ENTREVISTA: No Rock in Rio, John Bush relembra Anthrax no Brasil e comenta principal disco do Armored Saint



Nem o headbanger com mais talento para a vidência poderia prever a presença do supergrupo Metal Allegiance no line-up do Palco Sunset no último Rock in Rio. Tudo bem que um de seus vocalistas — a saber, Chuck Billy, do Testament — havia dado o ar de sua graça na edição de 2019 do festival, dando uma canja no show das bandas Torture Squad e Claustrofobia, mas daí a termos a formação completa, que inclui gigantes do heavy metal que dispensam apresentações, em cena são outros quinhentos. 

Sem aviso prévio — e, por isso, sem pauta na mão —, pude bater um papo com John Bush, vocalista que fez história como substituto de Joey Belladonna no Anthrax e segue fazendo à frente do Armored Saint, que desde os anos 1980 vem lançando um álbum melhor que o outro.

Boa leitura!


Transcrição: João Marcello Calil

Fotos: Daniel Croce e Victória Heloíse


Como foi tocar no Rock in Rio pela primeira vez?

O Rock in Rio tem uma história e uma mística relacionada; o festival existe há muitos anos, e as pessoas ficam tipo “Rock in Rio, Rock in Rio, é muita gente”, blábláblá... Então, fazer parte disso é uma honra. Os fãs brasileiros e sul-americanos em geral são tão apaixonados por música... são apaixonados por música como são apaixonados por comida, por sexo! [Risos.] Eles são simplesmente apaixonados! Então, sempre que eu venho aqui tenho a certeza de que o show vai ser fora de série, e tocar no Rock in Rio foi exatamente isso.


É uma dificuldade para um supergrupo como o Metal Allegiance montar um setlist que agrade os fãs do Testament, do Anthrax e de todas as demais bandas envolvidas?

[Disfarçando o fato de não ter entendido muito bem a pergunta] Acho que fomos muito bem esta noite. Tocamos um pouco de cada banda, mais as músicas próprias, o que é uma boa combinação de músicas e da experiência dos envolvidos, e acho que os fãs ficaram bem felizes com isso.


No palco você mencionou a primeira vinda do Anthrax ao Brasil em 1993. O que você lembra daquela turnê?

Antigamente costumavam dizer que você só deveria ir para a América do Sul passados cinco, seis meses do lançamento do seu álbum, mas o Anthrax veio para cá menos de um mês depois! [Risos.] O Sound of White Noise tinha acabado de sair e ninguém entendeu nada: “Como assim vocês já vão para a América do Sul?!” [Risos.] Os shows no Brasil foram alguns dos meus primeiros com o Anthrax. Fora isso, a banda nunca havia tocado na América do Sul; ou seja, foi uma estreia também para eles. E foi fantástico, os shows foram ótimos, os fãs foram incríveis. Tocamos em São Paulo [duas noites] e no Rio [de Janeiro], e depois fomos para Buenos Aires [Argentina]. 



Vinte e cinco anos depois, você voltaria ao Brasil com Armored Saint.

Sim, e essa volta foi incrível também. O Armored Saint nunca havia togado na América do Sul. E os fãs... veja bem, não estou querendo puxar o saco de ninguém! [Risos.] Mas os fãs são realmente muito apaixonados pela música e por viver, e eu sinto que esse amor pelo metal está no sangue de vocês.


Qual é o segredo para manter a empolgação passadas mais de três décadas na ativa e caindo na estrada?

Eu estava conversando com alguém no camarim sobre isso. Para mim — e só posso falar por mim —, o segredo é permanecer humilde e apenas apreciar o fato de que você ainda pode tocar, que as pessoas ainda saem de casa para te ver, os promoters ainda querem pagar o seu cachê... Para mim, isso basta. Sinto-me tão honrado por haver pessoas dispostas a sair de casa e pagar o ingresso que quero dar a elas o melhor show do mundo e ser grato por ainda poder fazer isso, porque não é fácil quando você tem quase 60 anos! [Risos.] Não é fácil competir com os mais jovens, mas você tem a bagagem a seu favor e isso é muito legal.



Falando nessa “bagagem”, qual foi a lição mais valiosa que você aprendeu em todos esses anos de carreira?

