Entrevista: Michael Kiske reflete sobre anos longe do metal e comenta futura vinda do Helloween ao Brasil

 


Vinte e sete anos atrás, o Helloween fazia sua estreia nos palcos brasileiros como uma das atrações do festival Monsters of Rock realizado no Estádio do Pacaembu, antiga casa do Corinthians, em São Paulo. O disco da vez era “The Time of the Oath” (1996) e a formação trazia Andi Deris (vocais), Michael Weikath (guitarra), Roland Grapow (guitarra), Markus Grosskopf (baixo) e Uli Kusch (bateria). 

Hoje a realidade é outra: como um septeto — Deris, Weikath, Grosskopf, Sascha Gerstner (guitarra), Daniel Löble (bateria), Kai Hansen (guitarra e vocais) e Michael Kiske (vocais) —, o grupo pioneiro do power metal volta ao Brasil para uma nova edição do Monsters of Rock na capital paulista — a ser realizada, agora, no Allianz Parque, lar do rival Palmeiras —, promovendo o ainda recente “Helloween” (2021), primeiro fruto da nova e promissora fase.

Da Alemanha, Kiske conversou com este jornalista a respeito disso e de muito mais. Confira!


Fotos: Gustavo Maiato


O Helloween está prestes a voltar ao Brasil pela, sei lá, centésima vez [Risos.]

Nem tanto, nem tanto... A primeira vez que eu estive na América do Sul foi com o Avantasia em 2010 ou 2011, não tenho certeza. Não cheguei a ir nos anos 1990.


O que, na sua opinião, torna o fã brasileiro de heavy metal tão único em relação aos fãs de outros países?

Acho os fãs da América do Sul em geral muito apaixonados, sabe? Mas também acho que essa “selvageria” tem tudo a ver com o tempo que todos ficaram sem poder assistir a shows. As pessoas estavam meio famintas por isso. Tem sido muito, muito legal essa retomada. Mas na América do Sul... sei lá... é como se houvesse fogo nas suas veias!


Acredito que essa fome também se aplique à própria banda, certo?

Lógico, lógico. Mas acredite ou não, precisávamos dar uma pausa. Voltamos aos palcos em fevereiro do ano passado e levamos alguns shows até que a coisa engrenasse de novo. [Aqueles primeiros shows] foram estranhos não só para os fãs, mas para nós também. 


Você voltou ao Helloween em 2017. Já se passaram alguns anos, mas o clima de novidade permanece no ar?

Bem, fiquei quase vinte anos sem ter feito nenhum show, então não é como se eu tivesse “me cansado” disso. E é muito fácil quando se pode fazer as coisas no nível que fazemos agora. Somos headliners na maioria dos festivais em que tocamos na Europa. É muito confortável cair na estrada assim. Tocar em lugares maiores do que jamais tocamos é muito fácil. E, sim, parece que foi ontem [que voltei à banda].


E qual é o segredo para manter tudo em pleno funcionamento como um septeto?

Não acho que seja nenhum bicho de sete cabeças. Entrei na banda em 1987, aos 17 anos. A energia que emana do público impede que o tédio tome conta. Assim que você sobe ao palco, sente aquela energia arrebatadora. Toda aquela gente está ali para te ver. Não somos uma banda iniciante, tampouco somos uma banda desconhecida. Mesmo que você não consiga mais ouvir certas músicas, quando as ensaia ou as toca no palco e percebe a reação, sente a emoção do público, é como se a estivesse tocando pela primeira vez. Isso salva a sua vida o tempo todo, porque impede que a coisa fique chata! 





Qual música você mais gosta de cantar quando pensa na reação e na emoção que elas causam nas pessoas?

Tem um monte. Amo “Eagle Fly Free”, acho que é sempre muito poderosa [ao vivo], e desde o “Keeper of the Seven Keys Part II” (1988) foi um álbum de muito sucesso para a banda. Às vezes vejo as pessoas chorarem na platéia, acredite ou não. “Eagle Fly Free” é uma música épica, mas há muitas outras que são incríveis. Amo “March of Time”, “Keeper of the Seven Keys”, “Halloween”, “Skyfall”; temos um monte de músicas dignas de pódio... mas “Eagle Fly Free” ainda é a minha favorita.


