ENTREVISTA: Nigel Glockler fala sobre novo álbum do Saxon e trabalhos com GTR, Tony Martin e Alcatrazz


“Chupa, Iron Maiden!”, disseram os fãs mais apaixonados quando, em fevereiro, o Saxon lançou “Carpe Diem”, seu vigésimo-terceiro álbum de estúdio. Como não estou aqui para pregar o repúdio gratuito a um ou outro nem para comparar pizza com hambúrguer — todos concordam que ambos são muito bons, correto? —, “Senjutsu” não entrou na pauta da conversa com Nigel Glockler que você está prestes a ler. De sua casa em Dallas, curiosamente à uma da tarde no horário de Brasília, o baterista do Saxon falou sobre o que torna sua banda tão especial e querida, compartilhou aprendizados de tempos pandêmicos e recordou trabalhos ao lado de Alcatrazz, GTR e Tony Martin. Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Facebook.com/nigelglockler


Marcelo Vieira: O Saxon se tornou sinônimo de três coisas: longevidade, fidelidade e legado. Gostaria de começar falando sobre isso. Para você, existe uma relação entre um aspecto e outro? Tipo, um deriva ou depende do outro?

Nigel Glockler: Assim, nós, enquanto banda, apenas gostamos de estar juntos, e isso é o principal. Nos respeitamos musicalmente, tivemos muita sorte com a questão da longevidade e somos muito gratos aos fãs que ficaram conosco ao longo dos anos. E agora também aos fãs mais novos, que ficam na frente do palco cantando todas as músicas. Eles provavelmente sabem as letras melhor do que nós! [Risos.]


MV: Mas esse “gostar de estar juntos” é estritamente profissional ou vocês são, sei lá, melhores amigos, estão sempre saindo etc.?

NG: Sim, somos melhores amigos. Acho que isso é fundamental em uma banda. Não saímos muito porque vivemos longe um do outro. Nibbs [Carter, baixista] mora na Alemanha, Biff [Byford, vocalista] e Paul [Quinn, guitarrista] moram no norte da Inglaterra. Até recentemente, eu morava no sul da Inglaterra, mas agora estou em Dallas, Texas, e a única pessoa que costumo ver com frequência, porque volto muito para minha cidade natal, é o Doug [Scarratt, guitarrista]. Somos provavelmente os mais próximos.




MV: O Saxon obviamente segue uma linha de som que os fãs apreciam e pela qual esperam. Você gostaria de poder fazer algo diferente? Tipo, diversificar um pouco mais, musicalmente falando?

NG: Não. Acho que meio que nos perdemos um pouco nos anos 1980 justamente porque tentamos diversificar. Nossos empresários estavam forçando a barra para que tentássemos ser mais bem-sucedidos nos Estados Unidos. Só que aí éramos nós contra bandas como Mötley Crüe e Bon Jovi. Não éramos esse tipo de banda, então acho que diversificar logo agora seria um grande erro. É como você diz: os fãs esperam que sejamos como somos e acho que mudar poderia trazer graves consequências.


MV: Quanto ao legado, quando você se aposentar dos palcos e das gravações, como gostaria de ser lembrado? Que exemplo você espera deixar para as bandas que continuam surgindo?

NG: Nós sempre ouvimos bandas mais novas dizerem o quanto foram influenciadas por nós, o que me enche de orgulho, e fico muito prosa quando outros bateristas me dizem que influenciei o seu jeito de tocar. É ótimo porque lembro de quando comecei e dos bateristas que primeiro me influenciaram. Comecei a tocar aos oito anos, e havia um baterista que eu gostava muito nos anos 1960 e que só vim a conhecer pessoalmente há uns vinte anos: Brian Bennett, do The Shadows. Eu estava em um evento de bateria em Londres quando ele entrou. Pedi para tirar uma foto e foi incrível! [Risos.]


MV: Agora, vamos falar sobre o novo álbum do Saxon. “Carpe Diem” é uma expressão latina que significa “aproveite o dia”. Qual a importância de “aproveitar o dia”, principalmente em tempos de pandemia?

NG: Acho que é importante independentemente do momento. Você vive só uma vez, então é melhor que viva a vida ao máximo. Sem essa de chegar lá na frente e se arrepender de algo que não fez. Simplesmente faça! “Carpe Diem” e divirta-se!


MV: Esse foi um aprendizado obtido com a pandemia? [Risos.]

