ENTREVISTA: Sharon den Adel fala sobre guerra na Ucrânia e volta do Within Temptation ao Brasil

 


Em outubro de 2023, o Within Temptation retornou com força total ao cenário musical com “Bleed Out”, que explora injustiças globais e o estado tumultuado do mundo. Nesta entrevista exclusiva, a vocalista Sharon den Adel compartilha insights sobre o processo criativo por trás desse álbum intenso e politicamente engajado. Com uma abordagem musical mais agressiva e sombria, o novo trabalho marca uma fase inovadora na trajetória da banda holandesa.

Durante a conversa, Sharon reflete sobre a facilidade inesperada na composição de “Bleed Out” devido à proximidade dos temas com suas próprias emoções e experiências. A banda abordou questões como a guerra na Ucrânia e a luta pelos direitos das mulheres no Irã, transformando suas preocupações em músicas potentes e impactantes. 

A entrevista também traz detalhes sobre o envolvimento da banda com a Music Saves UA, uma organização que apoia músicos ucranianos e oferece ajuda humanitária aos refugiados no país. Além disso, a cantora compartilha sua empolgação em retornar ao Brasil após uma década, destacando a paixão e energia do público brasileiro.

Boa leitura!


Por Marcelo Vieira

Fotos: ForMusic/Divulgação


“Bleed Out” explora injustiças globais e o estado tumultuado do mundo. Como essa abordagem impactou o processo de composição e as escolhas musicais da banda?

Acho que o som é mais agressivo, e as emoções são um pouco mais intensas. Acredito que este seja o álbum mais intenso que já fizemos. Nunca seremos uma banda tão pesada como o Sepultura, mas, à nossa maneira, é o álbum mais pesado que já produzimos.


Quais foram os principais desafios ao criar um álbum com temas tão intensos e politicamente engajados? 

Por incrível que pareça, este álbum foi surpreendentemente fácil de escrever para nós, pois estava muito próximo de nossas emoções. Nós simplesmente deixamos nossa frustração e nossas emoções fluírem. O álbum foi escrito em um período muito curto de tempo, em cerca de dois meses e meio, embora tenha sido espalhado ao longo de um ano inteiro, porque estávamos em turnê e fazendo outras coisas paralelamente. Mas todas as vezes que nos reuníamos, sempre saíam novas músicas, e havia muito sobre o que escrever, é claro. Então, não houve muitos desafios, para ser honesta. Claro, queríamos ter um som específico e tivemos que experimentar muito no estúdio com bateria e guitarras, tornando-as mais interessantes, mais pesadas desta vez. Esse foi um desafio musical para nós, pois há mais possibilidades [sonoras] hoje em dia.


Como foi equilibrar a necessidade de falar sobre esses tópicos com a produção de música que também seja acessível e cativante?

Bem, eu acho que, em termos de som, agora, em combinação com o meu tipo de voz, sempre há uma certa suavidade. Mas a música, é claro, estava mais alta e agressiva. E essa combinação de suavidade e agressividade sempre esteve presente em nosso tipo de música, mais ou menos. Então, as peças sempre se encaixam, na minha opinião.



Entre os temas complexos abordados nas letras estão a guerra na Ucrânia e a luta pelos direitos das mulheres no Irã. Como é para você e a banda se posicionar sobre essas questões através da música?

Nós sempre estivemos envolvidos politicamente, mas costumávamos usar de metáforas, como em “The Heart of Everything”, que fala sobre William Wallace; algumas coisas e eventos históricos que também podem ser vistos acontecendo na vida cotidiana. A música “The Howling” foi escrita quando grupos de extrema direita estavam ganhando força em nosso país em 2004, assim como [o álbum] “The Silent Force” também foi inspirado nisso. No entanto, a influência da extrema direita já estava presente antes disso, já com [o álbum] “Mother Earth”, com alguma turbulência nessa área. Então, muitas músicas foram politicamente motivadas e engajadas ao longo do tempo, mas nunca falamos disso de forma tão clara, a menos que alguém nos perguntasse, o que raramente acontecia. Então, as pessoas sempre pensaram que nossas músicas eram sobre histórias de fantasia, o que, é claro, era a imagem que transmitíamos visualmente no palco. Mas, na verdade, muitas vezes tínhamos um engajamento político [por trás].