Falando do álbum mais recente do Helloween, você acha que ele pode, talvez, ostentar o status de clássico com o passar do tempo?

Com o tempo, sim. Um disco novo nunca terá o impacto de um disco lançado há trinta anos ou algo assim, porque as pessoas cresceram com ele, sabe? Mas passados alguns anos, se continuarmos tocando algumas músicas... Tenho certeza de que vão virar clássicos. Duvido que algum dia chegue aos pés dos dois “Keeper”, porque eles tiveram um impacto inimaginável. Toda banda tem discos específicos que marcaram sua carreira. O Iron Maiden, por exemplo, sempre tem que tocar “Run to the Hills”, “Hallowed Be Thy Name”, “The Number of the Beast”. O Metallica a mesma história; eles sempre terão certas músicas que são clássicas insuperáveis. Mas acho que nos saímos muito bem [no álbum “Helloween”]. Espero que no próximo sejamos um pouco mais criativos. O Andi tem uma ótima balada que eu achei incrível e que vai estar no próximo disco. O Kai me enviou uma música ontem à noite que achei incrível. Meio Queen, com partes de piano e depois partes mais rock. Espero que possamos surpreender um pouco mais. O último disco foi praticamente o que todo mundo esperava, né? Não planejamos fazer isso, mas aconteceu dessa maneira. Espero que o próximo seja levemente diferente.


Pensando na sua carreira como um todo, em todos os discos que em que cantou, qual é o mais especial?

Acho que o “Keeper of the Seven Keys Part II”. Também foi o melhor momento [da banda]. A coisa começou a sair do trilhos quando o Kai deu o fora. O equilíbrio se perdeu. Paramos de funcionar, estávamos brigando constantemente. Portanto, sempre farei essa ligação das melhores lembranças da minha carreira com a época do “Keeper II”. Foi um baita momento.


Então você acha que tanto “Pink Bubbles Go Ape” (1991) quanto “Chameleon” (1993) [álbuns posteriores à saída de Hansen] sofrem dessa “falta de equilíbrio”?

Com toda a certeza. Fizemos o melhor que pudemos, mas não era mais a mesma banda. Ainda acho que tem algumas ótimas músicas neles, sabe? As músicas em si eram muito boas, mas não estávamos mais funcionando como uma banda naquela época. É como em um casamento: por mais que vocês ainda se gostem, pode dar certo ou não. O Kai era muito importante; sua personalidade e tudo mais. Daí veio o Roland, que é um cara legal, mas uma pessoa completamente diferente, então todo o clima mudou. Acabei não curtindo tanto a época pós-“Keeper II” em razão disso.





E é por isso que você decidiu deixar o heavy metal para trás por um tempo?

É uma mistura de fatores. Fiquei sensível a certas coisas. Acredito em Deus, embora não dê a mínima para religiões, pois sinto que elas fazem mau uso da Palavra. Na verdade, vejo as religiões mais afastando as pessoas do mundo espiritual, demonizando tudo que podem. Me considero uma pessoa espirituosa, um cristão, mesmo não frequentando nenhuma igreja. Então fiquei ressentido de certas coisas que acontecem no heavy metal. Satanismo? Acho ridículo. Tudo bem a música ser agressiva, isso pode ser muito revigorante e ajudar a liberar um pouco de raiva. Não é necessariamente algo negativo. Naquela época, eu estava vendo as coisas muito como elas são. Foi um misto de decepção com a banda, com o cenário musical em si e com como certos trabalhos solo que fiz foram mal-recebidos. 


Você acha que as pessoas deveriam dar uma segunda chance ao seu material solo dos anos 1990?

Acho que não. Sinceramente? Tanto faz. Quando gravo um álbum, risco da minha lista. Não o ouço nunca mais. Quanto àqueles discos, sei que tem gente que gosta, mas se a pessoa não gosta de nada que não seja metal, tenho certeza de que continuarão não gostando, porque não têm nada de metal. Foram discos importantes para mim, acho que há boas músicas neles. Fazer um álbum solo não é tão legal quanto fazer um álbum com uma banda, com várias pessoas trabalhando juntas e lançando ideias. Dito isso, tenho um novo disco solo a caminho. Um disco de covers, músicas de que eu gosto, a maioria acústica, como os trabalhos solo do Chris Cornell fora do Soundgarden.


