ENTREVISTA: Anders Jacobsson fala sobre a força do som do Draconian e a resiliência em meio à pandemia


Anders Jacobsson é a voz catártica por trás do Draconian, que se prepara para um aguardado show esgotado em São Paulo este mês. Nesta conversa abordamos não apenas o esperado retorno ao palco após os desafios impostos pela pandemia, mas também a reedição em CD dos aclamados álbuns “Arcane Rain Fell” (2005) e “Sovran” (2015) no mercado brasileiro. Enquanto o mundo ainda se recupera dos efeitos da crise global, Jacobsson compartilha suas reflexões sobre o papel da música como fonte de cura e expressão em tempos turbulentos. Ao discutir a importância e o propósito de sua música no contexto atual, ele explora o papel que o Draconian desempenha no metal, oferecendo um refúgio emocional para seus ouvintes. Da força do som à resiliência em meio à pandemia, esta entrevista revela as profundezas da alma musical do Draconian e a jornada inspiradora que o espera em solo brasileiro.


Por Marcelo Vieira

Transcrição: Beatriz Cardoso

Fotos: Divulgação


Como você e a banda estão se sentindo com relação a essa primeira vinda ao Brasil?

Tem sido uma longa espera, definitivamente estávamos esperando por isso por uns vinte anos. Nós mantivemos contato com nossos fãs brasileiros por esse tempo todo, sabe? Esperávamos que um dia acontecesse e, para ser honesto, não faço ideia do porquê de não ter acontecido até agora, mas estamos muito animados.


Existem expectativas especiais em relação aos fãs brasileiros?

Quanto a isso, não. Temos um show esgotado; começamos esta turnê com um show esgotado em São Paulo, e acho que isso é um ótimo sinal. Mas, na verdade, não sei o que esperar. Só espero que tudo corra bem e que estejamos preparados, e não tenho hesitações. Acredito que minha única expectativa é que faremos o melhor que pudermos. E será incrivelmente divertido e agradável finalmente encontrar os fãs.


Sendo assim, há planos especiais para o Brasil? Algum tipo de surpresa ou setlist diferente preparados para os fãs brasileiros?

Nós temos dois sets diferentes; um mais longo para shows especiais. Para este show, sim, haverá algumas surpresas, daremos atenção aos álbuns mais antigos e, como nunca tocamos no Brasil antes, estamos planejando algo único.


Vocês terão tempo de conhecer um pouco o país ou vai ser daquelas viagens super corridas?

Eu talvez consiga, especialmente São Paulo, porque vou chegar uma semana antes do primeiro show e aproveitarei para conhecer a cidade, sair com nosso empresário e, sim, espero conhecer um pouco o que ela tem a oferecer. Quero aproveitar ao máximo a oportunidade, já que estarei por aí mesmo e... Por que não, não é?


O que você espera conseguir vivenciar da cultura daqui?

Tenho assistido a muitos vlogs de viagem sobre São Paulo e o Brasil, então o que espero é que seja tão bom quanto parece, sabe? Há muitas coisas para fazer, só preciso confiar no Kyle, meu empresário, e ver o que ele planejou. É uma oportunidade enorme, e quero aproveitar ao máximo.


Talvez um jogo de futebol?

Talvez. Não sou muito ligado em esportes, mas certamente seria maneiríssimo.



Como você vê a evolução do Draconian ao longo dos anos?

Essa é uma boa pergunta. Eu diria que estabelecemos nosso som, ou o que se tornou o som do Draconian, bem cedo. Ao longo dos anos, desde a década de 1990, passamos por diferentes fases, em que experimentamos coisas diferentes, mas muitas delas não foram para frente. Em 2000, decidimos lançar uma demo e tomamos a decisão de nos tornar uma banda inspirada principalmente pelo doom metal, e foi com aquela demo que realmente sentimos que encontramos nosso nicho. Desde então, não mudamos muito nos últimos vinte e três anos. Mantivemos nosso chamado “gothic doom” ou “dark metal”, ou como quiser chamar, mas em cada álbum, ou em cada gravação desde então, ele foi temperado de forma diferente. No entanto, sempre mantivemos o som que é o Draconian. Mas me sinto imensamente orgulhoso e feliz que nossos álbuns não soem todos iguais, que tenhamos seguido em direções diferentes, sem termos aberto mão do som que nos tornou quem somos.


Qual mensagem você espera transmitir com a sua música?

