ENTREVISTA: Søren Andersen fala sobre novo disco ao vivo e exalta longeva parceria com Glenn Hughes

 


Søren Andersen é um daqueles músicos que vivem o rock não apenas como profissão, mas como estado de espírito. Guitarrista, compositor e produtor dinamarquês, ele tem no currículo colaborações com nomes de peso como Glenn Hughes, Marco Mendoza e Mike Tramp — sempre transitando entre a energia do hard clássico e a precisão de estúdio de quem entende profundamente o ofício. No palco, é a força motriz que sustenta a voz lendária de Hughes; fora dele, é um alquimista do som, capaz de capturar a intensidade e o calor analógico que tanto marcaram as grandes produções dos anos 70 e 80.

Em conversa exclusiva, Andersen fala sobre o processo criativo e a presente turnê ao lado de Glenn Hughes, a importância do feeling na guitarra em tempos dominados por tecnologia, sua carreira solo — que acaba de ganhar novo capítulo com o lançamento do ao vivo “Live In The Homeland” — e a experiência de equilibrar palco e estúdio sem perder a autenticidade.

Boa leitura!


Por Marcelo Vieira


“Live In The Homeland” é seu primeiro álbum ao vivo lançado sob seu próprio nome. O que ele representa para você, pessoal e profissionalmente?

Em poucas palavras, “Live in the Homeland” é o registro ao vivo do álbum que gravei em estúdio em 2019 [“Guilty Pleasures”]. Depois de alguns shows e turnês, decidimos gravar uma apresentação completa na minha cidade natal [Fredericia]. Quando ouvimos as faixas, pensei: “Espera aí, isso tá realmente bom!”. Então eu e a gravadora resolvemos apostar numa boa mixagem, limpar as fitas… e o resultado superou minhas expectativas.

Esse disco representa exatamente como meu trio soa ao vivo. É algo épico para mim ter isso eternizado num álbum, principalmente porque, até agora, tocamos basicamente só na Dinamarca. Então, para quem está fora do país e tem curiosidade, esse disco é um belo retrato do que é o nosso som ao vivo. Significa muito para mim e tenho muito orgulho dele justamente por ser 100% ao vivo.


Você mencionou que aquele show foi “o melhor da turnê”. O que tornou aquela noite tão especial a ponto de virar um álbum?

Primeiro, o local. Foi na minha cidade, num grande teatro chamado Ikseser House. Toda a estrutura — som, palco, equipe técnica — é simplesmente sensacional. Estávamos empolgados. Era época do Covid, então o público estava sentado, mas o lugar praticamente lotou.

Além disso, como era um dos últimos shows da turnê, já estávamos bem afiados, super entrosados com o repertório. Tudo fluiu muito bem. Ainda bem que gravamos e que também tínhamos câmeras programadas para aquela noite. Então virou vídeo também — está completo no YouTube e no Spotify, pra quem quiser assistir ao show inteiro.


O que você mais admira na dinâmica e na performance do Michael Gersdorff [baixista] e do Allan Tschicaja [baterista] — individualmente e na sinergia do trio?

Antes de tudo, eles são músicos incríveis. O Allan, todo mundo conhece como baterista do Pretty Maids há mais de 15 anos. Já o Michael é tipo uma arma secreta — não toca com muita gente, mas tem um estilo próprio.

Criamos um som muito característico juntos. Inclusive, você provavelmente vai me perguntar isso mais adiante, mas já adianto: decidimos gravar um disco juntos no estúdio, ainda sob meu nome, mas com a participação integral do Michael e do Allan. Eles têm muito a acrescentar. Esse é o plano para o futuro.


O press-release descreve “Live In The Homeland” como “uma jornada instrumental divertida com solos de guitarra proibitivamente longos”. O que você busca transmitir com a música instrumental, e o que te fascina nesse formato?

Olha, sempre amei trilhas de filmes e temas épicos — Jurassic Park, Star Wars, Ghostbusters, Top Gun… Aquela sonoridade grandiosa dos anos 80 e 90. Também curto música clássica e, claro, os mestres como Joe Satriani e Steve Vai.