Agora, sentimos que estamos mais velhos e a ameaça da Rússia está se aproximando da Europa. É um voo de apenas duas horas de onde eu moro até Kiev, e perceber que essa guerra está acontecendo no nosso quintal nos faz sentir que precisamos ser mais claros sobre nossa posição. Eu aplaudo qualquer um que faça isso, porque é necessário para nós, como Europa, nos unirmos e enfrentar a agressão da Rússia e ajudar a Ucrânia, porque, no momento, a situação não está favorável para a Ucrânia.


Com “Bleed Out” sendo tão diverso em termos de estilos musicais e temas, tem algum aspecto ligado ao álbum ou ao processo criativo que você gostaria de destacar?

Bem, como eu disse, a forma como escrevemos este álbum foi um pouco diferente do normal, com tipos diferentes de guitarras, o que me deu a possibilidade de fazer mais vocalmente e resultou em uma música como a faixa-título, que é mais experimental do que fizemos antes. Isso era algo que eu realmente queria ter, mais experiências, uma abordagem mais experimental. Para nós, já é algo experimental tentar dar um novo passo à frente.

No passado, eu era muito limitada com meus vocais, pois tenho um alcance, mas nunca soarei como um homem, claro, e com a mesma agressividade. No entanto, com as guitarras agora tendo mais cordas, podemos ir mais grave do que antes, e isso me permite cantar em registros diferentes. É um desafio para mim e também para os guitarristas, que tiveram que tocar linhas de guitarra nos teclados e depois repassar para os instrumentos de corda.

Dizíamos aos músicos da banda: ‘Ok, agora vocês tocam isso nas guitarras’. E eles perguntavam: ‘Como? Isso não é possível.’ Mas nós podemos fazer isso, ainda que não possamos fazer aquilo, sabe? Às vezes é fácil para nós, porque alguns de nós não escrevemos tão bem nas guitarras e é mais fácil no teclado [emulado] com sons de guitarra. Mas então é impossível tocar, pois você precisa esticar os dedos até um certo ponto, e há um limite para isso. Então, tivemos que trabalhar junto com os guitarristas para encontrar um meio-termo no som das guitarras, e isso funcionou perfeitamente para mim.


Você mencionou viver no Iêmen quando era criança. Como suas experiências pessoais no Oriente Médio influenciaram as letras de “Bleed Out” e a forma como você aborda questões sociais e políticas na sua vida como um todo?

Embora eu tenha gostado do meu tempo no Iêmen, mesmo sendo tão jovem, com apenas seis anos, estudei em uma escola árabe por um tempo. As pessoas foram super amigáveis comigo, mas eu sempre percebia, sabe, as coisas que as pessoas não dizem, o modo como olhavam para mim como uma garota em geral, não apenas para mim, mas para garotas em geral. Era um mundo muito diferente daquele de onde eu vim, do Ocidente. E aos seis anos de idade, já senti essa diferença. O modo como as pessoas se vestiam era diferente, e também dá para sentir algo mesmo sem as pessoas dizerem.

Sempre senti que as mulheres eram oprimidas, por ser uma cultura diferente, uma cultura muito masculina, em que homens podem andar de mãos dadas, mas mulheres não podem fazer nada. É tão estranho. Para mim, foi como ver as mulheres no Irã, mas também toda uma geração, especialmente os mais jovens, tentando quebrar o regime. Elas querem mais liberdade, enquanto a velha geração e o regime, especialmente os que estão no poder, querem manter tudo do mesmo jeito, mesmo que a voz das pessoas esteja dizendo outra coisa.

Se você quer continuar com sua forma de vida e está feliz com isso, está bem para mim. Mas se muitas pessoas querem uma forma diferente de vida, mais democracia ou mais liberdade para escolher como percebem a religião, eu apoio a voz dessas pessoas. Acho que todos deveriam ter sua própria voz e ser capazes de escolher o que querem vestir ou como querem se apresentar, mas isso vem do Ocidente, claro, e eu reconheço isso. No entanto, quando morava lá, senti realmente que há uma grande diferença entre homens e mulheres.

