Formada em 2009 na cidade de Maastricht, a banda holandesa Lesoir vem conquistando seu espaço no cenário global do rock progressivo com um som distinto e cheio de personalidade. Misturando elementos do rock alternativo, pop e o experimentalismo característico do prog, Maartje Meessen (vocais, letrista, flauta, piano, guitarra, cordas e arranjos), Eleën Bartholomeus (backing vocals, guitarra, synth e percussão), Ingo Dassen (compositor, guitarra, beat programming). Bob Van Heumen (bateria, percussão, backing vocals) e Ingo Jetten (baixo, pedal steel, guitarra, backing vocals) rapidamente se destacaram em turnês pela Europa. Essa fase marcou um período de crescimento, com elogios da crítica e excelente desempenho nas paradas europeias e asiáticas.
Em 2020, com os planos de mais shows interrompidos pela pandemia, o Lesoir encontrou uma forma criativa de se manter ativo, lançando a épica “Babel”, uma faixa de 20 minutos que trouxe à tona a versatilidade e a força criativa da banda. O lançamento, feito em vinil artesanal e acompanhado de uma animação exclusiva, esgotou rapidamente, provando o comprometimento e a conexão da banda com seus fãs. Agora, prestes a lançar seu novo álbum, “Push Back The Horizon”, e com uma agenda recheada para os próximos meses, o Lesoir promete continuar sua trajetória ascendente no cenário internacional. Confira!
Por Marcelo Vieira
Fotos: Harry Heuts / Divulgação
O que significa o título “Push Back the Horizon”?
A ideia para o título do álbum veio de um documentário sobre sítios arqueológicos e a discussão que ele trazia sobre a verdadeira idade desses locais. O resultado científico final não importa tanto, mas a conclusão era que, ao “empurrar o horizonte para trás”, ou seja, ao recuarmos no tempo, vemos mais, aprendemos mais e entendemos mais sobre nós mesmos e o presente. A tradução que o Lesoir faz disso é que nós, como humanos, precisamos voltar mais às nossas raízes e usar habilidades antigas para também sobrevivermos no futuro, já que estamos em um ponto de inflexão. Mudanças são necessárias, e essa transformação pode estar dentro de nós mesmos.
Como vocês descreveriam o som do novo álbum em comparação com os trabalhos anteriores?
A maioria das pessoas provavelmente diria que “Push Back the Horizon” é um álbum mais variado do que seus antecessores. Em termos de solidez e da presença de elementos progressivos, não perdemos nada no novo álbum, mas há uma nuance, pois há mais canções com influências pop. Além disso, o aspecto mais grandioso do quarto álbum, “Latitude” (2017), é perceptível em alguns momentos, também devido à adição de cordas. Sentimos que com “Push Back” nos mantemos dentro dos nossos limites criativos: quando é minimalista, é completamente despojado; quando é grandioso, é pesado e explosivo; e a dinâmica é exatamente o que pretendemos.
Houve alguma diferença significativa no processo criativo deste álbum em relação aos anteriores?
Nosso processo criativo é sempre o mesmo. A base sempre começa em um violão. O Ingo então desenvolve essa ideia em uma demo instrumental completa. Quando uma coleção de demos instrumentais está pronta, isso geralmente traz uma “vibe”, que inspira Maartje a trabalhar no conceito, seja textualmente ou vocalmente. Sempre escrevemos o que sentimos no momento em que estamos fazendo o álbum. Então, o resultado final de um novo álbum pode ser muito diferente dos anteriores, e isso sempre acontece, porque estamos sempre em uma fase nova ou diferente de nossas vidas. Mas, como nos sentimos, isso não altera o processo criativo, que realmente nunca mudou ao longo dos anos.
Quais são as principais influências e temas que permeiam o novo álbum?
Musicalmente, somos atraídos por uma ampla gama de estilos. Pode ser um desafio absorver tudo o que consumimos musicalmente e ainda soar como Lesoir. Já fizemos o álbum progressivo (“Latitude”), o álbum ao estilo Pink Floyd (“Mosaic”, de 2020), uma épica de mais de 20 minutos (“Babel”). E agora, de certa forma, voltamos ao básico: a canção. O prog não desapareceu, mas agora está mais nos detalhes. Em termos de temas, pode-se dizer que o novo álbum “Push Back the Horizon” trata das relações e situações humanas, em relação a como agimos e como deveríamos agir para tornar o mundo um lugar melhor.
Vocês gravaram o álbum em diferentes locais, incluindo o Reino Unido e Maastricht. Como essa diversidade de locações impactou o processo e o resultado final?
