ENTREVISTA: Jeff Becerra reflete sobre a carreira do Possessed e o futuro do death metal

 


“Estes têm sido os melhores dias da minha vida”, afirmou Jeff Becerra, vocalista da lendária banda de death metal Possessed, na entrevista que você está prestes a ler. 

Aos 55 anos, Becerra está de malas prontas para voltar ao Brasil como headliner do Kool Metal Fest em São Paulo, no dia 9 de junho (ingressos aqui). A tão aguardada apresentação marca uma oportunidade para os fãs brasileiros se conectarem com um dos grupos pioneiros do gênero, celebrando décadas de influências e inovação, no que promete ser um evento inesquecível para os amantes do estilo. 

O Possessed, que retornou aos holofotes com o aclamado “Revelations of Oblivion” em 2019, está em plena forma, preparando-se para entregar um show visceral que irá focar no icônico álbum “Seven Churches” (1985), que completa 40 anos de lançamento em 2025. Becerra garante que o show será uma verdadeira celebração do death metal, trazendo a vibe old school que conquistou fãs ao redor do mundo.

Como o Kool Metal Fest não será apenas uma vitrine para veteranos do metal, mas também uma plataforma para novas bandas emergentes da cena brasileira, Becerra enfatizou a importância de apoiar novos artistas, destacando que eles são o futuro do metal. Para ele, dar espaço às novas bandas é essencial para manter o gênero vivo e em constante evolução.

Por fim, ao refletir sobre a trajetória do Possessed, Becerra expressa a esperança de que a banda seja lembrada como uma força genuína e apaixonada no cenário musical, que lutou incessantemente para trazer sua arte ao público — e seu compromisso contínuo em lançar novos trabalhos e se apresentar ao vivo demonstra sua determinação em manter o espírito do grupo vivo e relevante para as gerações futuras.

Boa leitura!


Por Marcelo Vieira


Como é para você voltar a se apresentar no Brasil, especialmente em um festival como o Kool Metal Fest, que celebra a diversidade do metal sul-americano?

Estou muito feliz de estar de volta. Sabe, há muito trabalho envolvido nessas turnês. Ainda estamos acertando alguns detalhes, então estamos nos preparando. No momento, estou concentrado na preparação e, tipo, ainda não tenho todas as informações sobre o voo, mas estou tentando resolver isso e focar no show. Estou realmente ansioso para voltar ao Brasil. Eu amo o Brasil e mal posso esperar para estar de volta. Tenho muitas boas memórias e uma ótima história aí.


O que os fãs podem esperar da apresentação do Possessed no Kool Metal Fest? Há algo especial planejado para este show?

Apenas o bom e velho death metal, sabe? Acho que vamos focar bastante no primeiro álbum, pois está para completar 40 anos de lançamento. Vamos incluir algumas músicas de todos os álbuns, mas a ênfase será em “Seven Churches”. Será um show visceral com aquela vibe old school hardcore.


O festival também contará com bandas emergentes da cena brasileira, como Velho e Cemitério. Qual a importância de dar espaço para novas bandas e ajudar a promover as cenas locais?

Eu apoio muito os novos artistas. Amo novas bandas porque elas são o futuro. Muitas pessoas dizem que o metal extremo sempre parece o mesmo, mas isso é porque elas ouvem sempre as mesmas velhas bandas. No entanto, o futuro está nas novas bandas, e sempre há aquela banda nova que pode ser o próximo Megadeth ou Sepultura. A importância das novas bandas é que elas são o futuro. Precisamos delas para que a música continue viva e nunca morra.


Como você recebeu a notícia do segundo infarto sofrido pelo Mantas (Venom Inc.) e qual foi a sua reação?

Jesus, espero que ele esteja bem. Sinto muito por ele, e sei como é. Estive nessa situação, e isso suga suas energias. Mas consegui me recuperar sem sequelas e espero que ele consiga fazer o mesmo, promovendo as mudanças de estilo de vida necessárias. Não sei como ele vive ou se alimenta, mas sei que dieta e exercício são bons para isso. Espero que ele faça o que precisa para ficar conosco por muito tempo. Desejo o melhor para ele.