Eu tinha várias composições guardadas e pensei: “Quer saber? Vou gravar e lançar. Vamos ver no que dá”. E deu certo. A música instrumental de guitarra voltou a ter espaço. Curto demais essa cena de guitarristas no YouTube, como Guthrie Govan e Gus G, entre tantos outros nomes que estão se destacando.

Então, segui meu próprio caminho com esse disco e agora com o álbum ao vivo. E tudo indica que vamos ficar bem ocupados com isso. Estou realmente orgulhoso do trabalho.



Joe Satriani te elogiou muito pelo trabalho no álbum “Resonate” (2016), do Glenn Hughes, dizendo que seu estilo é “clássico e futurista ao mesmo tempo”. Como você define sua abordagem à guitarra e o que busca expressar através dela?

Cresci ouvindo os clássicos. Gary Moore, Ritchie Blackmore, Van Halen, Angus Young… Todos esses guitarristas dos anos 70 e 80 foram minhas grandes influências. Eram músicos poderosos, com timbres crus, mas cheios de energia.

Depois vieram Satriani, Vai, Nuno Bettencourt, Paul Gilbert… E mais tarde comecei a curtir caras como Jack White, Tom Morello, Matt Bellamy do Muse. Guitarristas que levaram o instrumento a outros patamares.

Então, quando vejo o Satriani dizendo que curte meu jeito de tocar e que me considera um guitarrista relevante, é um baita reconhecimento. Foi um dia muito feliz pra mim. Significou demais.


O Glenn Hughes fechou a primeira noite do Bangers Open Air, em maio (veja como foi). Como foi tocar em um festival desse porte no Brasil? Você sentiu uma energia diferente do público brasileiro?

Com certeza. O Brasil é um mercado muito forte para o Glenn. Já estive aí com ele umas sete ou oito vezes e sinto que, graças a ele, conquistei meu próprio público no Brasil e na América Latina.

Sou muito grato por ainda estar na banda dele. E, cara, amo tocar no Brasil. A maneira como vocês vivem a música é única. Se damos um bom show, sentimos na hora a resposta da plateia. E parece que voltaremos no segundo semestre com o Glenn. Mal posso esperar.


Você está com o Glenn Hughes há 15 anos. Como começou essa parceria e como ela evoluiu?

Conheci o Glenn no NAMM Show [N.E.: Uma das maiores feiras de comércio da indústria musical do mundo], em Los Angeles. Mas já tinha visto ele ao vivo em Copenhague uns 20 anos atrás. Olhei para o palco e pensei: “Um dia, vou tocar com esse cara”. Ele sempre foi meu ídolo, principalmente pela fase no Deep Purple.

Quando comecei a trabalhar para a TC Electronic, usei o NAMM como ponto de partida. Fui rastreando até encontrar quem cuidava da carreira dele. Me apresentei com fotos, vídeos, cartão de visita… tudo o que podia.

Até que, um dia, recebi o e-mail da equipe dele: queriam me testar em alguns shows. Isso foi há 16 anos. Desde então, estamos juntos.


Glenn está prestes a lançar um novo álbum, “Chosen”. O que você pode antecipar?

Se você curte o “Resonate”, vai gostar — é quase como um volume dois. Gravamos no mesmo estúdio, com o Ash Sheehan, nosso baterista há cinco anos.

A ideia inicial era um álbum orquestrado, cheio de elementos. Mas à medida que trabalhávamos, o Glenn percebeu: “Isso aqui é um disco de trio”. Voltamos às raízes, numa pegada mais Trapeze. E vamos sair em turnê nesse formato — só nós três. Já fizemos isso nos EUA e na América do Sul antes.

Como guitarrista, é um desafio — sem teclados, a responsabilidade é dobrada. Mas adoro isso. Estou muito empolgado com essa nova fase do Glenn.



Os próximos shows no Brasil foram anunciados como “turnê de despedida”. É isso mesmo?

Sim, pode-se dizer que é o começo da turnê de despedida. O Glenn faz 74 anos em breve e acho que essa é a maneira dele dizer: “Talvez não tenha muitas outras turnês por vir”.

