ENTREVISTA com Diogo Marins, o responsável pelo som múltiplo do The Ogre

 


A história do The Ogre remonta a uma das bandas mais influentes da cena metal paulistana nas décadas de 90 e 2000, o Faces of Madness. Com dois álbuns lançados, “Rusted Memories” (2001) e “Locus Horrendus” (2008), essa fase serviu como um laboratório para a próxima empreitada de seu líder, o talentoso multi-instrumentista Diogo Marins.

O alicerce sonoro do The Ogre é construído sobre o death metal, contudo, os acenos a outras vertentes como o black, o heavy tradicional e o symphonic são evidentes. Essa diversidade torna a tarefa de categorizar a banda de um homem só desafiadora, mas ao mesmo tempo, faz dela irresistivelmente única e atraente.

O bate-papo a seguir concentra-se no álbum “Aeon Zero”, lançado em 2021. Considerado a magnum opus do The Ogre até o momento, o disco foi gravado e produzido pelo próprio Diogo, que desempenhou todos os papéis, desde cantar até tocar todos os instrumentos nas oito faixas.

Boa leitura!


Por Marcelo Vieira

Fotos: facebook.com/theogremetal


Marcelo Vieira: No Metal-Archives.com, o The Ogre é categorizado como Progressive Black/Death Metal. Você poderia aprofundar um pouco mais nessa definição, especialmente para aqueles que estão ouvindo a banda pela primeira vez?

Diogo Marins: Minha apreciação musical é bastante diversificada, abrangendo desde o metal extremo até o hard rock. Essa ampla gama de influências reflete diretamente na sonoridade do The Ogre. Tem-se a presença marcante de clássicos como Judas Priest, Iron Maiden e Megadeth, mas também explora-se territórios mais obscuros, como o metal extremo e bizarro, o black metal, elementos progressivos e até trilhas sonoras. Acredito que a classificação como Progressive Death Metal foi escolhida para abranger essa diversidade sonora e proporcionar uma compreensão mais abrangente do nosso estilo musical.


Marcelo Vieira: De 2015 até agora, foram quatro álbuns de estúdio, um EP e um disco ao vivo. Gostaria que você fizesse uma análise sobre essa evolução, tanto musicalmente quanto tematicamente nas letras. Houve algum evento ou descoberta que alterou a forma como você vê a própria música ou a maneira como trabalha?

Diogo Marins: Certamente. Após o término da minha banda anterior, o Faces of Madness, que seguia uma linha mais tradicional do heavy metal, decidi gravar as músicas que havia escrito e que não se encaixavam nesse estilo. Nesse processo, optei por não limitar o experimentalismo, permitindo que a música fluísse naturalmente para onde quisesse ir. A própria abordagem na composição era diferente, e logo nas primeiras três músicas, percebi que, mesmo explorando sem limites, elas mantinham uma identidade única.

Basicamente, comecei a compor e gravar sem pressa, permitindo que cada álbum se desenvolvesse organicamente. Não tenho um plano rígido em mente; inicio com uma ideia e desenvolvo à medida que gravo. Em certo sentido, essa abordagem sem restrições permitiu que cada disco se conectasse ao próximo, sempre buscando a satisfação completa com o resultado.


Marcelo Vieira: Como é o seu processo de composição das músicas? Você segue um método específico? E como foi o processo para o álbum “Aeon Zero”, em particular?

Diogo Marins: Como sou o único responsável pela composição, acredito que isso facilita quando estou sintonizado com a atmosfera que a música está revelando. Às vezes, já tenho letras prontas, outras vezes não, tudo depende do próprio curso da música. No caso de “Aeon Zero”, eu tinha alguns riffs que haviam sobrado do álbum anterior, e aos poucos fui desenvolvendo as ideias. Após tanto tempo envolvido no universo do metal, você acaba acumulando bastante material que pode ser utilizado no próximo disco, ou mesmo em dois ou três discos à frente. Isso varia conforme o momento.

Por exemplo, “The Horrible” surgiu de maneira extremamente rápida; a inspiração estava em alta naquele dia. Ao contrário, “Mountain of the Cannibal God” levou algum tempo para eu identificar o que se encaixava melhor. “Forgotten Mills” é uma música que eu tinha há cerca de 20 anos e tentei gravar para este disco. Acabei fazendo algumas modificações até chegar ao resultado final. O processo é dinâmico e depende muito do momento e das circunstâncias.


Marcelo Vieira: Cada faixa do “Aeon Zero” parece contar uma história. Há um tema ou conceito geral que conecta as músicas no álbum?

Diogo Marins: Não há uma conexão direta como em um álbum conceitual, mas a identidade visual em si já transmite muito do clima do disco. Sempre fui apaixonado por livros e filmes que apresentam vários contos, e acredito que isso acaba refletindo no meu estilo de composição. Tento atribuir importância a cada música individualmente, quase como um ato de respeito a cada uma delas. Isso se reflete até na produção, que varia de uma faixa para outra. “Datadeity” tem uma atmosfera mais estéril, enquanto “Crawling Chaos Underground” é mais suja e horrorosa.


