ENTREVISTA com Hans Rutten (The Gathering): “Entrar no Facebook é como abrir uma caixa de Pandora”

 


Em abril deste ano, os holandeses do The Gathering puseram fim a quase uma década sem álbuns novos com Beautiful Distortion, que chama a atenção tanto pela majestade sonora quanto pela identificação que suas letras, verdadeiras crônicas de tempos pandêmicos, gera no ouvinte. Tristeza, revolta, inquietações e o necessário “tocar em frente”: está tudo nos versos e refrãos das oito faixas que compõem o trabalho. 

Mas as novidades não param por aí, já que a banda chega ao Brasil ainda este mês para seus primeiros shows no país desde 2011. Depois de voltar à capital paulista na última quarta-feira, 28, o The Gathering estreia nos palcos cariocas hoje. 

Para falar sobre o novo álbum e o pequeno giro que se aproxima, ninguém melhor do que o baterista e membro fundador, Hans Rutten. Boa leitura!


Pauta da entrevista por Marcelo Vieira

Entrevista conduzida por Clovis Roman

Transcrição por Leonardo Bondioli


Antes de mais nada, de que forma a pandemia influenciou tanto a composição quanto a gravação do novo álbum?

De todas as formas possíveis. Este é o nosso álbum “pandêmico” porque foi escrito no meio da pandemia. No final de 2018, tudo o que tínhamos eram algumas ideias e estávamos fazendo shows. Quando a pandemia foi decretada, tudo foi colocado em compasso de espera. Daí, ficamos seis ou sete meses parados, até começarmos a escrever músicas e enviarmos demos um para o outro, tentando tirar o melhor proveito da situação. Nos reunimos pouco em razão das restrições impostas pelo governo holandês, mas lá pelas tantas conseguimos gravar o álbum.


Como pude ver, a pandemia realmente afetou o processo de composição e gravação do álbum. Sendo assim, deu para vocês experimentarem algo diferente? Talvez uma técnica de gravação nunca antes utilizada ou um instrumento nunca antes incluído?

Embora não seja uma coisa totalmente inédita, nenhum de nossos álbuns anteriores teve tanta percussão. Para a produção, chamamos novamente o Attie Bauw, que também produziu o How to Measure a Planet? (1998) e o Home (2006). Nos conhecemos muito bem, somos bons amigos e ele sabe nos produzir. A ideia principal era fazer o álbum em Dolby Atmos [N.E.: uma tecnologia que expande os sistemas de som surround existentes adicionando canais de altura, permitindo que os sons sejam interpretados como objetos tridimensionais], então gravamos muitas camadas. O que foi lançado em abril é apenas uma mixagem estéreo, mas gravamos todo o álbum em Dolby Atmos e ainda estamos ocupados com a mixagem dessa versão, que será lançada no ano que vem. Essa é a grande novidade.


Com suas próprias palavras, como você compara este novo álbum com seus antecessores diretos, Disclosure (2012) e Afterwords (2013)?

Acho que ele é mais introvertido; esses dois são um pouco mais extrovertidos. Alguém disse que esse álbum faz uma ponte entre o How to Measure a Planet? e o Home. Eu diria que é um álbum típico do The Gathering, mas talvez um pouco mais introvertido. Na minha opinião, acho que tem muito a ver com o How to Measure por causa das músicas em si, que elas soam como se tivessem uma espécie de conexão com as do How to Measure.



Um trecho da letra de “We Rise” diz “I turned to liquid and I sank into the water / And hell I felt like I was slaughtered”. Parece-me um desabafo pós-pandemia. Estou certo?

Está. A letra de “We Rise” tem tudo a ver com a pandemia. As letras do novo álbum em geral permitem que esse paralelo com a Covid-19 seja estabelecido.


Realmente, letras como as de “Grounded” e “Pulse of Life” transmitem a inquietação de alguém que ficou trancado em casa tentando manter a sanidade durante o lockdown. Podemos dizer que fazer esse álbum foi o que manteve a sua mente sã durante a pandemia?

Sim. Para mim, e acho que para todos nós, foi muito bom estar ocupado com alguma coisa. Isso nos ajudou, de certa forma, a manter a sanidade, apesar de tudo de ruim que a pandemia trouxe à tona. Por meio dessas conexões líricas e musicais com a situação da Covid-19, tentamos fazer algo bonito e distorcido.



