ENTREVISTA: Jay Buchanan (Rival Sons) reflete sobre a pandemia e comenta a respeito da criação de “Darkfighter” e “Lightbringer”

 


A pandemia resultou não em um, mas em dois novos álbuns de estúdio para o Rival Sons. Quatro meses após o lançamento de “Darkfighter”, os americanos apresentam o seu irmão gêmeo, “Lightbringer”, que será lançado em CD no Brasil pela parceria Wikimetal/Oporto da Música.

Apesar dos nomes — “combatente das trevas” e “portador da luz”, respectivamente —, um álbum não contrasta com o outro. “Eu diria que é um desfecho (...). Um oferece contexto para o outro”, afirma Jay Buchanan.

Em entrevista a este jornalista, o vocalista e letrista do Rival Sons revela a inspiração por trás das músicas que considera as principais da dobradinha; relembra as duas visitas da banda ao Brasil; e critica sutilmente novos artistas que se limitam a imitar os ídolos do passado: “O mundo não precisa de outro Led Zeppelin”. Ouch!

Boa leitura!


Por Marcelo Vieira

Transcrição: Beatriz Cardoso

Fotos: Divulgação


Marcelo Vieira: A pandemia veio e o Rival Sons se trancou em estúdio para compor e gravar. Não ter perspectiva de turnês ajudou vocês a manter o foco nas músicas somente?

Jay Buchanan: A resposta curta é ‘sim’. Mas também acho que havia tanta coisa acontecendo que compor se tornou vital. Ter uma música pela qual você pudesse se comunicar nos momentos difíceis se tornou muito vital. De primeira importância. Sou grato por ter música na minha vida diariamente. Não sei como poderia ter conseguido passar por tudo que passei sem música.


MV: Vocês mudaram algo no processo de gravação? Experimentaram algo pela primeira vez? Ou quem sabe as circunstâncias obrigaram vocês a experimentar...

JB: Tudo o que você acabou de dizer. As circunstâncias nos forçaram a improvisar e nos forçaram a compor e gravar remotamente, enviando ideias um para o outro pela internet. Além das gravações presenciais em estúdio, houve muito trabalho remoto no meu estúdio em casa, no estúdio na casa do Scott [Holiday, guitarrista]. Isso tornou-se uma necessidade por causa do tempo limitado de que dispúnhamos e das restrições que tínhamos ao estar no estúdio. Agora, note bem, por causa desse cataclismo social e cultural que foi de meados de 2020 até  meados de 2022, certamente me vi precisando de mais tempo para escrever. Eu precisava de mais tempo, mais introspecção, para explorar e ver onde eu estava artisticamente, emocionalmente e na minha evolução como ser humano. E eu sei que foi um verdadeiro fardo para muitas pessoas, mas para mim, [o isolamento social] é exatamente o que eu precisava. Eu precisava daquele tempo trancado dentro de casa porque sabia que havia coisas a serem examinadas. Eu sabia que certas coisas precisavam vir à tona. Eu sabia que havia coisas que precisavam ser ditas, e às vezes leva um tempo para articular e formular essas ideias de uma maneira que pareça honesta e autêntica quando você as coloca para fora, sabe?


MV: Então o que passamos ao longo dos últimos anos de alguma maneira se reflete nas letras.

JB: Sem dúvida. Acho que “Darkfighter” e “Lightbringer” são os álbuns mais autobiográficos do Rival Sons. Sinto que abri meu coração como nunca antes.



MV: Há alguma música em particular do “Darkfighter” que seja especialmente significativa para você?

