músicas da sua carreira. Não necessariamente hits – até porque eu nunca tive um hit –, mas músicas que os fãs poderiam gostar se você refizesse”. 

Daí pensei: “E se pegássemos a ideia do que Tony Bennett e Lady Gaga fizeram? Eles gravaram uma série de standards em dueto”. “Ótima ideia, dependendo de quem você vá convidar”. “Deixem comigo!”. E foi aí que vesti a camisa de diretor de elenco. Quando convidei o Renan, por exemplo; se ele cantasse “Colour My XTC” [do Talisman] para alguém que nunca tivesse ouvido a original, soaria incrível. Quando escolhi o Eric Martin para “Mysterious” [do Talisman] foi a mesma coisa; posso ouvi-lo cantando essa música e lançando-a como single. Foi assim que escolhi cada cantor que convidei para estar neste álbum e todos eles disseram sim. Foi incrível poder fazer isso.



MV: Em uma rodada de perguntas e respostas que realizou no Facebook, você disse, em poucas palavras, que considera “Damage Control” (2012) o álbum que melhor representa você como artista. Como este ano marca o 10º aniversário do disco, você poderia explicar melhor a resposta?

JSS: Se você vai a uma grande loja de departamentos que vende de tudo, costuma-se dizer que tal loja vende “cama, mesa e banho”, né? “Damage Control” era “cama, mesa e banho” para mim. Tinha influências da soul music, do hard rock, do heavy metal; enfim, muitas coisas diferentes que personificavam tudo na minha carreira até aquele momento. Então, para mim, foi uma representação de tudo o que eu sou, ao invés de um álbum que seguisse apenas uma direção, um gênero.



MV: De todos os álbuns que gravou, seja solo ou cantando em um dos vários grupos de que já fez parte, há algum que você gostaria que tivesse recebido mais atenção do público, talvez vendido mais cópias etc.?

JSS: Basicamente, todos eles! [Risos.] Mas precisando escolher apenas um, seria o “Beautiful Mess”. É definitivamente um trabalho que foi mal interpretado. Para ser honesto com você, lançamos esse álbum como JSS, não como Jeff Scott Soto. Nesse ponto, as pessoas estavam usando minhas iniciais como meu apelido; “Contém JSS”, “JSS está presente”. Estavam me chamando assim, então optei por tirar Jeff Scott Soto dessa equação, porque é um álbum muito diferente do que se espera de um álbum do Jeff Scott Soto. “Com JSS, vamos conseguir uma outra identidade”. Mesmo sendo eu, você vendo a minha foto e sabendo que estou lá, se as pessoas reclamarem que isso não é um álbum do Jeff Scott Soto, posso responder: “Exato, é um álbum do JSS!” [Risos.]



MV: À luz de mais uma rodada de shows em homenagem ao Queen, você poderia me dizer como o Queen entrou em sua vida?

JSS: O Queen foi uma das minhas portas de entrada para o rock, porque quando eu era criança, só ouvia o som da Motown, soul music... Amo Sam Cooke, Jackie Wilson, The Temptations, Marvin Gaye, Stevie Wonder, Jackson 5, todos eles. Isso era tudo que eu escutava. Eu odiava rock porque, para mim, soava muito agressivo. Longe de mim querer decepcionar meus fãs, mas essa era a minha visão quando mais jovem. Soava muito elementar para mim, nada complicado. Os vocalistas não pareciam cantar com alma, com emoção; ao contrário dos cantores negros, da black music e da música pop. Isso mudou quando fui apresentado ao Queen e ao Toto; Bobby Kimball tinha uma voz realmente marcante, com um toque de blues. Steve Perry foi outro; você pode ouvir na sua voz a influência de Sam Cooke e de toda a Motown. Foi aí que o rock finalmente me fisgou. Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor não conhecia limites; eles queriam tocar metal, rock, jazz, blues, ópera, disco music, música clássica, tudo. Eles te davam a ideia de que todos os gêneros musicais são legais de se tocar. Deu certo para mim; eu me tornei um artista que queria fazer isso, porque amo a diversidade.


MV: Qual música do Queen é a mais especial para se cantar ao vivo?