Embora o The Gattering tenha começado como uma banda de Death e Doom Metal, vocês evoluíram em direção a um rock mais atmosférico ao longo dos anos. Isso teria a ver com o fato de que, com o tempo, você percebeu que os estilos Death e Doom têm algumas restrições às quais você não queria se limitar? Tipo, você de alguma forma percebeu que só poderia expandir musical e tematicamente se saísse um pouco desse campo?

Sim, mas isso já fica evidente nas nossas primeiras demos. O fundamento era o metal, mas a experimentação já era muito importante; era tão importante como é agora. E tudo na nossa carreira aconteceu muito naturalmente. Embora discos como Mandylion (1995) e Nighttime Birds (1997) sejam mais ou menos na mesma veia, você pode notar diferenças até nas técnicas de gravação. No final dos anos 1990, decidimos que queríamos nos libertar, pois a música oferece infinitas possibilidades. Sem essa de ficar preso apenas ao metal; sempre tentamos inovar, pois adoramos viajar e expandir nossos horizontes musicais. 


Dito isso, quais artistas ou bandas você costuma ouvir no seu tempo livre?

Ouço de tudo; desde música clássica e Motown até rock dos anos 1970 e 1980. A verdade é que tem muita coisa boa acontecendo hoje, e mesmo as coisas antigas ainda soam ótimas hoje. Talvez por eu estar mais velho não goste muito de algo do que foi feito nos últimos vinte ou trinta anos, mas faz parte. Quanto ao metal, fico com Slayer, Metallica e outras bandas das antigas mais “porrada”. Também gosto de shoegaze, do qual “pego emprestado” muitas coisas. [Risos.]


Em 2007, a vocalista Anneke van Giersbergen deixou o The Gathering para poder passar mais tempo com a família e poder se dedicar a outros projetos. Embora 15 anos já tenham se passado, você ainda tem que lidar com fãs saudosistas ou que afirmam que depois dali a banda acabou?

É abrir as nossas redes sociais para dar de cara com esse saudosismo. Entrar no Facebook, no Instagram, é como abrir uma espécie de caixa de Pandora. Mas tudo bem esse saudosismo, sabe? Fizemos álbuns muito legais [com a Anneke], e eu sei que esses álbuns são muito importantes para muitas pessoas. E, conforme o tempo passa, eles ficam mais importantes ainda, porque remetem à melhor época da sua vida. Ela saiu da banda há 15 anos. Para nós, isso é assunto encerrado, mas entendo o saudosismo e, por mim, tudo bem mesmo. 



O The Gathering retornará ao Brasil em algumas semanas no que será a terceira vez que a banda desembarca no país. Embora a última vinda tenha sido em 2011, você ainda se lembra de algo específico daqui?

É sempre bom tocar no Brasil. Da última vez tocamos num clube chamado Hangar, né? [N.E.: Hangar 110, pequena casa de shows em São Paulo, capital.] Não sei se ainda existe, mas era uma casa bem old school, meio punk rock, mas com bons equipamentos. Foi um prazer tocar lá porque combina com a gente. E estava muito cheio. Desta vez, tocaremos também no Rio de Janeiro. Será nossa primeira vez na cidade e estamos ansiosos por isso. Lembro que ganhamos camisas da Seleção Brasileira de presente. Camisas lindas! E olha que para eu, que sou da Holanda, que perdeu várias vezes para o Brasil em jogos importantes, reconhecer isso... mas enfim, temos uma ótima conexão com o Brasil. 


Para encerrar: trinta anos de banda... Conta qual é o segredo para manter as coisas sempre novas e revigorantes.

Acho que o segredo é o amor pela música e a paixão por tocar ao vivo. Amamos criar juntos, compor e, claro, tocar essas músicas ao vivo. Isso é algo muito gratificante, satisfatório, de fazer. Acho que a palavra é esta: gratificante. É simplesmente gratificante criar, ser criativo, fazer coisas novas e também poder cair na estrada em seguida. Ficamos em estase por alguns anos, mas os shows finalmente estão de volta agora. Não pensamos muito sobre isso [manter as coisas sempre novas e revigorantes]. Tipo, nós apenas fazemos e, quando nos damos conta, estamos fazendo há mais de três décadas! [Risos.] Simplesmente acontece, mesmo que não falemos muito sobre isso, pois ainda nos sentimos jovens.



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