Além do fato de que os vocais foram gravados no Reino Unido, nada mais no processo de gravação mudou em relação aos álbuns anteriores. Os membros da banda ainda estavam juntos no estúdio e as faixas básicas foram mais frequentemente gravadas em conjunto. John Cornfield tem seus próprios métodos e, para ele, não importa onde ele tenha que trabalhar. A localização não altera seus métodos, como sabemos após mais de 10 anos trabalhando com ele.
Como foi trabalhar com John Cornfield na produção deste álbum? Como ele contribuiu para o som final?
Trabalhar com John é sempre um prazer. Ele te deixa à vontade e te coloca naquela bolha de criatividade. John entende o que estamos procurando. Um bom produtor amplifica os pontos fortes da banda e/ou da canção, e John sabe fazer isso.
Por que “Under the Stars” foi escolhida como um dos singles principais? Qual a importância dessa faixa no contexto do álbum?
Todos os singles do novo álbum foram escolhidos pela gravadora. Eles expressaram suas preferências com base em estratégia e no que seria mais adequado para um público maior, e nós, como banda, concordamos completamente com isso. “Under the Stars” não tem um significado maior do que outras músicas do álbum. Talvez tivéssemos feito escolhas diferentes como uma banda prog, se fosse por nossa conta, mas confiamos na nossa gravadora, e essa confiança tem se mostrado bem-sucedida até agora.
Maartje mencionou que a inspiração para “Under the Stars” veio de uma experiência pessoal com sua filha. É característico da banda traduzir experiências pessoais em músicas? Quais outros exemplos encontramos no álbum?
“Under the Stars” fala sobre o contraste gritante entre a vida dos refugiados e a de pessoas que têm um lar seguro, como nós. Por exemplo, dormir ao ar livre. Nossa filha gosta de dormir ao ar livre, e para nós isso é uma escolha que leva a uma experiência positiva. Mas e se você não tiver escolha a não ser dormir ao ar livre, porque não tem um teto sobre a cabeça e está fugindo? Se as estrelas não são estrelas, mas foguetes no céu? Se você vive com medo e não tem controle sobre o seu destino? Algo que a maioria das pessoas não consegue imaginar. Basicamente, todas as composições do Lesoir são sobre experiências pessoais, ou sobre se colocar no lugar de outra pessoa ou situação. Por exemplo, “What Do You Want From Me?”, que fala sobre os desafios da sociedade atual, pessoas que perdem cada vez mais a fé no sistema e se sentem abandonadas. Não é uma situação que eu (Maartje) vivencie pessoalmente, mas é algo que vejo em grupos com os quais interajo bastante e acho que merece ser abordado.
Como vocês esperam que “Under the Stars” contribua para aumentar a conscientização sobre a situação dos refugiados?
Principalmente no sentido de que precisamos estar abertos ao que os refugiados enfrentam. Pode parecer algo distante da nossa realidade, mas se o caos se instalasse em nosso país, também desejaríamos que alguém cuidasse de nós. Se queremos fazer o bem, não deve ser apenas para nós mesmos.
Qual é a importância de usar a música como ferramenta para abordar questões sociais importantes?
Abordar questões sociais importantes pode parecer que estamos formulando uma opinião, tomando partido ou, pior, persuadindo os ouvintes a acreditarem no que a banda acredita e a agirem de acordo. Ter uma opinião é bom, mas as interpretações de uma mesma coisa podem ser muito diferentes, e, por isso, errôneas. Em um mundo onde as “fake news” estão por toda parte, é perigoso fazer certas afirmações, pois elas podem ser interpretadas de maneira equivocada. Ainda assim, eu (Maartje) não consigo evitar expor questões sociais nas letras, por causa do meu compromisso social, mas tento me controlar para não fazer declarações ou expressar opiniões que possam ser mal compreendidas. Se não, todos deveriam ser capazes de ouvir a música do Lesoir, e não apenas pelo conteúdo das letras. Assim, potencialmente, os ouvintes também poderiam se afastar. As letras têm um grande poder, e devemos usá-las corretamente.
Como vocês veem a evolução sonora do Lesoir, desde o primeiro álbum até “Push Back the Horizon”?
Basicamente, ainda somos a mesma banda e fazemos o que queremos. Ao longo dos anos, aprendemos melhor o que queremos, especialmente o que não queremos, e a direção que desejamos seguir. Dispensamos a ideia de nos apresentarmos em certos gêneros e nos concentramos no prog. Além disso, escolhemos não seguir pelo caminho mais fácil, o que inevitavelmente nos levou a dar algumas voltas que, às vezes, atrasaram nossa carreira. Aprendemos muito com isso e, como resultado, agora somos uma banda confiante, que sabe o que quer, o que pode fazer e faz o melhor disso.
