ENTREVISTA: Jeff “JJ” Janiak (Discharge) versa sobre o fim do mundo e exalta o punk rock dos anos 1980

 


O que bandas como Napalm Death, S.O.D., Metallica, Slayer, Anthrax, Hellhammer/Celtic Frost, Bathory e Sepultura têm em comum? Todas elas, não obstante o fato de pertencerem aos nichos do grind, do thrash ou do death metal, já listaram o Discharge entre suas principais influências. 

Formado na cidade de Staffordshire em 1977 durante o auge do movimento punk britânico, o Discharge é uma das bandas mais influentes de todos os tempos tendo, sem dúvida, plantado as sementes do thrash metal e de vários outros subgêneros do metal. Sua trajetória é pontuada por diversas mudanças de formação e duas interrupções nas atividades — respectivamente, em 1987 e 1999. Com sete álbuns lançados e um punhado de singles e EPs de importância inconteste para a cena, o grupo segue como um dos mais vitais e relevantes do gênero hoje em dia.

Comemorando 40 anos do seminal e raivoso “Hear Nothing, See Nothing, Say Nothing”, o Discharge está de malas prontas para voltar ao Brasil. O grupo se apresenta em São Paulo e Curitiba, com abertura de Ratos de Porão na capital paulista e Crypta e Malvina na capital paranaense. 

Tive a sorte de bater um papo muito do franco com Jeff “JJ” Janiak, vocalista que desde 2014 entoa os protestos em forma de música do Discharge. Acompanhe abaixo! 


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Divulgação


Marcelo Vieira: Primeiramente, como foi a sua vida durante a pandemia?

Jeff “JJ” Janiak: Tentei aproveitar o máximo. No começo gostei bastante, sabe? Foi bom ter tempo livre para finalmente relaxar um pouco, mas lá pelas tantas acabei montando um projeto paralelo. Foi uma experiência nova compor pela internet porque não podíamos sair de casa, e gravar tudo em casa, enviando e recebendo arquivos. Demoramos quase três anos para terminar o álbum, que finalmente está pronto, só esperando ser lançado agora.


MV: A pandemia serviu de inspiração para as letras desse projeto?

JJ: Sem dúvida, porque foram tempos sombrios, e musical e liricamente é um álbum com uma vibe muito sombria. Como não sabíamos o que ia acontecer, era como se o mundo fosse acabar.


MV: Curiosamente, o título do álbum mais recente do Discharge é “End of Days” [“Fim dos Dias”]. Ou seja, vem de muito antes da pandemia essa sensação de que estamos com os dias contados?

JJ: Bem, é assim que nos sentimos, e é por isso que assim batizamos o álbum. Você nunca sabe quando um prédio vai pelos ares ou se vamos todos morrer de alguma doença. Pra você ver, o álbum é de 2016, e eu já falo numa possível pandemia. Portanto, o “fim dos dias” são apenas todas essas possibilidades diferentes pairando sobre a sua cabeça. O que pode ser de nós, entende?



MV: Você tirou alguma lição da pandemia?

JJ: Muitas, mas a principal delas foi sempre se preparar para o que pode acontecer a seguir; ou seja, esteja preparado para as coisas que podem dar errado.


MV: Você acha que a humanidade aprendeu alguma coisa com a pandemia?

JJ: Não.


[Ambos riem]


JJ: Só o fato de que a primeira coisa que as pessoas saíram para comprar durante o lockdown foi papel higiênico diz muito. [Risos.]


MV: Este ano o “Hear Nothing, See Nothing Say, Nothing” completou quatro décadas de lançamento. É assustador que tantas daquelas letras ainda soem tão atuais?

JJ: Demais. Esse álbum poderia ter sido escrito hoje, pois ainda estamos vivendo tudo aquilo; apenas rostos diferentes, nomes diferentes, mas os mesmos problemas.


MV: As letras são o mais fiel retrato da era Thatcher e do clima de austeridade econômica e decadência social da Inglaterra na época, né?

JJ: Muitas pessoas se sentiam como se não houvesse futuro para elas. Daí que veio o mote do punk rock: “No Future” [“Sem Futuro”]. Esse era o sentimento geral, ninguém tinha perspectiva alguma.