A saúde física e mental dos músicos é essencial para continuar fazendo música e se apresentando ao vivo. Como você vê a importância de cuidar da saúde como um músico em turnê e o que isso significa para você pessoalmente?

Não sei se sou a melhor pessoa para falar sobre isso porque, em casa, eu não bebo, não faço nada, sou bem tranquilo. Mas digo que é importante cuidar de si mesmo. Você não pode beber e farrear todos os dias e depois sair em turnê ou você vai desmoronar. Fazer turnê é o trabalho mais difícil do mundo. Já trabalhei na construção civil, mas turnê é ainda mais difícil. É cansativo, desafiador e brutal, especialmente para alguém da minha idade. Você tem que amar isso. Muitas bandas se separam porque não conseguem lidar com as turnês, mas uma banda só é uma banda de verdade quando cai na estrada. Isso é o que faz o metal ser único e autêntico.



O Possessed é frequentemente creditado como o grupo pioneiro do death metal. Pode nos contar sobre o processo criativo por trás do desenvolvimento desse som distinto, particularmente no álbum “Seven Churches”?

Para ser sincero, nós éramos apenas moleques. Escrevi “Burning in Hell” quando tinha 11 anos. Naquela época, eu lia muito Edgar Allan Poe e o livro do Apocalipse [da Bíblia]. Sempre gostei das referências a Lúcifer e Satanás na música. Eu era um garoto muito dark e rebelde. Cresci em uma igreja católica, indo à missa três vezes por semana desde cedo. Fiz catequese e tive uma compreensão profunda do que a Bíblia significava para as pessoas e o que ela realmente era.

Os católicos são muito estudiosos; e isso não tem nada a ver com lidar com serpentes ou exorcizar demônios. Minha paróquia era bem acadêmica, com missas em latim e o padre tinha estudado em Harvard. Cheguei a considerar seriamente ser padre, mas queria ter filhos e gostava de metal, então não fazia sentido. Minha luta com Deus e minha jornada de 17 anos para realmente encontrá-lo estão presentes nas minhas letras. Acredito que, ao desconstruir a religião, encontrei Deus de uma forma diferente, olhando para as pessoas e vendo que, se existe um Deus, ele está nelas. Devemos respeitar uns aos outros, independentemente de política ou religião. Se fôssemos mais gentis, o mundo seria muito melhor.


“Seven Churches” foi muito aclamado por sua velocidade e brutalidade, mas “Beyond the Gates” (1986) recebeu uma recepção mista. Pode compartilhar mais sobre as decisões criativas e desafios que influenciaram a direção do segundo álbum?

O Possessed é muito controverso porque fomos a primeira banda de death metal. Quando fui baleado, muitas pessoas começaram a se gabar de serem as primeiras, mas ninguém faz isso na minha frente. Eu sei o que fizemos. Enquanto o Venom tinha o black metal e havia speed metal e thrash metal, decidimos nos estabelecer como death metal porque essa alcunha ainda não tinha sido usada. Escrevi a música “Death Metal” como um hino e nos promovemos como a banda de death metal mais rápida, mais satânica e mais pesada do planeta. Na época, conseguimos isso.

Após lançarmos nossa demo, outras bandas de death metal começaram a surgir, e então percebemos que fazíamos parte de um movimento. Depois que fui baleado, senti que fui expulso do movimento que eu mesmo criei e tive que lutar para voltar. Não é que eu queira elogios, só não gosto de mentiras ou revisionismo histórico.


Gostaria de discutir o impacto do evento traumático em 1989, quando você foi baleado e ficou paraplégico. Como você navegou por esse período difícil e continuou a contribuir para a cena metal?

