RESENHA: Def Leppard / Mötley Crüe – Allianz Parque, São Paulo, 7 de março de 2023


Fotos: Sam Shapiro (Mötley Crüe) e Ryan Sebastyan (Def Leppard)


“Este era um show para o Espaço das Américas”, disse um amigo tão logo passamos pelo portão de acesso à Pista Premium do Allianz Parque na última terça-feira. Isso porque o público presente no estádio para testemunhar o que muito provavelmente foi a última vez de Def Leppard e Mötley Crüe no Brasil girou em torno de 10 mil pessoas, somados todos os setores com ingressos à venda. “Palmeiras x Asa de Arapiraca dá muito mais gente”, completou. 


Medidas em caráter de emergência foram tomadas para que a noite ficasse bem na foto. O palco, normalmente montado numa das extremidades do campo, veio para o círculo central. Na bilheteria tanto online quanto presencial, ingressos disponíveis no esquema dois pelo preço de um. De nada adiantou: a facilidade de circulação indicava que havia pouca gente no recinto.



O presente giro sul-americano de Def e Mötley é um desdobramento da bem-sucedida The Stadium Tour na qual ambas as bandas, acompanhadas ainda por Poison e Joan Jett, lotaram estádios na América do Norte. Infelizmente, no Brasil, a realidade foi outra, tanto que duas datas, Curitiba e Porto Alegre, caíram em razão da baixa procura. Mas independentemente disso, os veteranos lavraram shows tão empolgantes quanto próximos do impecável.


Começando pelo Mötley, que subiu ao palco pouco antes das 19h30, munido de uma empolgação contagiante. Comparado ao que este repórter viu no Rock in Rio de 2015, ano em que, a princípio, o caixão seria fechado, Vince Neil (vocais), Nikki Sixx (baixo), Tommy Lee (bateria) e John 5 substituindo o recém-aposentado das turnês Mick Mars na guitarra pareciam motivados a entregar uma performance acima da média.



Todos os aspectos off-music corroboram com aquilo que é cantado por Neil. Clichês de uma era longínqua e que desperta saudade dos que estavam lá e fascínio daqueles que não a viveram ilustram os telões e ganham representação visual nas backing vocals Bailey Swift e Hannah Sutton trajadas como femme fatales de outrora. Numa análise em termos correntes por quem não entende se tratar de parte da mística, um festival de misoginia. Mas esperar o quê da banda cujo batera sessentão mostra o pinto sempre que pode na internet?


No repertório, verdadeiro desfile de hits com andamento desacelerado para que Vince não perca o fôlego. Se graças a Dukan ou cinta modeladora não se sabe, mas o vocalista aparenta estar com uma circunferência abdominal menos arriscada para a própria saúde. Já Nikki, aquele cujo coração parou por alguns minutos de tanto cheirar nos anos 1980, nunca aparentou estar melhor. Com cabelo parcialmente tingido de vermelho, o rosto tatuado e cerca de 3% de gordura corporal, Tommy rejeita a majestade perversa da idade apresentando-se e agindo feito o molecão que sempre foi. “Gostaria de ver uns peitos”, disse ao microfone. A resposta? “Show your dick! Show your dick!” em coro. 



Com John 5 a bordo, o Mötley ganha tanto em precisão quanto em mobilidade. O timbre de motosserra foi replicado à perfeição, mas os solos adquiriram uma limpeza que nem nos discos possuem. Em seu momento de holofote, 5 compilou trechos de “Eruption” (Van Halen) e um sobe e desce de escalas em velocidade impressionante, e suas guitarras davam um show a parte também, com destaque para a Telecaster revestida de leds usada em “Live Wire”.


Postagens nas redes sociais tanto da banda quanto de cada um dos integrantes no dia seguinte classificaram o show em São Paulo como um dos melhores da carreira do Mötley. Não duvido que tenha sido, só faltou mais gente lá para assentir e responder com aplausos mais ruidosos a cada música tocada. 



Na sequência, foi a vez de o Def Leppard tentar pela segunda vez apagar a lembrança ainda vívida do fiasco que foi sua passagem pelo Brasil em 1997. Ok que o disco que estava sendo promovido é de longe o pior de sua carreira — o esquisito, pra dizer o mínimo, “Slang” (1996) —, mas nem o mais niilista entre os pessimistas poderia esperar menos de 200 pessoas numa casa com capacidade para 8 mil. Em 2015, no Rock in Rio, a empolgação dos fãs viu-se diluída no desinteresse dos que estavam lá à espera do Aerosmith. Um showzaço que falhou em cativar mais do que os iniciados.


No Allianz, Joe Elliott (vocais), Phil Collen (guitarra), Vivian Campbell (guitarra), Rick Savage (baixo) e Rick Allen (bateria) entregaram algo parecido com seis anos atrás, só que levemente mais burocrático, com picos e vales muito estabelecidos. Se “Animal”, “Armageddon It” e “Love Bites” ganharam contornos de karaokê coletivo em inglês precário, “Kick” e “This Guitar” — representantes do ainda fresco “Diamond Star Halos” (2021) — e a frágil “When Love & Hate Collide” ainda mais debilitada em versão acústica deram a deixa para o xixi ou a cerveja. 



A comunicação não é o forte dos britânicos. Ao contrário do Mötley, que vira e mexe se dirigia ao público, o Def é econômico nas palavras e dá o seu recado por meio da música, milimetricamente performada. Aliás, todo o deslocamento pelo palco, as caras e bocas, tudo parece ter sido ensaiado à exaustão. Perfeito demais para o vídeo, inorgânico demais para um show de rock. Ainda assim, no macro, infinitamente melhor do que o Rock in Rio.


Coube a Edu Falaschi a tarefa de abrir os trabalhos da noite. Embora seja um notável fã de hard rock, o brasileiro não faz o som que agrade aos fãs de Def e Mötley e, consequentemente, não empolgou como empolgaria uma banda mais alinhada com o estilo — Electric Gypsy, Landfall, Nite Stinger... O que não falta é hard brasileiro bom. Com tempo de palco reduzido em 15 minutos, Edu apostou no certo e na memória afetiva: das cinco músicas executadas, quatro eram de sua velha banda, o Angra; que talvez fosse uma melhor escolha para a ocasião do que seu ex-vocalista.



Comentários