ENTREVISTA: Chris Boltendahl passa a limpo 45 anos de carreira e comenta uso de IA em capa recente do Grave Digger
Entrevista também disponível em vídeo com legendas em português. Assista no YouTube.
Não julgar o livro pela capa é um desafio nos dias de hoje, especialmente quando tantas delas são geradas por inteligência artificial — sinal de preguiça, descaso, pressa, falta de orçamento... ou un poco de cada.
A arte feita por IA acabou repercutindo mais do que o próprio conteúdo de “Bone Collector” (2024). Segundo o vocalista Chris Boltendahl, o 22º álbum de estúdio do Grave Digger marca um retorno às origens — a tempos pré-teclados — e também um afastamento dos arroubos conceituais e históricos que deixaram de ser novidade e vêm sendo exaustivamente copiados por grupos mais recentes.
Baratos que saem caro à parte, o disco é um dos motivos pelos quais os decanos do heavy metal alemão estão de malas prontas para mais uma turnê pelo Brasil, a décima terceira da carreira.
Reflexões sobre os primórdios que vêm sendo redescobertos pelos melômanos brasileiros à medida que a Rock Brigade Records relança preciosidades de catálogo em caprichadas edições, e sobre as motivações para seguir em frente — resumidas no “amor pelo metal” — também aparecem no bate-papo a seguir com um veterano que se recusa a ser visto como tal. Aos 63 anos, Boltendahl fala das bandas da juventude com o sorriso de quem finalmente conseguiu o tão aguardado novo LP do Judas Priest ou do Van Halen, após horas na fila em frente à loja de discos.
Boa leitura!
Por Marcelo Vieira
O Grave Digger retornará à América Latina em novembro para a turnê Latin America Celebrations, incluindo quatro shows no Brasil. Quais são suas expectativas para esta nova visita?
Como sempre, esperamos que muita gente vá aos shows, que nos divirtamos e que possamos fazer uma grande festa de heavy metal com o público local. Vamos tocar muitos clássicos dos anos 80 e 90 e duas ou três músicas novas do álbum mais recente. Nenhuma música da era Axel Ritt [guitarrista (2009-2023)] — então estamos em boa forma, acredite. Estamos com fome de jogo, e a banda está soando melhor do que há 20 anos.
Esta será a 13ª vez da banda no Brasil. O que torna o público brasileiro tão especial para o Grave Digger?
O público brasileiro é extremamente entusiasmado, selvagem, e vive o heavy metal com cada parte do corpo, sabe? Isso é algo que eu gosto muito. É um tipo de energia que também encontramos, mais ou menos, aqui no sul da Europa.
O itinerário inclui Brasília, Curitiba, São Paulo e Limeira. Os fãs podem esperar diferenças no setlist dependendo da cidade, ou será uma celebração unificada em todos os shows?
Não, não. O setlist será o mesmo em todas as cidades.
O que inspirou o título e o conceito por trás do álbum “Bone Collector”?
Na verdade, não há um conceito desta vez. Fizemos muitos álbuns conceituais no passado — de “Tunes of War” (1996) a “Symbol of Eternity” (2022), foram vários. Mas agora somos uma banda de heavy metal de quatro integrantes. Nunca tivemos teclados de verdade no palco, só ocasionalmente com o Reaper. E agora voltamos a ser uma banda pura de guitarras, baixo, bateria e vocais. Voltamos ao som característico do Grave Digger.
Quando começamos com o Axel e também no início com o Tobias Kersting [guitarrista], ainda usávamos alguns sons de teclado no MacBook, sabe? Mas eu acabei com isso, porque não precisamos mais. As músicas com teclado, quando tocadas sem teclado, soam muito melhor ao vivo. Portanto, com “Bone Collector”, voltamos às raízes do Grave Digger.
Como “Bone Collector” se conecta à tradição do Grave Digger de misturar história e temas sombrios nas letras?