JSS: Jesus, essa é difícil! Nem sempre repito o setlist; às vezes toco alguns lados B. Honestamente, não gosto de cantar os hits tanto quanto gosto de cantar os lados B, as músicas que só os fãs mais dedicados conhecem. Uma das coisas que realmente gostei quando fizemos a primeira turnê do Sons of Apollo foi cantar “The Prophet's Song”. Quando fiz isso ao vivo, fiquei arrepiado. A cada nota, tempo e ritmo que acertava, eu dizia para mim mesmo: “Meu Deus, isso está incrível!”. Tipo, se eu estivesse assistindo, acharia a coisa mais legal do mundo! [Risos.]



MV: Você acha que o filme “Bohemian Rhapsody” fez justiça ao legado de Freddie Mercury?

JSS: Acho que priorizaram mais o entretenimento do que retratar a vida do Freddie e da banda. O fato de que a própria banda – Brian e Roger – estava envolvida na produção, é claro que assegura que o resultado seja o mais factual possível, mas, é óbvio, eles não podem pegar a história de uma banda como aquela e representar todos os momentos-chave em apenas duas horas. Logo, houve alguns erros no que diz respeito à linha do tempo. Tipo, o Freddie não tinha aquele visual quando tal música saiu; essas pequenas coisas que qualquer fã do Queen sabe. Alguns dos diálogos soaram muito exagerados. Mas foi um baita entretenimento para a pessoa média que ama e conhece a sua música. Isso lhes dá uma espécie de visão do que a banda passou. No fim das contas, achei muito bom.


MV: Seus laços com o Brasil estão cada vez mais estreitos em razão de os músicos que tocam com você serem quase todos brasileiros. Já se sente “de casa” quando chega aqui?

JSS: Completamente! Estive conversando com meu amigo Carlos [Chiaroni], dono da [loja] Animal Records em São Paulo. Ele foi o primeiro cara que me levou para o Brasil, para São Paulo. Foi há vinte anos. Foi quando começamos toda essa loucura juntos. Eu nunca soube que tinha fãs no Brasil. Esperava que aparecessem talvez trinta, quarenta pessoas. Fiquei surpreso quando vi a casa lotada, e toda vez que eu voltava tocava em casas maiores, mais cheias, e os fãs cada vez mais animados com minhas idas ao Brasil. Chegou ao ponto em que me identifiquei totalmente com a cultura e com os músicos daí. Tenho trabalhado com o BJ desde então; estamos há vinte anos juntos. E, logicamente, ampliei o trabalho com pessoas como Leo Mancini, os caras do Angra etc. Conheço tantos músicos brasileiros agora, tornaram-se parte da minha família parte do meu círculo mais próximo. Dê uma olhada nas minhas redes sociais; a maioria dos meus fãs vem do Brasil, é uma loucura! Amo essa conexão tão forte com os fãs brasileiros, e a melhor parte disso tudo é a renovação. Toco ao redor do mundo e há muitos fãs vindo aos meus shows que são da minha idade, talvez um pouco mais novos. No Brasil, tenho fãs de quatorze, dezesseis anos. Ter uma faixa etária tão ampla e diversificada é simplesmente incrível!



MV: Em agosto, você voltará ao Brasil com o Sons of Apollo. Existe alguma chance de o W.E.T. fazer uma turnê?

JSS: Não vou nem que sim nem que não. É difícil negociar ou até mesmo tentar agendar um único show do W.E.T. São músicas muito difíceis de cantar. Vou fazer 57 anos este ano, e cantar essas músicas nessa idade agora, provavelmente não ficaria tão legal quanto eu gostaria. Sentado em um estúdio, com um microfone na minha frente e gastando duas horas para fazer uma música? Isso é fácil. Posso cantá-la até que fique boa e então o produtor diga: “OK, está pronto, ficou ótimo”. Quando você está ao vivo, se sua voz não está lá, se você está se sentindo cansado, não fez o aquecimento da maneira correta... tanto faz, sempre há uma razão pela qual sua voz pode não alcançar essas notas, e eu não quero que o público diga “Ai, isso está diferente do disco”. Quando toco ao vivo, quero representar as músicas corretamente. Acho que uma turnê do W.E.T. seria muito difícil para mim.