Mas isso não significa que ele vai parar. Ele pode continuar fazendo shows pontuais, gravações… Só que uma turnê de três meses, como faremos entre setembro e novembro, é bem puxada. E ele precisa cuidar da saúde.


Vocês já conversaram sobre uma aposentadoria definitiva?

Não. Acho que o Glenn nunca vai se aposentar de verdade. Ele vai fazer música enquanto puder se mover. Mas, claro, uma coisa é fazer dois ou três shows. Outra, é passar três meses na estrada. Ele sabe disso e eu respeito completamente. É uma rotina desgastante — aviões, ônibus, hotéis…


Essa turnê promete um repertório mais amplo que os anteriores. Podemos esperar faixas do Trapeze, dos projetos Hughes/Thrall, Hughes/Turner e da carreira solo dele?

Com certeza. Vamos visitar todos os cantos da trajetória do Glenn. O trabalho com o Tony Iommi, a parceria com o Joe Bonamassa, Trapeze, Purple… tudo.

Se você é fã do Glenn e quer ouvir músicas de diferentes fases da carreira, essa é a sua chance.


Uma das maiores expectativas dos fãs no Brasil é ouvir Glenn cantar algo do Black Sabbath. Existe essa possibilidade?

Boa pergunta. Teremos uma lista bem extensa de músicas, e durante os ensaios vamos ver o que funciona no formato trio e o que o Glenn se sente confortável em tocar.

É importante lembrar que ele é um cara sensível, e o período com o Sabbath foi muito difícil para ele — começo dos anos 80 foi o fundo do poço mesmo.

Mas acredito que alguma coisa da parceria com o Iommi, como o álbum “Fused” (2005), deva entrar no set. Ainda não sei se “No Stranger to Love” ou “Heart Like a Wheel” serão tocadas, mas vamos explorar bastante material, sim.



Além da guitarra, você também é produtor no Medley Studio. Como isso influencia sua forma de tocar e compor — e vice-versa?

Boa pergunta. Eu me considero, acima de tudo, um fanático por música. Vivo e respiro música 24 horas por dia. Tenho um estúdio grande a 15 minutos daqui, mas também trabalho no meu home studio — como estou fazendo agora.

Trabalho cerca de 10 horas por dia desde os 10 anos de idade. Produzir, gravar, compor, mixar… tudo faz parte de um mesmo universo para mim.

Quanto mais eu toco, melhor produtor me torno. Quanto mais produzo, melhor compositor fico.


Você tem algum projeto de produção que o deixou particularmente orgulhoso?

Sem dúvida, o “Resonate”, do Glenn Hughes. Acho que é um álbum incrível. Também tenho muito orgulho de tudo que fiz com o Mike Tramp, do White Lion — produzo e mixo os trabalhos dele há 17 anos. Os discos do Tygers of Pan Tang, do Reino Unido — mixei dois deles. As gravações com o Marco Mendoza também são muito legais.

E tem ainda o Thunder Mother — não sei se você conhece, mas é uma banda sueca de rock formada só por mulheres. Elas estão crescendo muito, em todos os lugares por onde passam.

Para mim, cada disco é como um filho. Quando vejo que meu trabalho ajudou uma banda como o Thunder Mother a sair em turnê, é uma pequena vitória. Não estou na banda, mas de certa forma, estou.


Além de tocar e produzir, você também compõe — tanto para seus projetos quanto para outros artistas. Como funciona seu processo criativo? Há diferença quando escreve para si ou para os outros?

Sempre preferi compor em parceria. Minhas músicas instrumentais vêm de dentro, são 100% minhas, mas quando se trata de letras, melodias e vocais, prefiro dividir com alguém.

Sou um cantor razoável, mas Steven Tyler e Glenn Hughes são bem melhores que eu! Então, para canções com vocal, gosto de colaborar. Conheço meus limites. Meu inglês é bom para conversação, mas escrever letras em uma segunda língua já é outra história.