Marcelo Vieira: O que a arte da capa representa e como ela se relaciona com o conteúdo do álbum?

Diogo Marins: A arte da capa incorpora elementos de várias músicas, como “We Ride with Demons”, “Crawling Chaos Underground” e “Mountain of the Cannibal God”. Essas faixas estão diretamente ligadas à capa, tanto em termos de atmosfera quanto na temática ancestral e obscura que ela representa.



Marcelo Vieira: Após “Aeon Zero”, vieram o EP “Repulsive Illusion” e o álbum ao vivo “Live of the Dead”. A referência visual no EP é clara, remetendo ao “Use Your Illusion I” do Guns N’ Roses. No entanto, musicalmente, não segue exatamente esse caminho. O que esse EP acrescenta à discografia do The Ogre?

Diogo Marins: Com os EPs, tenho mais liberdade para explorar diferentes abordagens sem comprometer a coesão da discografia. No caso do “Repulsive Illusion”, entreguei a música para uma amiga de longa data, Amanda Mussi, que está se destacando na cena eletrônica, para ver se ela tinha interesse em oferecer uma perspectiva diferente. Gostei bastante do resultado.


Marcelo Vieira: Sobre o “Live of the Dead”, poderia falar um pouco sobre a decisão de gravar um álbum ao vivo, o processo de gravação, a escolha do repertório e o aspecto técnico envolvido?

Diogo Marins: Em “Live of the Dead”, a arte presta homenagem ao filme “Dawn of the Dead” (“Madrugada dos Mortos”), do qual sou grande fã. O setlist abrange todos os álbuns, oferecendo um breve resumo da sonoridade da banda. Optamos por gravar no La Iglesia, em São Paulo, uma casa de shows com um equipamento e equipe excepcionais que facilitaram bastante o registro da apresentação. Aproveitamos também para gravar em vídeo, disponibilizado no YouTube.


Marcelo Vieira: Como “Live of the Dead” captura a energia da banda em apresentações ao vivo? Quais seriam os destaques nas performances e o que, finalmente, foi registrado no álbum?

Diogo Marins: Nos álbuns de estúdio, há vários elementos adicionados para complementar as músicas, enquanto a versão ao vivo se apresenta como um power trio sem firulas. Sempre tive o desejo de gravar material ao vivo com qualidade, e nesse formato, as músicas tomam formas bastante diferentes do que se ouve nos discos de estúdio. Elas ficam mais cruas, diretas, e isso é algo que sempre apreciei em alguns álbuns ao vivo. Se a versão ao vivo for idêntica à do estúdio, para que ouvir?



Marcelo Vieira: Considerando como você se posiciona no cenário musical brasileiro, quais são os principais desafios de ter e manter algo como o The Ogre nos dias de hoje?

Diogo Marins: Quando se trata de compor e gravar, procuro me abster de influências externas, evitando replicar o que outras bandas já fazem. Quero que o The Ogre se destaque nesse sentido. No entanto, encontrar oportunidades para shows significativos e espaço para apresentar nosso material é onde as dificuldades se apresentam. Muitas vezes, ouvimos falar sobre “apoiar o underground”, mas, na prática, os organizadores estão muitas vezes explorando financeiramente as bandas menores ou repetindo sempre as mesmas bandas conhecidas, como Angra e Sepultura, ou variações delas. Felizmente, ainda existem publicações, sites e pessoas que buscam novas bandas com música de qualidade para ajudar na divulgação. Essas são as verdadeiras apoiadoras do metal e do underground, enquanto o restante pode ser considerado como posers e bajuladores.


Marcelo Vieira: Na trajetória do The Ogre até hoje, qual você considera o ponto mais alto?

Diogo Marins: O retorno que tenho recebido com “Aeon Zero” tem sido muito positivo, e acredito que isso é resultado de anos de construção. Cada lançamento é um marco para mim. Tenho orgulho de tudo o que já lancei até hoje, pois é um trabalho que fiz com muito carinho, sem receber nada em troca, dando sempre o meu melhor no momento em que estava criando.


Marcelo Vieira: O que o futuro reserva para o The Ogre? Existem projetos futuros ou novas músicas que você está trabalhando atualmente?

Diogo Marins: No dia 13/10, lançamos uma música nova (“Curse of the Zombie Demon”) em todas as plataformas digitais e um novo videoclipe no Roadie Crew Online Festival, dando uma prévia do que será o próximo disco que estou atualmente compondo e gravando. Estou animado com o que está por vir.


Marcelo Vieira: Qual conselho você daria para músicos aspirantes que estão começando suas próprias bandas de som pesado no Brasil?

Diogo Marins: Hoje em dia, as coisas são muito mais acessíveis do que na época em que comecei nos anos 90. Com pouco equipamento, é possível alcançar uma qualidade surpreendente. Portanto, se você quer começar a gravar e criar suas próprias músicas, vá em frente e faça acontecer. Não deixe que a falta de recursos seja um obstáculo para seguir sua paixão.



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