ENTREVISTA: Michale Graves revisita os clássicos do Misfits e fala sobre reconciliação, saúde e legado

 


Imagine ter que realizar uma entrevista logo após receber a notícia do falecimento de uma lenda do rock. Aconteceu comigo. Poucas horas depois de a morte de Ozzy Osbourne ser divulgada pela família nas redes sociais, lá estava eu, batendo o papo, que você está prestes a ler, com Michale Graves.

Foi a terceira vez que o entrevistei — a segunda por vídeo — e a terceira vez em que o motivo da conversa foi a iminência da vinda do cantor ao Brasil para shows nos quais cantará, na íntegra, os dois álbuns que gravou com os Misfits: “American Psycho” (1997) e “Famous Monsters” (1999). 

Mas é claro que a conversa não se resumiu a isso. Graves reivindicou seu papel no legado da banda que ajudou a reerguer três décadas atrás — e vislumbrou fazer as pazes com os antigos colegas. Além disso, ele atualizou os fãs sobre seu novo álbum e um livro de memórias, ambos previstos para 2026.

Boa leitura! 


Por Marcelo Vieira

Foto: officialmichalegraves.com


Não tem como começar essa entrevista de outro jeito. Ozzy Osbourne morreu hoje. Como você recebeu a notícia?

Acabei de receber. Do ponto de vista humano, claro, é triste. Ele tinha uma família que o amava profundamente. Mas, cara, que perda imensa para o mundo da música! Eu tenho 50 anos, então lembro bem do começo da MTV. Um dos primeiros clipes que vi foi o de “Bark at the Moon”, do Ozzy, com ele fantasiado de lobisomem. Lembro de ter pensado: “É isso que eu quero fazer. Quero ser um lobisomem e tocar rock and roll”. Então meu coração está bem apertado com a partida do Ozzy. É surreal.


Sem dúvida. Agora, falando da sua volta ao Brasil: os shows vão ter “American Psycho” e “Famous Monsters” na íntegra. Em 2022, você me disse que preferia focar no seu material solo, mas entendia o carinho dos fãs por esses álbuns. Essa turnê é um presente para eles ou sua visão sobre esses discos mudou com o tempo?

É um presente para os fãs. Eu amo essas músicas, não me entenda mal. Amo o Misfits, amo essas músicas, amo tocá-las ao vivo. Claro que estou ansioso para o dia em que possa tocar mais do meu trabalho solo — tenho muitas músicas boas no meu catálogo. Mas não reclamo, de verdade. Me sinto abençoado por essas faixas de “American Psycho” e “Famous Monsters” significarem tanto para tanta gente. Sempre que volto a tocar esses álbuns, encontro muitos jovens — que nem eram nascidos quando esses discos foram lançados — profundamente conectados a essas músicas. Ouço histórias incríveis sobre como elas marcaram momentos importantes na vida das pessoas. É uma bênção poder entregar essa experiência ao público. Só gratidão mesmo.


Você já aceitou que esses dois discos provavelmente serão aqueles pelos quais você será eternamente lembrado?

Sim, e estou em paz com isso. Claro que eu gostaria de controlar a narrativa da minha carreira, escrever meu próprio roteiro… mas o que importa mesmo são as emoções e conexões que criei — e ainda crio — com o público. Se for através desses álbuns que serei lembrado, tudo bem. Porque logo depois de falarem disso, as pessoas também vão comentar sobre a conexão que tenho com meus fãs, sobre as lembranças lindas, a energia dos shows. Quando vejo milhares de pessoas juntas, mãos para o alto, cantando, dançando, sorrindo… é mágico. A alegria no rosto de quem sai de um show meu é algo que não tem preço.


Pelo que você observa nas reações do público, dá para dizer se os fãs preferem mais “American Psycho” ou “Famous Monsters”?

Essa é difícil… Porque “American Psycho” tem “Dig Up Her Bones”, mas “Famous Monsters” tem “Scream” e “Saturday Night”. Acho que o público se divide entre os dois. Mas se eu tivesse que escolher um, diria “Famous Monsters”.