Desta vez, temos apenas temas sombrios. Sem história. Há muitas bandas que agora estão copiando o que fizemos — por exemplo, os Templários. Se você ouvir o novo álbum do Sabaton, está cheio de referências aos Templários e tudo mais. Ei, nós fizemos essa porra em 1998 [com o álbum “Knights of the Cross”], sabe? Por que estão copiando algo que fizemos tantos anos atrás? Fizemos um álbum inteiro sobre os Templários! “Symbol of Eternity” também é sobre eles.
Mas enfim, não precisamos mais fazer discos conceituais. Estamos compondo músicas novas no momento, e elas também são bem diferentes desses trabalhos. Temos preferido temas sombrios e histórias de terror.
De alguma forma você escreveu as letras inspirado pelo que está acontecendo no mundo hoje — guerras, matanças, a ascensão da extrema direita na Europa e nos Estados Unidos, e assim por diante?
Sim, com certeza. Porque, se você ligar a TV, não há outra coisa. Nos EUA, na Ucrânia, em Israel, em Gaza... É uma tragédia. Não chega a me inspirar diretamente, mas é impossível ignorar.
Costumo transformar esses temas em metáforas do heavy metal, ou transportá-los para outra era. Não somos uma banda política, mas lidamos com esses assuntos de forma indireta — transformo tudo isso em histórias e lhes dou uma abordagem diferente.
A arte da capa de “Bone Collector” foi criada com o uso de inteligência artificial. O que levou vocês a escolher essa abordagem?
Foi engraçado, porque, quando li sobre isso, comecei a fazer alguns testes. Fiquei sentado aqui brincando: “Ah, nada mal... outra capa... nada mal...”. Passei dois dias inteiros criando capas do Grave Digger, uma atrás da outra — e cada uma ficava melhor que a anterior.
Depois de mais de 600 capas, surgiu aquela que usamos no fim. Eu disse: “É essa. Eu quero usar.” E, tudo bem, sou um cara velho, sabe? Tenho 63 anos, não estava pensando muito nas consequências. Achei que estava ótimo, aceitei — e aí veio o shitstorm [Risos.]
De qualquer forma, gosto da capa, porque ela representa muito bem a música. Mas já terminamos a arte do próximo álbum — e desta vez ela é pintada à mão novamente!
Como você enxerga o papel da IA no processo criativo da música e na identidade visual das bandas?
Acho que não dá mais para parar, sabe? Tobias e eu, quando compomos, não usamos IA para ter ideias nem nada assim. Mas imagino que muitos jovens usem.
Nós temos o privilégio de sermos caras criativos de outra geração. Já vimos e ouvimos tantas bandas de heavy metal que temos um grande banco de dados na cabeça para criar novas músicas. Mas, para os mais jovens, isso pode ser mais difícil — talvez por isso recorram à IA.
O problema é que, se todo mundo usar IA, daqui a dez anos tudo vai soar igual, sabe?
Quando se trata de compor um novo álbum do Grave Digger, é uma questão de dar aos fãs o que eles esperam ouvir?
Não. Primeiro, escrevemos a música que gostamos, sabe? E, em segundo lugar, pensamos no que achamos que os fãs vão adorar. Mas, antes de tudo, fazemos algo por nós. Às vezes dizemos uns aos outros: “Ei, vamos...”, tipo: “Vamos escrever uma música como ‘Kill the King’, mas no estilo Grave Digger”, sabe?
Também temos nossos ídolos e nossas referências, como Deep Purple, Rainbow e Black Sabbath — bandas que crescemos ouvindo. Usamos essas influências na nossa música, entende? Então não precisamos de IA pra isso. Já temos muitos dados guardados na cabeça.
Alguns fãs da cena metal têm sentimentos mistos sobre arte gerada por IA. Como você responde àqueles que acreditam que as capas de álbuns devem sempre ser feitas por artistas humanos?
Eu sei que muitos artistas humanos também usam IA, sabe? Mas, no nosso caso, sei que os artistas não usaram. Mesmo assim, a capa parece diferente — é muito dinâmica, com cores lindas, e totalmente distinta da anterior. Acho que as pessoas vão perceber que não é uma capa feita por IA.
