ENTREVISTA: Rudolf Schenker relembra 60 anos de Scorpions, a força do Brasil e os bastidores do novo registro ao vivo
Conversar com Rudolf Schenker é como abrir uma janela direta para seis décadas de história do rock. Em apenas dez minutos de entrevista, o fundador e guitarrista do Scorpions mostrou por que seu nome ocupa um lugar especial no panteão do gênero: fala com entusiasmo juvenil, memória afiada e a convicção de quem viu — e ajudou — o rock a conquistar o mundo.
Entre lembranças do histórico show em Hanôver, reflexões sobre “Wind of Change” em um contexto de nova guerra, a conexão profunda com o público brasileiro e novidades sobre o aguardado “Coming Home Live”, Schenker entregou um bate-papo curto, mas carregado de peso, histórias e significado. Uma conversa breve, porém inesquecível — como a trajetória da banda que ele ajudou a erguer.
Por Marcelo Vieira
Fotos: Leandro Almeida
O Scorpions voltou à cidade natal, Hanôver, para celebrar os 60 anos da banda, e a gravação desse show será lançada como “Coming Home Live”. Como você descreveria aquela noite emocionalmente, musicalmente e pessoalmente?
Foi mágico. Simplesmente mágico. Inacreditável. E estamos muito felizes por termos registrado tudo de uma forma bem diferente do que se costuma fazer em álbuns ao vivo, com câmeras tradicionais e coisas do tipo. Usamos drones — uma equipe inteira especializada, um time dos sonhos que gravou tudo com drones passando entre as minhas pernas, sobrevoando a bateria e captando imagens extraordinárias. Foi uma filmagem muito especial, que deu ao projeto uma nova dimensão e uma nova energia.
A emoção daquela noite foi incrível, porque representou exatamente o que a música faz: unir as pessoas. A cidade inteira estava tomada — os hotéis estavam esgotados porque fãs do mundo todo queriam estar no show, mesmo que nem todos pudessem entrar. Alguns ficaram do lado de fora, outros dentro. Nosso promoter criou efeitos enormes com braços mecânicos levantando faixas coloridas no ar. Teve pirotecnia, teve de tudo. E nós gravamos tudo isso.
Ainda bem que decidimos registrar aquele momento. Inicialmente, convidamos Herman [Rarebell, ex-baterista], Uli [Jon Roth, ex-guitarrista] e outras pessoas da nossa história para participarem, mas percebemos que, se gravássemos o álbum, não poderíamos mudar a estrutura do palco nem colocar outros amplificadores. Então, mantivemos os convites, mas dissemos que não poderíamos colocá-los no palco. Por isso, o que você tem ali é uma performance pura do Scorpions, registrada por drones.
Um dos primeiros materiais divulgados do álbum foi a versão de “Wind of Change”, na qual a banda alterou os versos iniciais em apoio à Ucrânia. Uma canção que celebrava o fim de uma guerra agora pede o fim de outra. O que significa para você apresentar essa música nesse novo contexto?
No nosso mundo, temos o conceito do yin e yang — nada permanece igual para sempre; tudo está sempre mudando. “Wind of Change” nasceu de algo único. Fomos parte da revolução mais pacífica da história. Sem tiros, sem armas — nada. O Muro [de Berlim] simplesmente caiu. É inacreditável. E o Klaus [Meine, vocalista] captou esse momento porque, um ano antes, tínhamos feito 10 shows em Leningrado. Eu já havia dito em um ensaio, em 1983: “Pessoal, precisamos ir à Rússia.” “À Rússia? Por quê?” Porque queríamos mostrar ao mundo que uma nova geração estava vindo da Alemanha — não com tanques, mas com guitarras, levando amor, paz e rock and roll. Amor é “I Love You”, paz é “Wind of Change”, e rock and roll é “Rock You Like a Hurricane”.