JB: Acho que há três. A principal delas é “Rapture”, porque significa uma reviravolta para mim no processo de composição desses discos. Significa um reconhecimento da minha busca e um reconhecimento do meu progresso. Em seguida, “Horses Breath”, que é definitivamente sobre a perseverança. Não importa o quão difíceis as coisas possam ser, você não pode voltar ao ponto de partida nem pode voltar no tempo. Você só pode lidar com o que tem agora e se preparar para o que está por vir, e acho que esse é um dos fios condutores do “Darkfighter”. Por último, tem uma música chamada “Darkside”, que é sobre o luto, sobre a perda de alguém que você ama devido ao vício em drogas, sobre perder alguém para o vício. As drogas são uma fera faminta e trabalham para devorar lentamente seu hospedeiro. Acho que todos sabem como é ver alguém que você ama muito se entregar à dependência. Então assistir a isso é muito difícil porque quando você ama um viciado, você lamenta a perda dessa pessoa muito antes de ela morrer. É uma situação complicada de passar. “Darkside” é sobre isso. Eu queria escrever uma música assim porque sei que outras pessoas passam por essa situação dolorosa que eu estava passando, então queria me solidarizar a essas pessoas. Eu me senti muito sozinho quando estava passando por isso e não tinha certeza exatamente de como lidar, mas talvez uma música sobre possa ajudar alguém.


MV: O que você espera despertar nos ouvintes com músicas feito essas? 

JB: Se eu for capaz de despertar alguma coisa, que eles possam se sentir melhor consigo mesmos e em relação ao que estão passando. E não importa se é uma situação como a que acabei de descrever; a música, para mim, é um meio para tentar ajudar as pessoas a se sentirem um pouco menos sozinhas. Porque é isso que a música fez por mim ao longo de toda a minha vida, desde que eu era pequeno. Quando você ouve uma música com a qual se identifica, ela ajuda você a se sentir parte de algo maior. E acho que esse foi o grande apelo da música para mim desde o início, quando eu senti que pertencia a algum lugar que era maior do que a pequena cidade onde cresci ou do que minha família ou meu grupo de amigos; havia algo maior para eu me juntar.


MV: A primeira prévia do vindouro álbum “Lightbringer” é a música “Mercy”. Percebi uma forte mensagem sobre talvez pegar leve e não deixar a raiva tomar conta. Você acha que as pessoas estão mais raivosas neste pós-pandemia?

JB: Bota raivosas nisso. Beirou a insanidade. Aqui nos Estados Unidos, tínhamos um vírus que estava matando pessoas, e então tivemos uma vacina que estava ajudando as pessoas, e depois vieram pessoas querendo politizar tudo porque era um ano eleitoral. E aí está a raiz de todo o mal. Pessoas boas se tornando raivosas, sabe? Quando se sentem isoladas e encurraladas, pessoas boas podem agir e reagir de maneiras que não refletem necessariamente o melhor delas. Isso acontece com todos nós. Eu vi isso acontecer. Vi as pessoas julgando umas às outras, culpando umas às outras, porque foi um momento muito confuso. Havia muito mais perguntas do que respostas. Acho que isso deixou as pessoas com muito medo. E acredito que quando o medo se instala, ele absolutamente traz o pior de nós à tona. Você tem a oportunidade de mostrar misericórdia, ter paciência e unir forças, mas pode também virar as costas para o vizinho e ficar contra Deus e o mundo. Todas essas coisas fazem parte da natureza humana. Eu entendo isso. Mas foi difícil de ver, mesmo assim.


MV: Você se tornou mais raivoso do que costumava ser? Tipo, a letra de “Mercy” pode ser lida, também, como uma mensagem sua para si mesmo?

JB: Acho que não. Sinto que todos os fenômenos culturais que permearam a cultura mundial, e especificamente aqui os Estados Unidos, me fizeram querer me firmar mais para tentar entender quem eu era nesse cenário por causa de todos esses sentimentos de desilusão e de não saber. A incerteza de não saber como as coisas iriam acontecer me fez, acredito, focar mais na arte da autoexpressão e me fez querer ser um pouco mais existencialista na minha visão do que eu estava fazendo artisticamente; olhar para trás e fazer um balanço do que eu estava criando no rock. Quando o assunto é rock, as pessoas só querem falar sobre os anos 1970 ou mencionam as mesmas cinco bandas e é isso. Nada contra, mas o que eu sei é que o Rival Sons e eu estamos mergulhados nesse gênero, vivendo e respirando o agora, vivendo o momento atual, vivendo o mundo de hoje, e não temos — eu certamente não tenho — inclinação e nem intenção de propagar o que aconteceu antes. Já fizemos esses discos. Fizemos discos como o “Pressure & Time” (2011) em que certamente soávamos como nossas influências, mas acho que agora não é a hora para isso. Passamos por tanto ao longo desses dois anos fazendo “Darkfighter” e “Lightbringer” que ficou muito evidente que tivemos que lutar por nossa sobrevivência abraçando o presente e onde estávamos naquele momento, olhando para o futuro em vez do passado.