É preciso reconhecer o poder das mulheres em se posicionar, sabendo que poderiam ser presas ou até morrer por isso. Muitos homens também compuseram músicas em homenagem a suas irmãs, mães e acabaram sendo enforcados apenas por fazer música, por falar sobre o que não é aceitável lá. Quando vi na notícia sobre a morte de Mahsa Amini, isso me tocou muito, fiquei muito triste. Isso imediatamente me inspirou a compor “Bleed Out”, que fala sobre essa garota sabendo que está fazendo algo bom pela última vez, consciente de que não vai sobreviver, mas fazendo porque sabe que é por uma boa causa e por outras garotas depois dela. Isso é muito inspirador.



Como vem sendo a resposta dos fãs a este novo álbum?

A maioria das pessoas realmente gostou. E, claro, é um som um pouco diferente novamente, então às vezes as pessoas precisam se ajustar e realmente se familiarizar com ele. Mas, na maior parte, foi bem positiva. Na minha opinião, as pessoas também sabem que mudamos um pouco com cada álbum, e ele se torna um pouco diferente. Às vezes é difícil para as pessoas, porque muitas vezes, claro, também para mim, quando ouço um álbum que realmente amo, me identifico com a música que escuto. E se o próximo álbum for muito diferente, também preciso me acostumar com o novo som da banda que gosto tanto. Então, às vezes funciona, às vezes não funciona tanto.


O que você espera que eles tirem de “Bleed Out” em termos de mensagem e experiência musical?

O que eu espero é que o que eu queria, o que queríamos fazer com este álbum. Somos contadores de histórias e trazemos notícias, inspirados por coisas que acontecem ao nosso redor, inspirados por nossas próprias vidas. Muitas coisas. Mas, especialmente quando falamos sobre o Irã ou a Ucrânia, é importante para nós que as pessoas percebam que uma notícia de jornal é esquecida no dia seguinte e a vida continua, o que é natural. Eu também faço a mesma coisa.

Mas, se realmente queremos mudar as coisas e apoiar certas pessoas em determinados países, precisamos continuar falando sobre isso e trazendo essas questões à tona. Ao escrever músicas sobre isso, espero que as pessoas comecem a pensar um pouco mais sobre esses assuntos e talvez façam algo, como uma doação ou até mesmo conversar com amigos sobre os mesmos tópicos, para manter esses temas vivos, porque as pessoas nesses países não se sentirão tão sozinhas. Precisamos nos apoiar mutuamente nessa direção, acredito. E não apenas um pouco. Precisamos nos apoiar de verdade e, juntos, podemos fazer essa mudança. Às vezes, eles também precisam de ajuda externa.



O videoclipe de “A Fool’s Parade” foi gravado nas ruas de Kiev. Como foi a experiência de filmar em marcos importantes da cidade durante um momento tão delicado para a Ucrânia?

Eu não pude ir de avião porque não havia voos comerciais. Então, fomos até a Polônia de avião e depois pegamos um trem noturno para Kiev. Foi uma longa jornada para chegar lá. E, quando chegamos, nos deram imediatamente a orientação para baixar o aplicativo de alertas de bombardeios em nossos telefones e configurá-lo para a região em que estávamos. Assim, toda vez que havia um alerta, podíamos chegar a um abrigo com segurança.

Essas coisas são um pouco estranhas quando você vem do Ocidente, onde leva uma vida normal. Você imediatamente se dá conta de que está em um país diferente, que está em guerra. Tivemos que buscar abrigo algumas vezes enquanto estávamos lá.

Senti muitas emoções ao estar lá: tristeza, mas também admiração pelas pessoas que são tão resilientes e unidas na luta contra os russos. Cada pessoa com quem conversei havia perdido alguém na guerra, mas também todos tinham uma história própria sobre algo que aconteceu com eles. Além disso, todos estão fazendo sua parte, trabalhando voluntariamente e doando dinheiro para o exército. Eles são muito unidos e entendem a necessidade de doar dinheiro, pois sabem que essa é a única maneira de vencer a guerra.