Outra boa pergunta. Acho que o Draconian sempre foi uma banda que faz com que as pessoas sintam coisas; elas leem as letras e se conectam com elas. Quando se trata das minhas letras, ao longo dos anos, seja qual for a inspiração que me guie — seja sobre algo mitológico, religioso, ou algo mais relacionado à vida, às emoções, ao amor, à tristeza, ao existencialismo e coisas assim —, percebi que muitas pessoas se sentem dessa forma, e esse tipo de música é quase perfeito para ser a trilha sonora para elas. Não sei se somos sortudos ou se apenas sabemos o que estamos fazendo, mas acho que sabemos como queremos nos expressar — nuances de composição juntamente com nossos próprios arranjos e minhas letras e vocais e tudo mais —, e como mantivemos o conceito de bela versus fera de modo a permitir que uma dualidade, que acho muito atraente para as pessoas, floresça. Nunca nos deterioramos, nunca renegamos o passado. E acho que as melodias românticas e melancólicas juntamente com a intensidade, as construções e o clímax, juntamente com letras muito sentidas e pessoais, apenas provam que há muitas pessoas que compartilham esses pensamentos e, assim como eu e assim como qualquer outro integrante na banda, essa música fala conosco. Então, é uma boa maneira de nos conectar com os fãs dessa forma, porque também sou fã de música; somos fãs de música, temos nossas influências e pessoas a quem admiramos, então é bom poder nos ver nos fãs, assim como eles se veem no que escrevemos e expressamos.


Você sente que a volta da vocalista Lisa Johansson deu um novo gás à banda?

Não sei se “dar um novo gás” é a expressão correta, mas definitivamente consolidou algo que nos permitiu finalmente seguir em frente. Com certeza. Heike [Langhans, substituta de Lisa] estava indecisa desde o lançamento do “Under A Godless Veil” (2020), o último álbum. Acho que ela estava um pouco insegura sobre o que queria fazer, se queria sair em turnê, se queria focar mais em projetos. Ela não queria se comprometer muito com antecedência, sabe? É assim que funciona quando se trata de turnês e shows e coisas assim. Então acho que ela queria trilhar o próprio caminho. Tivemos muita, muita sorte de poder continuar e de a Lisa estar tão interessada em voltar para a banda, parecia que era a coisa natural a se fazer. Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido dadas as circunstâncias, em vez de encontrar uma nova vocalista e começar do zero, sabe? Além disso, a distância geográfica era um problema. Todos os processos que envolviam a Heike acabavam sendo demasiado longos, então a volta da Lisa definitivamente tornou as coisas mais fáceis, porque todos moramos perto e, mesmo com neve, podíamos ensaiar regularmente. Parece que estamos no auge agora.


Para você, o que torna o Draconian tão único em comparação a outras bandas de doom metal?

Acho que talvez seja uma pergunta para os fãs. Não sei, acho que uma coisa que mencionei antes é que nunca nos desviamos do nosso som. Muitas bandas de doom, incluindo bandas que nos inspiram muito e outras bandas dos anos 1990, se desviaram, começaram a fazer algo diferente, música eletrônica, rock alternativo, gothic rock ou qualquer coisa do tipo, sabe? E não há nada de errado nisso. As pessoas precisam experimentar e fazer o que querem fazer, mas estou feliz que Draconian nunca tenha se desviado. Fico contente que encontramos nossos fãs e permanecemos fiéis a eles. Ainda assim, cada álbum soa diferente. Não vamos nos limitar apenas porque as pessoas nos veem como uma banda de gothic doom. O que quer que façamos no futuro ainda terá a assinatura sonora do Draconian que provavelmente se enquadra nessa categoria, mas sempre seremos uma banda de “dark metal” de uma forma ou de outra. Quaisquer que sejam as influências que tenhamos, o próximo álbum ou o álbum seguinte ou o álbum seguinte podem soar muito diferentes, mas ainda teremos esse núcleo que soa Draconian, e acho que isso nos torna bastante especiais.



Recentemente, foram relançados em CD no Brasil os álbuns “Arcane Rain Fell” e “Sovran”. Você poderia falar um pouquinho sobre eles?

O “Arcane Rain Fell”, nosso segundo álbum, foi quando sentimos que havíamos estabelecido um som. Acho que muitas pessoas percebem que ele saiu em um momento em que ainda era possível fazer um álbum clássico e acho que conseguimos isso com “Arcane Rain Fell”. Ainda é o álbum mais importante para nós em termos de o quanto é amado em todo o mundo. Ele nos consolidou como parte fundamental do metal, eu diria. Pode não ser o nosso álbum favorito, mas é provavelmente o álbum mais importante que fizemos considerando tudo o que veio depois, então, eu diria que é um álbum que, musicalmente, é o meu preferido. Não em termos de produção, mas em termos de som. Tem tudo o que eu amo sobre o Draconian. Tem muita emoção, é maravilhoso. E, claro, “Death, Come Near Me” e minha música favorita entre todas que escrevi, “A Scenery Of Loss”, estão nesse álbum. Embora eu não goste da produção, essas são provavelmente algumas das melhores músicas que fizemos, na minha opinião. E realmente estabeleceu nossa base. 