E você? Tem um favorito ou considera os dois como álbuns complementares?

Não consigo escolher. São como filhos, sabe? Tenho orgulho dos dois. Quando ouço “American Psycho”, lembro de mim aos 21 anos, mal sabia cantar. Eu estava começando, tinha até um professor de canto no estúdio comigo. Mas encarei tudo no espírito “Kurt Cobain”, gritando feito um doido. Mesmo assim, amo aquele disco. Ele é cru, intenso. Já em “Famous Monsters”, eu era outro músico. Tinha encontrado minha voz de verdade. Depois de muito estudo, ali eu finalmente aprendi a cantar de forma que me deixava orgulhoso. Então gosto dos dois por motivos diferentes.



Você sente algum receio de voltar ao Brasil e à América do Sul depois daquela turnê complicada em 2019? Ou isso já ficou no passado?

Já ficou pra trás. Aquilo não teve nada a ver com os fãs nem com os promoters locais. O problema foi a agência que me levou. Eles falharam feio, por isso a turnê desandou. E, além disso, eu fiquei muito, muito doente naquela época. Foi a pior fase da minha vida em termos de saúde. Só nos últimos cinco meses comecei a me recuperar de verdade. Seria preciso um bom tempo pra contar tudo o que passei, mas posso dizer que foi sério. E fico feliz em dizer que estou melhorando e me sentindo bem de novo.


Você tirou algum aprendizado importante dessa experiência?

Olhando para trás, até gostaria de ter conseguido continuar aquela turnê. Fisicamente não dava. Em um dos shows, na Colômbia, eu precisei de oxigênio entre as músicas e de cadeira de rodas para sair do teatro. Aquilo me ensinou que sou mais forte do que imaginava. Mas também me ensinou que não posso ser passivo no meu trabalho. Não posso simplesmente confiar que as pessoas ao meu redor vão cuidar de mim ou ter as melhores intenções. A vida não funciona assim, e o meio musical muito menos.


Na nossa conversa em 2022, você mencionou a vontade de fazer as pazes com o Doyle e com o Jerry Only. Teve algum avanço nesse sentido?

Com o Doyle, sim. Somos amigos, ele é um cara incrível. Sou um grande fã dele. Com o Jerry… aí é outra história. Não faço ideia de onde ele está ou por que simplesmente me apagou da história. “Famous Monsters”, “American Psycho”, “Cuts from the Crypt” [coletânea de demos e faixas inéditas lançada em 2001]… tudo foi jogado num buraco negro. A imprensa não fala, ninguém menciona. É como se os Misfits dos anos 1990, com a minha participação, nunca tivessem existido. E eu não entendo isso. Continuo tentando contato com ele até hoje — e vou continuar tentando. Também quero muito conversar com o Glenn Danzig. Mas, sinceramente, o problema não está do lado de cá.


Se você pudesse mandar uma mensagem para o Jerry hoje, qual seria?

Eu reforçaria que o trabalho que fizemos juntos, a música que criamos, tem um significado enorme na vida das pessoas. É uma parte importante da história da música, especialmente da história dos Misfits. Sem “American Psycho” e “Famous Monsters”, os Misfits não estariam colhendo o sucesso que têm hoje — fazendo shows em estádios, tocando em festivais como o Coachella. Nada disso aconteceria sem aqueles discos. A verdade é que as pessoas ainda amam o que fizemos. É disso que eu vivo, é isso que os fãs e os promoters querem ouvir de mim. E isso também é música do Jerry, é música do Doyle. Ninguém toca essas músicas como a gente. E ninguém pode negar que, quando subimos juntos no palco, é algo fora do comum. Eu só queria poder criar com esses caras de novo — ou ao menos ter algum tipo de reconhecimento, nem que fosse uma mensagem, um telefonema. Seria legal. Eu realmente não sei mais o que fazer ou dizer. A questão está com o Jerry. Eu não sei o que está acontecendo.


Você consegue imaginar uma reunião dos Misfits?