MV: Muitos acreditam que 1982 foi o ano definitivo do punk rock. Parando para pensar no cenário, nos discos que foram lançados etc., você concorda?

JJ: Acho que isso vai do gosto pessoal, sabe? É o meu ano favorito, no que diz respeito ao punk rock, com aquela segunda onda de bandas que despontou em 1982. Mas muitos dos punks mais velhos ainda preferem os anos 1970, a turma de 1977, que era completamente diferente daquela dos anos 1980. Sinto que o punk que surgiu nos anos 1980 era um pouco mais “genuíno”; era muito underground e, portanto, era mais verdadeiro do que muitas das bandas dos anos 1970 que chegaram ao mainstream e tiveram músicas nas paradas.


MV: Falando nas bandas que chegaram ao mainstream, que ficaram famosas, ganharam dinheiro e status, você acha que tudo isso as corrompeu a ponto de elas meio que esquecerem ou até renegarem suas raízes?

JJ: Artisticamente, sim. Se uma banda começa a mudar o som para tentar agradar as massas, sim. Honestamente, não conheço muitas bandas que continuaram tocando o que tocavam originalmente [depois de ficarem famosas]. Normalmente elas mudam seu estilo apenas para agradar as massas, e a motivação é puramente financeira.


MV: Te incomoda o fato de que tantos artistas e bandas, sobretudo aqueles que chegaram ao mainstream, tenham se acovardado ou se rendido à máquina? Na sua opinião, o rock and roll como um todo está perdendo gradualmente seu caráter contestatório?

JJ: Acho que sim, mas o rock por sua vez também já viu dias melhores. Foi-se o tempo em que o rock dominava o mainstream, que hoje é dominado por todo tipo de pop horrível, estranho e sem sentido. [O caráter contestatório] ainda está lá [no rock], mas é um pouco mais underground.


MV: Pelo que você vê na cena underground, ainda existem bandas que estão usando sua música para apontar o dedo para o que está errado ou espalhar algum tipo de mensagem de resistência e tudo mais?

JJ: Sim, há muitas bandas fazendo isso, mas infelizmente essas bandas não têm chance, não têm voz. Elas estão lá, se você procurar, mas não espere ouvi-las no rádio ou vê-las na TV, pois eles não vão tocar coisas assim; não vão querer promover uma mensagem de mudança, resistência, rebelião ou qualquer coisa que encoraje uma sociedade livre.



MV: Qual é o segredo da longevidade do Discharge?

JJ: Esforço contínuo e vontade de querer continuar fazendo música. E ter paixão por aquilo que você faz. Se você não é apaixonado, então para quê continuar? Apenas seguimos em frente fazendo algo que todos nós amamos fazer.


MV: Você não estava no Discharge quando da última vinda da banda ao Brasil dezoito anos atrás. Sendo assim, sua estreia nos palcos daqui será agora em dezembro.

JJ: Será, e mal posso esperar, sério!


MV: Esses shows não poderiam ter vindo em momento mais oportuno, já que vários álbuns da banda foram finalmente lançados em CD no Brasil. Como você se sente com esse interesse pelo trabalho de vocês em formato físico em plena era dos streamings?

JJ: Me sinto honrado, de verdade. Toda essa paixão dos fãs significa muito.


MV: O que podemos esperar dos shows no Brasil em termos de setlist? Você pode antecipar algo?

JJ: Não, mas garanto que você não ficará desapontado!


MV: E quanto a novidades para o próximo ano?

JJ: Passaremos boa parte dele muito ocupados fazendo shows, tocando em festivais. Mas estamos sempre trabalhando em coisas novas e esperamos conseguir entrar em estúdio, porque essa é a parte mais difícil. Comprometer-se a lançar um álbum dá muito trabalho e todos nós precisamos ter o mesmo grau de compromisso e envolvimento para que isso aconteça. Portanto, esperamos tê-los, ambos, em 2023.


MV: Para finalizar, qual é a sua mensagem para os fãs brasileiros?

JJ: Tudo o que posso dizer é que estamos super empolgados! Já passou da hora de irmos tocar aí, então estamos ansiosos para encontrá-los e vamos nos divertir, mano!





Comentários