Em muitos momentos na Ucrânia, falta munição para revidar, pois não há munição suficiente. Essas situações nos fazem perceber que eles estão na iminência de perder a guerra se não receberem apoio, não apenas de mim, mas de todos. Eles precisam de apoio, precisam de dinheiro, precisam de sistemas de defesa aérea mais avançados do que os que já possuem para se manter seguros. Eles também precisam de munição.

São coisas simples assim. Eles não podem se defender em certos dias e simplesmente deixam acontecer, pois sabem que podem usar apenas uma vez e somente quando for realmente perigoso, e não quando está longe. Isso nos traz a guerra mais perto, nos afeta profundamente. Embora eu tenha ficado lá apenas alguns dias, isso mudou algo em mim e tornou a experiência mais intensa, na minha opinião.


A banda anunciou que todos os royalties de “A Fool’s Parade” serão doados para a Music Saves UA. Como e quando essa decisão foi tomada?

Já fizemos doações de outras formas para a Ucrânia, mas como íamos fazer uma música sobre essa guerra junto com um cantor ucraniano [Alex Yarmak], entramos em contato com a organização. Sentimos que é uma boa organização porque eles tentam ajudar os músicos na Ucrânia, mas também porque a música é muito importante nesses tempos difíceis para eles. E, às vezes, a música é tudo o que você tem quando se sente triste.

O que eles fazem é usar o dinheiro para ajudar os refugiados em seu próprio país, fornecendo roupas, comida e outras necessidades especiais que eles têm. O dinheiro também é usado para construir abrigos para os refugiados. Eles também tentam ajudar os músicos a continuarem tocando, fazendo shows em locais subterrâneos para pessoas que precisam. Além disso, organizam aulas para crianças com TEPT [transtorno de estresse pós-traumático]. Eles fazem muitas coisas boas com esse dinheiro. Então, achamos que é uma boa organização para doar nosso dinheiro.



Quais são suas expectativas para o show no Summer Breeze Brasil?

Paixão, energia. Não vamos ao Brasil há 10 anos, então, vamos com tudo.


O Within Temptation tem uma base de fãs sólida no Brasil. O que diferencia os fãs brasileiros dos demais?

Bem, comparado à Europa, acho que vocês são mais expressivos, dançam mais, sentem a música em cada célula do corpo. É um pouco como os espanhóis, os italianos e os portugueses, sabem? Vocês têm essa mesma veia musical, que mais ao norte da Europa é um pouco diferente, na minha opinião, onde as pessoas na maioria das vezes apenas ouvem e não reagem tanto à música, exceto quando a música termina e elas aplaudem, claro. Mas mover-se ativamente, dançar e receber a música com intensidade é diferente. E eu adoro isso.


Você pode nos dar uma prévia do que esperar da apresentação no Summer Breeze Brasil? 

Vai ser um repertório muito diversificado. Eu acredito que, como não vamos ao Brasil há 10 anos, as pessoas vão querer ter uma variedade. E é isso que vamos fazer. Então, eu fiz um setlist que abrange diferentes épocas do Within Temptation. Foi um verdadeiro quebra-cabeça montar algo que abrangesse todos os álbuns com o tempo que temos para tocar. Mas sinto que fiz o melhor possível e espero que vocês gostem. Vai ser maravilhoso.



Para encerrarmos, o single anterior de “Bleed Out”, “Ritual”, é descrito como inspirado no filme “Um Drink no Inferno”. É o seu filme favorito do Tarantino?

Foi o primeiro filme que vi dele. E foi o maior choque que tive. Tipo, “Meu Deus, o que está acontecendo?” Primeiro parece ser um filme de aventura e, de repente, tudo vira um caos e todos se transformam em vampiros; o que eu não esperava porque não li a respeito antes de começar a assistir. Adorei. Isso me fez apaixonar pelos filmes dele e assisti todos eles. E sim, estou ansiosa pelo próximo.


Qual é o seu favorito, então?

Ah, Deus! É “Django”. Mas devo dizer que todos eles são legais. E “Kill Bill” foi, claro, incrível. Mas sinceramente, qual não é bom? Essa é uma melhor pergunta. “Qual dos filmes dele você não gosta?” [Risos.]



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