Aliás, há ferramentas que detectam isso: você pode colocar a imagem lá e o sistema indica rapidamente se é arte feita por IA ou não. E, no nosso caso, é impossível — é 0% IA, sabe?
Esta turnê também celebra os 45 anos do Grave Digger. Olhando pra trás, de quais momentos da carreira da banda você mais se orgulha?
Acho que o 25º aniversário, quando gravamos o “25 to Live” (2005) em São Paulo. Foi um evento incrível. Também me lembro do início, nos anos 80 — 81, 82 — quando fazíamos pequenos shows para quinze pessoas. Eu tocava guitarra, tinha uma bem barata e cheguei a queimá-la no palco, como o Jimi Hendrix! [Risos.]
Aconteceram muitas coisas engraçadas na minha carreira. E este ano também celebramos o 45º aniversário com uma apresentação no Wacken, quando meu filho subiu ao palco conosco, assim como o Uwe Lulis [guitarrista (1986-2000)], para tocar duas músicas. Foi ótimo. São essas pequenas coisas da vida que tornam tudo tão especial, sabe?
O que você acha que foi a chave para o Grave Digger permanecer forte e relevante por quase cinco décadas de heavy metal?
Nós amamos heavy metal. É uma resposta simples, mas verdadeira. Acreditamos no heavy metal. Acho que o metal pode curar muita coisa. Fazer música e ser criativo mantém você jovem. Não há mágica especial por trás disso. O heavy metal é a mágica. E isso é incrível.
Você tem sido a voz e o rosto do Grave Digger desde o início. Como sua relação com a música e com os fãs evoluiu ao longo desses 45 anos?
A relação com os fãs é mais ou menos a mesma. O que mudou foi o espírito da época. Quando eu era garoto, ia à loja de discos e ficava esperando na fila até chegar o novo álbum do Judas Priest, do Van Halen ou de quem fosse. Colocar o vinil no toca-discos era como tocar o Santo Graal.
Naquele tempo, a música era mais parte da cultura. Hoje, com o streaming, é mais como o McDonald’s — algo rápido, passageiro. Você pode ouvir tudo no Spotify, mas a magia por trás da música se perdeu um pouco, sabe?
Mesmo assim, acho que a cena do heavy metal continua diferente. Os fãs de metal ainda são dedicados aos seus ídolos e bandas, muito mais do que em outros gêneros como rap ou pop. Isso é algo de que nos orgulhamos.
A Rock Brigade Records relançou recentemente os três primeiros álbuns do Grave Digger em CD no Brasil. Você poderia comentar o que “Heavy Metal Breakdown” (1984), “Witch Hunter” (1985) e “War Games” (1986) significaram para a banda na época — e como você os vê hoje?
Ah, éramos jovens e vivíamos bêbados! [Risos.] Foi um tempo muito divertido. Há tantas histórias das gravações que eu poderia passar uma noite inteira contando.
Foi uma época boa, diferente. E não quero perder essas lembranças, porque foi tudo muito divertido — inacreditável, mesmo. Sou um cara dos anos 80, e isso me deixa muito feliz. Se eu morrer amanhã, posso dizer: “Ei, me diverti pra caramba!”
Além da turnê, quais são os próximos planos da banda? Os fãs podem esperar talvez um álbum ao vivo dessa celebração?
Sim, haverá um álbum ao vivo. Faremos o último show do ano em 27 de dezembro. Os ingressos já estão esgotados — 750 pessoas — e será em Glauchau, na Alemanha. Vamos comemorar muito!
Esse clube [Alte Spinnerei] vai encerrar as atividades depois do show, e nós seremos a última banda a tocar lá. Vamos gravar tudo ao vivo, e o registro será lançado como CD bônus em 2027, junto com o novo álbum.
Por fim, que mensagem você gostaria de deixar para os fãs brasileiros que estão com vocês há tantos anos e agora se preparam para esta turnê especial?
Se quiser ouvir músicas dos anos 80 e 90 — e também algumas novas — venha ao show. Você não vai se decepcionar, porque estamos na melhor forma das nossas vidas!



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