Sempre penso no que chamo de servir à música. Ou seja, o que essa canção precisa? O ego vem em segundo plano. Se a música pede só um piano e um violino, é isso que vamos fazer. Se pede seis guitarras e o Chad Smith na bateria, é o que vamos buscar. Sempre sirvo à música. Sempre.


Você participa de várias clínicas internacionais para marcas de equipamentos, reconhecido por sua atenção ao timbre. O que significa, para você, buscar o “som perfeito”? Quais aspectos são mais importantes nesse processo?

Uso alguns princípios tanto para o meu som de guitarra quanto na mixagem. A música precisa soar incrível em volume baixo e também quando estiver no talo. E isso é difícil de alcançar.

Você sabe como é — depois de umas cervejas e com o som alto, tudo parece maravilhoso. Mas o desafio é fazer soar bem numa quarta-feira à noite, em volume baixo, com você sentado em casa.

É por isso que álbuns como “Nevermind” [do Nirvana] e “Back in Black” [do AC/DC] são tão lendários. É por isso que caras como Kevin Shirley são mestres — eles conseguem fazer a mixagem funcionar em qualquer volume, em qualquer ambiente.

O que eu mais busco é energia. Energia no timbre da guitarra, na mixagem, na masterização… Precisa ter impacto, presença e força.


Com toda a sua experiência em estúdio e na estrada, quais foram as maiores transformações que você viu na indústria musical nas últimas décadas?

O streaming. Isso mudou tudo — a economia da música, a forma como mixamos e como divulgamos as bandas.

O YouTube é incrível e o streaming também tem seu lado bom, porque minha música está disponível no mundo inteiro — inclusive no Brasil — por causa disso.

Eles praticamente não pagam nada aos músicos, mas é a realidade. Todo mundo está no mesmo barco. Qualquer pessoa pode subir sua música.

Eu aceitei essa nova realidade. E tudo bem — porque o lado positivo é que agora minha música pode ser ouvida na África, em Tóquio, em São Paulo… Isso é fantástico.



Olhando para o futuro: existe algum projeto musical que você ainda sonha realizar? Alguma colaboração dos sonhos?

Enquanto o Glenn estiver na estrada e quiser continuar, estarei com ele — como guitarrista, parceiro e produtor.

Seria legal levar essa parceria a um novo patamar. Tocamos em grandes festivais, mas imagina sair em turnê com Glenn Hughes e Slash, ou Glenn e o Mammoth WVH? Ou fazer algo com outro grande nome junto dele? Eu adoraria.


Que conselhos você daria a jovens guitarristas ou produtores que sonham em seguir um caminho parecido com o seu?

Primeiro: tenha a mente aberta. Às vezes, um trabalho que parece pequeno pode abrir portas inesperadas.

Por exemplo: aceitei ser demonstrador da TC Electronic. Três anos depois, estava em turnê com Marco Mendoza e Tommy Aldridge. Se tivessem me contado isso quando eu tinha 16 anos, minha cabeça teria explodido!

Isso só aconteceu porque aceitei pegar um voo para Los Angeles e apresentar os produtos da marca na feira NAMM. Então, diga “sim” para as oportunidades que apontam na direção certa, mesmo que não sejam perfeitas.

Outro ponto: mantenha o ego sob controle. Não seja egoísta. Senão, pode acabar sabotando a própria carreira antes mesmo de começar.

Se tiver um ensaio ou audição às 18h, chegue às 18h em ponto. Fique longe das drogas. Beba só depois do show — e com moderação. Seja profissional e esteja sempre preparado.

Quando fiz a audição com o Glenn, tivemos só um ensaio e eu já sabia todas as músicas. Ele ficou surpreso e disse: “Você realmente fez a lição de casa”. E eu respondi: “Claro, é o Glenn Hughes!”.

Também cuide do seu equipamento — pedais, cabos, fontes… Tudo precisa estar funcionando perfeitamente para a estrada.

Resumindo: seja profissional em tudo. Isso ajuda — e muito.


“Live In The Homeland” está disponível em CD, LP e download digital no Bandcamp. Adquira “Chosen” em CD na loja oficial da Shinigami Records


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