Já o “Sovran” estabeleceu uma base diferente porque foi o primeiro álbum sem a Lisa, com a Heike nos vocais, e se tornou quase imediatamente um objeto cult. Tenho uma relação de amor e ódio com esse álbum porque foi difícil de gravar e havia tantas coisas acontecendo naquela época... foi uma fase difícil em minha vida, pessoalmente. Mas acabou sendo um álbum que muitas pessoas reverenciaram, acharam muito especial, e também contém nossa música mais tocada nas plataformas de streaming, “Rivers Between Us”, que atrai um público mais amplo. É um álbum muito sombrio, provavelmente mais sombrio do que o “Arcane Rain Fell”, mas significou muito para as pessoas e sou muito grato por isso, é claro. E também foi o álbum em que a Heike realmente se familiarizou com a composição e, sim, é uma coisa incrivelmente boa.


Vocês já estão trabalhando num novo álbum?

Sim, temos trabalhado aqui e ali por alguns anos, na verdade, tomando notas de ideias de músicas. E agora, depois dessa turnê na América Latina e de alguns outros shows que temos, vamos ter alguns meses em que não temos muitos compromissos, então finalmente começaremos a escrever. Finalmente começarei a escrever e, sim, é algo pelo que estou ansioso demais, porque o som deste álbum, pelo que ouvi até agora, ou as ideias de músicas que ouvi até agora, deixa muito espaço para a imaginação e inspiração fluírem. Mal posso esperar para fazer outro álbum. Já faz quase três anos desde o lançamento de “Under A Godless Veil”, então, se pudermos gravar e lançar o álbum no próximo ano, seria perfeito.


A pandemia exerceu alguma influência na composição desse material novo?

Chegamos a gravar algumas demos, mas acho que foi um período muito, muito desanimador e sem inspiração para a maioria dos músicos, especialmente para a maioria daqueles com quem conversei. Em termos de inspiração, foi muito desmoralizante e, no meu caso, comecei a escrever muita poesia; não necessariamente coisas que eu usaria para o Draconian, mas talvez use. Mas eu estava extremamente sem inspiração no primeiro ano da pandemia. Depois, quando percebi que isso ia continuar por um tempo, me forcei a escrever, mas foi um momento muito estranho. As coisas pareciam normais, mas ao mesmo tempo tudo estava meio morto, sabe? Então, sim, foi muito peculiar, mas eu simplesmente fechei as cortinas, tentei viver minha própria vida e escrevi um punhado de coisas naquela época.


Essa escrita ajudou você a manter a mente sã?

Isso foi difícil. Foram meses enchendo a cara de vinho e dormindo bastante, vendo os dias passando, mas desde que eu escrevesse alguma coisa... eu não me importava. Eu realmente não tive lá muita estrutura, e acho que falo em nome de muitas pessoas.


Pode-se dizer que existia um Anders antes da pandemia e existe outro depois?

Não acho que o efeito foi tão duradouro assim, mas durante, quando realmente comecei a sentir isso, tive que aprender a lidar com a situação em que o mundo estava. Lembro que escrevi um poema em duas partes que se chamava “The Unforgiving Void” (“O Vazio Impiedoso”, em português), que descrevia a pandemia e a atmosfera ao redor dela e como as pessoas agiam em contraste com o ambiente. Então minha forma de lidar, novamente, foi escrevendo, e, quando escrevi sobre isso, consegui me afastar um pouco e lembrar como era o mundo quando não havia pandemia. Mas ela não me afetou tanto quanto afetou outras pessoas.


“The Unforgiving Void” daria um ótimo título de música.

Sim, daria.


Acha que a humanidade aprendeu algo com a pandemia?

Infelizmente, apenas temporariamente. A condição humana, ou a mentalidade humana, faz com que nunca aprendamos com nossos erros. A vida imita o Twitter: as pessoas se apegam a sua estupidez e repetitividade. Todo o barulho, especialmente o populismo de direita e todas essas bobagens; as pessoas não aprendem. Elas não têm nenhuma relação com a própria mortalidade e fragilidade, e acho isso triste, sabe? Acho que deveríamos aprender, porque, quando uma pandemia acontece, e quando as coisas se acalmam em seguida, são apenas uma prova de o quão frágeis somos. E que talvez devêssemos ser um pouco mais... humildes em relação à nossa própria existência e gratos pelo que temos, sabe?



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