Consigo sim. Por isso tento tanto me reconectar com os caras. Não sou exigente, de verdade. Nem sou tão “diva” assim. Rodei o mundo inteiro e, provavelmente, autografei mais “American Psycho” e “Famous Monsters” do que qualquer outro integrante da banda.


Então depende só do Jerry, certo?

Sim, depende do Jerry e do Glenn. No fim das contas, eles poderiam ser heróis. Porque os fãs não se importam com brigas ou mágoas do passado. Eles só ligam para a música. Lembra de tudo que foi dito sobre o Glenn e o Jerry antes da reunião? Assim que subiram juntos no palco, a galera pirou. Foi mágico. Agora imagina incluir nesse contexto alguém que fez parte da história dos Misfits de forma tão significativa como eu — que participou, compôs, gravou, contribuiu com o legado. As pessoas iriam à loucura. Literalmente. A gente teria até problemas porque cabeças iriam explodir! [Risos.]



Mudando de assunto, como anda o Monster Ministry [N.E.: Ministério dos Monstros, empreitada que une evangelização e punk rock destinada ao público jovem]?

O Monster Ministry ainda está em fase de laboratório, por assim dizer. Recentemente, passei uma tarde com um amigo que faz parte do projeto, e a ideia continua viva. Estamos trabalhando nos bastidores para dar vida a isso. Eu gosto muito de colaborar com organizações baseadas na fé. Em breve, vou trabalhar com o Alice Cooper, que tem uma escola nos Estados Unidos com esse perfil, voltada para adolescentes. A espiritualidade é uma parte fundamental da minha vida e influencia diretamente tudo o que faço.


E os demais projetos? Algum em andamento ou perto de se tornar realidade?

Acabei de fechar com uma editora para publicar um livro que venho escrevendo. A previsão de lançamento é 2026. Também estou trabalhando em um novo disco, que deve sair também no ano que vem. Além disso, sigo desenvolvendo roteiros e ideias para filmes. O problema é que a minha estrutura é muito enxuta — basicamente sou eu e, vez ou outra, algumas pessoas que me ajudam. A indústria musical também não é mais como era antes. Conseguir financiamento para projetos é um desafio. Sempre fui mais artista do que empresário, e isso pesa. Mas, felizmente, tenho pessoas ao meu redor me ajudando e me orientando.


Você pode adiantar algo sobre esse novo álbum e o livro?

Sobre o novo álbum, algumas pessoas disseram que tem uma vibe meio David Bowie. Eu também diria que lembra um pouco o “Synchronicity”, do The Police. Sou completamente obcecado por música dos anos 1980 — adoro o som, o estilo, a estética. Então, o material novo vem com muito reverb, baterias grandiosas… bem anos 1980 mesmo.

Já o livro é uma espécie de memorial, focado num período específico da minha vida que acho que desperta curiosidade. Mas também volto à época dos Misfits — conto como entrei na banda, o processo de composição, de onde surgiram certas músicas, os motivos por trás de tudo aquilo. No fim, quero que o livro inspire o leitor. Quero que ele termine a leitura pensando mais positivo, se sentindo mais esperançoso, acreditando: “Talvez eu também consiga realizar meus sonhos.” Vai ser algo que eleva o espírito, um recorte sincero da minha vida.


Pra fechar: o que você gostaria de dizer aos fãs brasileiros que acompanham sua carreira há tanto tempo?

Não sei se existem palavras que expressem minha gratidão. É por isso que, quando subo ao palco, tento mostrar isso com energia, entrega, emoção. Tento me comunicar dessa forma. Um simples “obrigado” nunca é o suficiente.

Sou um cara simples, de vida humilde. Meus sonhos se realizaram. Não sou um astro do rock milionário — moro numa área rural, numa casa caindo aos pedaços — mas sou muito rico quando você mede riqueza pelo amor e pela admiração das pessoas. Então, retribuo esse carinho voltando sempre ao Brasil, tocando com vontade, cantando de verdade e tentando criar algo que faça a vida das pessoas um pouco melhor — nem que seja só por um instante.



A Something Wicked Tour 2025 passa por Brasília (DF), Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), Curitiba (PR) e São Paulo (SP).


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