Você pode antecipar alguns dos artistas que fará covers neste novo álbum?

Tem uma música do Billy Joel, uma do The Police, uma dos Beatles, uma do U2... são as minhas músicas favoritas, músicas que eu amo de verdade. É claro que não irão soar como as originais, pois a maioria delas gravei só com um violão, um tecladinho aqui, um quarteto de cordas ali. Mas também incluirei algumas músicas próprias.


Este novo álbum será lançado ainda este ano?

Acho que não. Talvez no próximo. Tive muito tempo livre desde outubro, mas acabei não trabalhando muito...





Qual foi a lição mais valiosa que você aprendeu ao longo da sua carreira?

Não aprendi uma lição apenas. Acho que cresci. Cresci sob experiências extremas, decepções... e aprendi muito nos vinte anos em que estive à deriva. Não quero passar por isso outra vez. É como um casamento que dá errado. Não é fácil, sabe? Mas tudo acontece por um motivo, e acredito que tive de vivenciar tudo aquilo para crescer e aprender. Tudo é completamente diferente agora. Meu relacionamento com o Michael Weikath é completamente diferente. Era muito ruim já nos anos 1980, mas melhorou substancialmente. As prioridades também são outras. Não se trata apenas de ganhar dinheiro. Dinheiro é mera consequência; todos precisamos ganhá-lo, mas não é só por isso que estamos aqui. Este mundo é o jardim de infância de Deus. Tenho certeza de que existem muitos mundos além desse, todos muito mais desenvolvidos do que o nosso.


O Helloween está planejando fazer algo especial para o público brasileiro no próximo show?

É um festival, né? Então nosso tempo de palco será reduzido. Teremos 60 ou 70 minutos no máximo. Sendo assim, vamos disparar um hit após o outro. Não será um show convencional do Helloween, mas uma apresentação mais compacta. Essa é a ideia de tocar nesses festivais: atrair pessoas que, até o momento, não te conhecem. 


Por fim, o que você ainda quer realizar como artista? Você ainda tem um sonho para perseguir ou pode-se dizer que foi premiado com muito mais do que jamais imaginou?

Nunca me dou por satisfeito com nada. Quero sempre ser melhor e melhor. Adoraria que o Helloween fizesse um trabalho mais “fora da caixa”. O anterior até que teve seu grau de criatividade, mas as músicas foram escolhidas a dedo para que funcionassem dentro de uma zona de conforto. Sempre fomos uma banda que fez um monte de coisas diferentes. Todos os nossos discos, desde o começo, são muito diferentes um do outro. Têm metal, mas também têm músicas mais pop, como o KISS. Aliás, o KISS é um bom exemplo: eles têm uma vasta gama de materiais, e o Helloween, à sua maneira, também. Adoraria que essa diversidade se refletisse no próximo álbum, mas isso requer coragem. 


Sendo assim, o legado que você espera que o Helloween deixe é o de uma banda criativa acima de tudo?

Aham. É sempre cômodo viver à custa do próprio legado. Metallica, Iron Maiden, Judas Priest, Scorpions, KISS: todas essas bandas vivem à custa do próprio legado. Todas fizeram ótimos discos que os fãs adoram. Esses fãs vão aos shows para ouvir essas músicas, essas mesmas músicas sempre. É divertido? Sim. Mas também é jogo seguro. Nos saímos muito bem com o primeiro disco desde a reunião, mas acho que podemos fazer muito melhor no próximo.


Dito isso, o melhor ainda está por vir?

Espero que sim. Não posso prometer nada porque não depende só de mim, mas temos potencial para tal. É apenas uma questão de sermos corajosos e capazes o suficiente. Isso é o que envisiono para essa banda: fazer discos que resistam ao teste do tempo e músicas que signifiquem tanto para o público quanto as antigas. Isso seria incrível. Algumas bandas dão conta de fazer isso, e eu adoraria que o Helloween fosse uma delas.




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