NG: [Risos.] A pandemia nos permitiu uma pausa, porque estávamos constantemente gravando, saindo em turnê etc. Então foi bom poder ficar em casa por um tempo – muito embora depois de um tempo a minha esposa tenha dito: “Pelo amor de Deus, vá fazer uma turnê, já estou de saco cheio de você em casa!” [Risos.]




MV: A pandemia inspirou uma das músicas do novo álbum. Você poderia falar um pouco sobre “Remember the Fallen”?

NG: É uma homenagem às vidas perdidas para a Covid-19 em todos os países ao redor do mundo. Milhões morreram, e isso é o tipo de coisa que nunca devemos esquecer. Foi o nosso equivalente à gripe espanhola [de 1918], que matou milhões também. E da mesma forma que acho que essas pessoas nunca devem ser esquecidas acho que nunca devemos esquecer o trabalho que todos os profissionais que atuaram na linha de frente nos hospitais tiveram para tentar salvar vidas.


MV: Além de inspirar uma música, a pandemia influenciou a forma como vocês compuseram e gravaram o álbum?

NG: Com certeza! Gravei as baterias no final de 2019 e a ideia era terminar o álbum nos meses seguintes. A gravadora queria lançá-lo no primeiro semestre de 2020, mas aí veio a pandemia e ela voltou atrás: “Não queremos lançar o álbum sem que vocês possam sair em turnê”. Foi por isso que fizemos o “Inspirations” (2021), o álbum de covers, porque a gravadora achou que seria importante lançarmos algo. Vínhamos amadurecendo a ideia de gravar um álbum de covers há muito tempo, então decidimos tirá-la do papel ao invés de não fazer nada. E então a pandemia se prolongou e nos deu mais tempo para trabalhar no “Carpe Diem”.


MV: Sem nenhum exagero, “The Pilgrimage” é, para mim, uma das melhores músicas do Saxon. Para você, é o carro-chefe do novo álbum?

NG: É uma das minhas três favoritas, ao lado de “Carpe Diem” e “Age of Steam”. “The Pilgrimage” é uma música com groove, e eu adoro tocar músicas assim.




MV: Por mais que cada novo álbum do Saxon inclua muitas músicas dignas de serem tocadas ao vivo, vocês não poderão incluir tantas no setlist, afinal, tem músicas que fariam vocês serem linchados se não tocassem ao vivo. Quais seriam elas? 

NG: Meu Deus! [Risos.] Isso varia de país para país. Na Europa os fãs querem ouvir certas músicas e na América do Sul sempre pedem “Ride Like the Wind”, por exemplo. Nos Estados Unidos não pode faltar “Dallas 1PM”. Nós mudamos o setlist conforme a demanda local, mas há certas músicas que temos que tocar sempre, como “Princess of the Night”, “Crusader”, “Wheels of Steel” e “747 (Strangers in the Night)”


MV: Existem músicas que não estão entre as mais conhecidas da banda que você gostaria de tocar ao vivo?

NG: Eu amo “Unleash the Beast”. Há muitas outras. Como eu disse, às vezes, no meio da turnê, podemos mudar o setlist, e numa dessas pensamos em músicas que não tocamos há um tempo e a incluímos.


MV: Tem algum álbum do Saxon que você gostaria que tivesse repercutido mais, vendido mais ou fosse lembrado com mais carinho pelos fãs?

NG: O “Power & the Glory” (1983), porque foi um álbum importante para mim; meu primeiro álbum de estúdio depois que o Pete Gill [baterista] saiu da banda, então senti que tinha algo a provar e dei o meu melhor. Outros dois são o “Unleash the Beast” (1997) e o “Sacrifice” (2013); acho que esses são provavelmente os meus três favoritos. 

Outro álbum que passa muito despercebido é o “Rock the Nations” (1986). É um álbum muito cru e pouco lembrado, embora algumas faixas, como “Battle Cry”, seja amada por muitos fãs. Acho que cada fã tem seus álbuns e músicas favoritas, mas infelizmente não podemos agradar a todos. Para isso, precisaríamos ficar no palco por oito horas! [Risos.]




MV: Gostaria de falar sobre outros projetos seus, começando por um que poucas pessoas conhecem. Quando você deixou o Saxon pela primeira vez em 1987, tocou brevemente no GTR com Steve Howe, guitarrista do Yes. O que você lembra dessa experiência?