MV: Podemos esperar que “Lightbringer” seja o contraponto do “Darkfighter”?

JB: Eu não chamaria de contraponto. Eu diria que é um desfecho. “Darkfighter” termina em aberto, com “Darkside”. Você fica na expectativa. Mas um álbum fornece contexto para o outro. É mais uma resposta do que um contraponto. [Apesar do título,] não é como se fosse um disco feliz ou algo do tipo. Há mais esperança, sim, mas a introspecção marca presença de maneira diferente. Essa introspecção meio que faz um balanço da jornada difícil que “Darkfighter” representou.


MV: O Rival Sons teve a oportunidade de visitar o Brasil em duas ocasiões, em 2015 e 2016. Como foram essas experiências para você e para a banda?

JB: Nós adoramos! Na primeira vez em que fomos ao Brasil, tocamos no Monsters of Rock a convite do Ozzy [Osbourne], porque ele e a Sharon [Osbourne] nos viram em uma premiação em Los Angeles e gostaram. Acredito que eles queriam ver como nos sairíamos com um público tão grande, porque tinham planos de nos levar [como banda de abertura] para a turnê final do Black Sabbath, The End. Acho que nos puseram lá para ver o que éramos capazes de fazer, e nos saímos bem. Foi um show incrível em São Paulo. Depois, voltamos com o Black Sabbath e, sabe de uma coisa, tocar no Brasil foi diferente de tocar para qualquer outra plateia para que tínhamos tocado antes. Mesmo naquela primeira vez em que fomos a São Paulo, a plateia conhecia nossas músicas e isso foi muito louco para nós. As pessoas sabiam, estavam cantando junto, e foi uma experiência muito legal para nós. Quando voltamos com o Sabbath, foi igualmente emocionante, e estamos tentando voltar desde então. Hoje de manhã mesmo, tivemos uma reunião para descobrir como tornar financeiramente viável para nós essa ida. Seja tocando num festival ou fazendo shows solo, adoraríamos voltar aí. O Brasil foi especialmente legal conosco e estamos cientes de que vocês querem que a gente volte. Só precisamos fazer isso funcionar.


MV: Para encerrarmos, o que o Jay de 2023 diria para aquele, que vi abrindo para o Black Sabbath no Rio de Janeiro, em 2016? 

JB: Eu provavelmente diria a ele para continuar fazendo o que está fazendo. Foque na arte. Concentre-se na autenticidade. Não ligue para o que os outros dizem. Faça as coisas como você acha que precisam ser feitas. Não importa se é a gravadora ou o empresário ou qualquer um na indústria fonográfica; você não precisa soar como o Foo Fighters ou a p#rra do The Black Keys. Deixe-os fazer a música deles, nós faremos a nossa. Faremos a nossa do nosso jeito, e essa tem que ser a nossa única preocupação. Artisticamente, seria o meu conselho para todo e qualquer artista: faça a arte que só você pode fazer. Não faça algo que outra pessoa já está fazendo. Faça algo especial, único. Imprima sua marca. Seja autêntico e não se preocupe com mais nada. O mundo não precisa de outro Rolling Stones, de outro Beatles, de outro Foo Fighters, de outro Led Zeppelin. Precisamos de coisas novas. Sei que no começo você tende a imitar seus heróis. Mas se tiver a sorte de permanecer em campo tempo suficiente, logo encontrará algo único sobre si mesmo para tentar amplificar, e que se dane o resto. Faça a música que você precisa fazer.



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