Tentar preservar a minha voz, porque esse é o meu ofício, certo? [Risos.] E eu nem sempre fiz isso, na verdade. Demorei um pouco até concluir que talvez não devesse beber tanto.


Você está cantando como nos discos, cara!. É incrível!

Hoje em dia eu realmente me esforço para cuidar da voz melhor do que costumava. Na minha primeira vinda à América do Sul, eu provavelmente não estava me comportando muito bem, se é que você me entende. [Risos.] Mas hoje quero cantar bem. Ninguém quer saber se eu passei a véspera do show numa noitada; os fãs querem me ver cantando bem. E eu também. Se não dou conta do recado, fico muito deprimido. Quando fico doente ou minha voz falha, também. Para mim, cantar bem é fundamental, e se eu consigo cantar bem, então todo o resto fica bom.


Recentemente, o álbum Symbol of Salvation do Armored Saint foi relançado em CD no Brasil. Você poderia falar um pouco sobre ele?

É a pedra angular da nossa discografia. Você sabe, o Dave Prichard [guitarrista] morreu, e depois disso eu entrei no Anthrax, então a banda meio que se desfez por um tempo. Dito isso, é um disco muito especial, por todas as músicas que entraram nele. Havia um clima de incerteza na banda naquela época, porque o Dave estava com leucemia, então não sabíamos o que o futuro reservava para nós. A única coisa em que podíamos nos concentrar era em escrever músicas, porque todo o resto fugia ao nosso controle. Acho que colocamos muito desse sentimento no álbum. Ele tem mais do que apenas músicas; tem algo que vem de dentro, muito mais único e especial.



Quando ouço esse álbum, noto alguns aspectos autobiográficos, como se vocês estivessem escrevendo sobre vocês mesmos, sobre aquilo com que estavam lidando...

Fazíamos muitos questionamentos na época. Músicas como “Last Train Home”, “Another Day” e “Tainted Past” refletem isso. E tínhamos outras mais pesadas, como “Reign of Fire” e “Tribal Dance”, que eram igualmente boas. Tocamos o disco na íntegra nos shows. Mas foi uma época em que não sabíamos o que o futuro nos reservava e, por causa disso, aplicamos um sentimento diferente nas músicas, e acho que é isso que torna o álbum tão especial.


Ouvi muito “Last Train Home” na época em que meu avô faleceu. Tornou-se uma música muito especial para mim.

Sinto muito pela sua perda. Meu pai morreu cerca de um ano depois que gravamos o disco. Estávamos em Milwaukee, Wisconsin [Estados Unidos] para tocar em um festival quando recebi a notícia. Os caras da banda perguntaram se eu gostaria de ir para casa,  e eu respondi: “Nada disso. Estamos aqui, temos um show a fazer e vamos arrebentar.”


Não sei se eu conseguiria ser profissional a esse ponto.

Bem, foi estranho. Depois do show, que foi ótimo, eu fiquei andando sem rumo pelos bastidores.


Mas com a certeza de que honrou a memória de seu pai.

Exatamente.



Você vai ficar mais uns dias no Brasil?

Me voo sai em menos de 24 horas! [Risos.] Mas consegui aproveitar um pouquinho a estada.


Deu para curtir um pouco da cultura local?

Fomos à praia, comemos em um restaurante tradicional e tivemos ensaio ontem, e então fui para o hotel porque queria descansar. Não estou aqui a passeio, né? Bem que tentei convencer minha esposa a vir comigo para curtirmos um pouco, mas ela não pôde vir por causa do trabalho e ficou muito chateada por isso.


Eis um motivo a mais para o Armored Saint voltar logo ao Brasil! Podemos esperar uma volta em breve?

Vamos sair em turnê com o W.A.S.P. pelos Estados Unidos em algumas semanas. Os ingressos antecipados estão vendendo muito bem, então eu venho tentando convencer meus amigos aqui no Brasil a trazerem a turnê para cá. Acho que já faz muito tempo desde que W.A.S.P. tocou na América do Sul [N.E.: os shows mais recentes foram em 2019], então assim que chegar aos Estados Unidos, vou jogar a ideia para o Blackie [Lawless, líder do W.A.S.P.]: “Qual é, Blackie, vamos para a América do Sul, vai ser incrível!” [Risos.]


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