NG: Eu só lembro de estar incrivelmente nervoso a caminho do primeiro ensaio porque eu era um grande fã do Yes, e de repente foi tipo, “Ai, meu Deus! Estou na mesma sala que o Steve Howe!” [Risos.] Então, foi pressão total. Fiquei chateado por nunca termos terminado de gravar o segundo álbum. Estava quase pronto; mais umas três ou quatro semanas teriam sido o suficiente para finalizá-lo, mas infelizmente nunca tivemos a chance de fazê-lo. 

Curiosamente, alguém surrupiou as fitas e jogou essas músicas na internet. Se você as procurar, vai acabar encontrando, mas são versões inacabadas, não mixadas, com instrumentos faltando. É bom que as pessoas saibam que são músicas em andamento; não quero que ninguém pense que o segundo álbum do GTR seria uma bosta porque não seria. 

Depois disso, toquei em alguns trabalhos solo do Steve. Então, Geoff Downes apareceu para produzi-lo. E de repente, não mais que de repente, lá estava eu gravando um disco do Asia!




MV: Em 1992, você tocou bateria em algumas faixas de “Back Where I Belong”, disco solo do Tony Martin. Recentemente, a era Martin no Black Sabbath vem despertando o interesse dos fãs. Qual é a sua opinião sobre Tony do ponto de vista de alguém que trabalhou com ele e o que você acha dos discos que ele gravou com o Sabbath?

NG: Amei trabalhar com o Tony e, curiosamente, os álbuns do Black Sabbath em que ele canta são os meus favoritos da banda. Estava ouvindo o “Tyr” (1990) recentemente. Sei que o fato desses discos serem tão subestimados o chateia. Acho uma pena porque há algumas ótimas músicas neles; Cozy Powell toca em muitas dessas faixas. Acho que são ótimos álbuns e são extremamente difíceis de encontrar hoje em dia. Pena que a fase dele tenha passado despercebida. Não acho que tenha o prestígio que deveria ter.




MV: Ano passado você gravou duas músicas com o Alcatrazz. Deixando de lado toda a polêmica em torno da saída do vocalista Graham Bonnet e da entrada do substituto Doogie White, como foi a experiência?

NG: Foi ótima. Seu empresário me ligou e perguntou se eu toparia tocar em algumas faixas e eu disse que sim, é claro. Conheço o Gary [Shea], o baixista, há anos; ele nunca perde os nossos shows quando tocamos perto de onde ele mora nos Estados Unidos, então somos bons amigos. 

O que realmente me incomodou foi que uma dessas faixas é provavelmente a coisa mais rápida que já toquei na minha vida! [Risos] Fiquei tipo, “Meu Deus! Ai, meu Deus!” Pedal duplo quase todo o tempo! [Risos.] 




MV: Recentemente, saiu no Brasil o livro “Denim and Leather: Os 10 Primeiros Anos do Saxon”, do autor Martin Popoff. Você já leu este livro?

NG: Já, inclusive o tenho. O autor meio que encheu a minha bola quando falou do [ao vivo] “The Eagle Has Landed” (1982) e do “Power & the Glory” e então desceu a lenha em mim no álbum seguinte [“Innocence Is No Excuse” (1985)] [Risos.] Mas é um livro interessante. 




MV: Para encerrar, gostaria de falar um pouco sobre o Brasil e os fãs brasileiros. Do que você viveu aqui, o que mais chamou sua atenção e vale a pena mencionar nesta conversa?

NG: Adoramos tocar no Brasil. Sempre que tocamos aí os fãs são muito gente boa. Às vezes usamos uma equipe técnica daí com alguns caras que trabalhavam com o Motörhead, e eles são pau para toda obra. A comida também é ótima, e espero que possamos voltar em breve! Tudo depende de como estiver a pandemia, de como os promoters daí estão trabalhando. Estamos todos vacinados e ansiosos para voltar aos palcos, então cruzemos os dedos!


MV: Os palcos daqui esperam por vocês!

NG: Exato! E como eu disse, minha esposa mal pode esperar para que eu vá! [Risos.]




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Comentários

  1. Excelente entrevista!!

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  2. Sempre sinto uma alegria no coração quando leio/ouço alguém falando que as músicas favoritas do Sabbath são as da fase Tony Martin, ainda mais esse alguém sendo o Nigel Glockler. Marcelo sempre mandando muito nas entrevistas!

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