MV: Nos anos 80, você gravou os vocais em algumas demos do Vinnie Vincent. O que você pode dizer sobre isso? Pode dar mais detalhes sobre como foi?

JSS: A maioria das pessoas não sabe, mas o Vinnie era um grande compositor. Ele escrevia músicas para Deus e o mundo; escreveu músicas para o Michael Bolton e para muitos artistas diferentes que não tinham ligação com o rock. Ele era um grande compositor de diferentes estilos de música. Nos conhecemos quando fiz backing vocals no segundo álbum do Vinnie Vincent Invasion [“All Systems Go” (1988)]. Foi numa dessas sessões que Vinnie disse que eu tinha uma voz incrível e que ele tinha algumas músicas e que adoraria ver como eu me sairia cantando-as. Ele tinha um contrato de publicação que exigia que ele entregasse trinta ou quarenta músicas por ano; entre elas, as músicas que cantei. Ele tinha um home studio que não era dos melhores; é por isso que a qualidade dessas músicas não é tão boa. Mas pelo menos ele conseguiu fazer as gravações. Essas músicas não foram pensadas para o Invasion ou para mim, mas apenas para o seu catálogo de publicações musicais. Ainda assim, as pessoas ouvem e pensam que era um projeto no qual estávamos trabalhando. Não era nada disso. Ele me contratou para cantar nessas demos e ponto-final. Gravamos tudo na casa dele. Ele foi muito gentil e elogioso. Éramos muito amigos naquela época.


MV: Mas você gostaria que essas músicas fossem lançadas oficialmente um dia?

JSS: Eu gostaria que tudo fosse gravado adequadamente. Quero dizer, sem aqueles teclados bregas e a bateria eletrônica. Tudo feito por uma banda de verdade, com boa produção, acho que seria incrível. As músicas são lindas, mas a produção não. Mesmo que concebida em um ambiente muito ruim, uma boa música sempre será uma boa música.



MV: Com mais de sessenta álbuns lançados, sem contar as colaborações com outros artistas, há alguma coisa que você ainda queira fazer, musicalmente falando, que ainda não teve a oportunidade para?

JSS: Sempre haverá! Por mais que eu tenha feito, nunca serei capaz de realizar meu sonho de trabalhar com certas pessoas ou fazer certos estilos de música, e é por isso que eu simplesmente não tiro férias. Esta não é apenas a minha vida; é o meu sangue. Quando faço música é porque tenho que fazer; se não puder fazer, é melhor estar morto. Então estou sempre querendo fazer coisas novas, colaborar, fazer parte de outras entidades musicais, porque sempre procurarei por algo que ainda não fiz.


MV: O que você tem ouvido recentemente?

JSS: Difícil eu ouvir qualquer coisa, porque estou sempre trabalhando em algo novo. Quando estou terminando um projeto, não demoro até começar algo novo. Claro, quando meus amigos ou meus artistas favoritos lançam algo, eu dou uma conferida, mas nada comparado a quando eu era mais jovem. O Electric Mob é uma banda que tenho ouvido bastante. O que esses caras estão fazendo é, para mim, um tipo novo e empolgante de rock. Quando a ouvi pela primeira vez, não sabia nada sobre ela. Quando descobri que a banda é de Curitiba, achei mais incrível ainda. Ela soa como uma banda que poderia vir de qualquer parte do mundo, mas sendo do Brasil... “Uau, esses caras são incríveis!”. E foi assim que me tornei amigo deles.


MV: Vamos encerrar com um recado para os fãs no Brasil? 

JSS: Meu Deus, o que dizer para os meus fãs brasileiros? Tipo, tudo, desde meu amor pela caipiroska até o “vira, vira, vira” [Risos.] Tenho uma conexão e uma afinidade tão incrível com o povo brasileiro que não tenho como agradecer a todos o suficiente por me darem a oportunidade não apenas de descobrir vocês, mas de continuar voltando e crescendo como artista para vocês. É um dos lugares a que mais gosto de ir, e é realmente um caso de amor que tenho com a cultura e com as pessoas. Então, a única coisa que posso dizer é: MUITO OBRIGADO!



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