A turnê com o Riverside em 2019 foi um marco para a banda. Quais foram as principais lições e experiências que vocês tiraram dessa turnê?
A turnê com o Riverside aconteceu em um momento em que estávamos em dúvida, numa espécie de crise de identidade, sem saber se deveríamos continuar ou não. Estávamos prontos para fazer um novo álbum, mas não conseguíamos avançar com isso. As cinco semanas de foco total na música, na vida em banda, no público prog, bem como estar na presença de Mariusz, Piotr, Michał e Maciej, nos fizeram perceber que deveríamos continuar, e também nos trouxeram muita inspiração para novas músicas. O resultado foi o álbum “Mosaic”, com o qual realmente nos estabelecemos na cena prog pela primeira vez e nos sentimos abraçados pelos fãs do gênero.
A pandemia afetou seus planos de turnê em 2020. Como esse período influenciou a banda tanto profissional quanto pessoalmente?
Nós íamos lançar o álbum “Mosaic” em 2020 com uma turnê principal de cerca de 20 shows em maio daquele ano. Mas em março de 2020, ficou claro que esse sonho estava desmoronando. Chegamos longe, mas o clímax não se concretizou. Recebemos bastante atenção naquele ano e fizemos alguns shows online, mas não poder tocar as novas músicas estava afetando muito os membros da banda, e a atenção ao Lesoir foi diminuindo. Então, realmente precisávamos criar algo para nos manter em evidência musicalmente, e fizemos isso com o “Babel”, uma peça épica de prog que gravamos e produzimos completamente de forma independente. Isso coincidiu com o nascimento da nossa filha Nadja (Ingo e Maartje). “Babel” é, na verdade, uma coleção de todas as ideias musicais e criativas que tivemos, combinadas com os altos e baixos que o período da pandemia nos trouxe. Nesse sentido, “Babel” é tudo, e o período da pandemia não foi tão ruim para o Lesoir!
Quais são os planos da banda para os próximos meses? Vocês já têm datas de turnê ou festivais confirmados?
No final de setembro, faremos uma turnê em conjunto com a incrível banda Pure Reason Revolution. Em seguida, teremos uma turnê pelo Reino Unido como convidados especiais da Pure Reason Revolution. E no dia 25 de janeiro, vamos nos apresentar no festival Mid Winter Prog em Utrecht, tocando “Babel” na íntegra mais uma vez.
Como vocês veem a cena do rock progressivo hoje? Quais bandas vocês admiram?
Eu (Ingo) acho que o estigma em torno do gênero prog (música de velhos, nerds, blá blá blá) precisa ser quebrado. Prog está em todo lugar, até bandas de pop como Coldplay escreveram uma grande música prog (“Coloratura”) de 10 minutos. É um gênero empolgante, embora eu não goste de tudo. Para mim, a melodia e a música vêm em primeiro lugar, e o prog pode apresentar isso de uma maneira muito especial. Todos nós ouvimos muita música que não é classificada como prog, e isso influencia muito nossa composição. Não sei se realmente admiramos uma banda de prog, mas todos conhecemos Steven Wilson, Porcupine Tree, Pink Floyd, e também temos o maior respeito por eles. Acho que o diferencial do Lesoir é que fazemos músicas com elementos prog, mas os membros da banda ouvem diferentes tipos de música, e nem tanto prog, para ser honesto.
E como veem o mercado musical atual, especialmente para bandas independentes?
Eu (Ingo) vejo um mercado que oferece oportunidades, com muitas possibilidades de conexão com pessoas de todo o mundo. Mas também é um mundo difícil, onde é preciso persistência, e onde muita música é consumida como fast food, com menos conscientização e respeito pelo trabalho que o artista dedicou. As turnês também se tornaram muito mais caras, e quando a economia está difícil, o setor cultural é sempre o primeiro a sentir os golpes, embora nesse momento seja o que as pessoas mais precisam. Mas seguimos em frente, porque conhecer novas pessoas através da nossa música é a melhor parte.
Por fim, quais são suas expectativas em relação ao público brasileiro? Vocês conseguem ter uma ideia do que os espera aqui com base no que acompanham na internet ou ouvem de outras bandas?
Fazer uma turnê pela América do Sul está na nossa lista de desejos, sabemos por outras bandas que o público é incrível. Esperamos que, em algum momento no futuro, possamos fazer isso acontecer. :)
Conheça a Lesoir:
https://www.instagram.com/lesoirmusic
https://www.facebook.com/lesoir.band
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