Lidei com isso como qualquer outra pessoa faria: ou você vive ou morre. Primeiro, tentei me matar com drogas e álcool por cinco anos. Isso não ajuda no processo de recuperação, pois o estresse pós-traumático é real. Passei um tempo em um abrigo, depois aluguei uma pequena casa e me isolei, tocando baixo e escrevendo música. Foi como um experimento ruim com drogas, mas como não morri, larguei.

Entrei para uma faculdade comunitária; fiz um teste de QI enquanto estava desintoxicando, e consegui uma bolsa de estudos. Tirei notas altas, fui representante da minha classe, entrei em sociedades honoríficas e me tornei webmaster. Isso trouxe minha alma de volta. Antes, sentia que estava rastejando pelo deserto sem água. Após a faculdade, senti sede de vida e estava pronto para começar de novo, otimista. Sou um eterno otimista. Todos nós temos nosso fundo do poço e acredito que podemos nos relacionar com isso. Cada um tem sua jornada espiritual e, espero, saímos dela mais fortes.



Após um longo hiato, o Possessed voltou aos holofotes com o lançamento de “Revelations of Oblivion” em 2019. Como a música da banda evoluiu ao longo dos anos?

Principalmente, eu e Daniel Gonzalez [guitarrista] escrevemos aquele álbum. Somos meio que como [Paul] McCartney e [John] Lennon. Tem sido uma honra e uma experiência e tanto porque sou muito influenciado pelos músicos ao meu redor. Daniel é incrível. Ele é engenheiro de som formado e é extremamente profissional. É sempre um prazer trabalhar com ele. Todos na banda são veteranos, exceto Chris [Aguirre II], nosso baterista, que fez sua primeira turnê europeia. Isso trouxe uma energia nova e divertida para a banda. Claro, é um trabalho duro e às vezes frustrante, mas é como fazer um filme ou qualquer outro projeto difícil.


Pode nos dar alguma atualização sobre o progresso do novo álbum do Possessed mencionado em suas entrevistas recentes?

Ainda não estou na metade do caminho, mas se não estivesse em turnê, poderia terminá-lo em seis meses. Não quero apressar as coisas e também dependo dos outros membros da banda. Às vezes sinto que eles são um obstáculo, mas outras vezes sinto que sou eu o empecilho. Estou tentando lançar ainda este ano, mas não sei ao certo.


O que os fãs podem esperar em termos de direção musical e temas?

É diferente, mas ainda é Possessed. É mais parecido com “Beyond the Gates” do que com “Seven Churches”. É como uma fusão dos últimos dois álbuns. Estou experimentando com vocais e harmonias, ainda mantendo o grunhido característico. É um álbum mais “cabeça” e acho que está ficando muito bom.



Olhando para a carreira do Possessed, qual você acredita ser o legado da banda dentro do metal?

Espero que as pessoas tenham ciência de que não vamos viver para sempre. Quando eu morrer, quero ser lembrado como um cara genuíno que amava tocar música e lutou a vida toda para isso. Espero que construam um santuário em minha memória! [Risos.] Brincadeiras à parte, quero ser lembrado e não esquecido. É por isso que precisamos lançar esses álbuns.


O que você espera que os fãs tirem da música da banda?

Espero que se divirtam muito. Quero que o dinheiro que pagam para nos ver seja recompensado com uma experiência inesquecível. Por mim, faria [shows] de graça. Definitivamente, não estou nessa pelo dinheiro. Quero que as pessoas sejam felizes, curtam a música e deixem seus problemas para trás, batendo cabeça com o Possessed.


Por fim, há algo pelo qual você gostaria de expressar gratidão ou reconhecer sobre seu tempo na banda?

Quero agradecer a todos que compram ingressos e apoiam o Possessed. Sem os fãs, eu estaria perdido. Recebi milhares de cartas perguntando quando eu voltaria. Essas cartas foram como um raio de esperança em momentos de incerteza. Acho que a perspectiva de voltar com o Possessed me trouxe de volta à luz da música, da vida e da família. Tem sido uma jornada, uma odisseia. Os fãs sempre estiveram lá me guiando. Estes têm sido os melhores dias da minha vida.



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