Fizemos então 10 shows em Leningrado, para 11 mil pessoas por noite — com uma banda russa como abertura. Viramos amigos deles. Um ano depois, tocamos no festival Moscow Music Peace Festival, com Bon Jovi, Ozzy Osbourne e tantos outros. Estávamos diante de 110 mil pessoas. O mundo já estava mudando, e a inspiração veio enquanto caminhávamos ao lado do rio Moscova.
Quando decidimos lançar a música, a gravadora não queria que mantivéssemos o assobio — “rock and roll não tem assobio”, disseram. Respondemos: “Testamos tudo, e o assobio funciona melhor que qualquer coisa.” Hoje eles reconhecem: “Vocês estavam certos.” A música virou a trilha sonora da revolução mais pacífica da Terra.
Depois gravamos em russo. A rádio tocava a versão em inglês de manhã e à meia-noite, então sugeri ao Klaus: “Precisamos fazer em russo, assim todos entenderão.” Ele disse que seria difícil, mas encontramos uma forma. Gravamos na Holanda. Eu disse: “Se fizermos isso, quem sabe o Gorbatchov não nos convida ao Kremlin?” Ele pirou — achou absurdo. E o que aconteceu? O jornal Bild nos ligou dizendo que o gabinete de Gorbatchov havia telefonado. Ele queria nos receber no Kremlin. Entramos pelo Portão 13, por onde passam chefes de Estado, e tocamos “Wind of Change” lá dentro. Isso é rock and roll.
Tocamos em 83, 84 países. Quando perguntavam ao Metallica em quantos países eles haviam tocado, eles diziam: “Perguntem ao Scorpions. A gente vai onde eles já foram — porque isso significa que é seguro.” Fomos realmente parte da revolução mais pacífica da história, e isso é o que a música representa.
O Scorpions tem uma relação longa e significativa com o Brasil, desde a apresentação histórica no primeiro Rock in Rio, há 40 anos. O que torna o público brasileiro e essa conexão tão especiais para a banda?
A emoção. A intensidade. Vocês têm emoções fortíssimas, e quando estamos no palco sentimos isso como uma onda — é avassalador. Tocamos inclusive na selva amazônica. Tocamos em Manaus, fomos para a floresta, jantamos com pessoas da região — comemos carne de crocodilo, nadamos no Amazonas com os botos, onde o rio Negro encontra o Solimões. Foi incrível. A atmosfera é única. Quando você sente isso e sente o carinho do público, você sabe que é bem-vindo.
No ano que vem haverá grandes festivais no Brasil, incluindo Monsters of Rock e Rock in Rio, ambos já encabeçados pela banda. Os fãs podem esperar o retorno do Scorpions?
Se nosso agente aparecer com a proposta, diremos “sim” na hora. Sem dúvida.
Na minha resenha do show do Scorpions no Monsters of Rock, escrevi: “Rudolf Schenker, 76 anos, seguia pulando e girando sua guitarra Flying V como se fosse um garoto em seu primeiro festival.” De onde vem essa energia e esse entusiasmo?
É porque eu tenho energia! Quando comecei a banda, sem energia nada teria acontecido. Além disso, aprendi técnicas de ioga e meditação que ajudam muito. Existe um conjunto de fatores importantes para construir uma carreira especial. Quando jovem, eu jogava futebol, mas a música acabou me levando para outro caminho. Tive as pessoas certas ao meu lado e sempre empurrei todos para irmos mais longe: “Vamos tocar em outros países.” Cantávamos em inglês e os alemães riam: “Por que cantar em inglês?” Como não nos queriam, fomos para fora: França, Bélgica, Inglaterra.
Eu era o empresário nos primeiros anos. Fiz a banda assinar um contrato com uma cláusula dizendo que, se tocássemos ao vivo em um país, o álbum teria de ser lançado ali. Funcionou: onde tocávamos, o disco saía. Assim, quando chegamos à Inglaterra, os alemães diziam: “Esse Scorpions é mesmo o nosso Scorpions?” Eles não acreditavam.
Para encontrar esse caminho, é preciso energia e técnica. Meditei muito. Isso me deu inspiração para compor e para tomar decisões que levaram a banda ao Top 30 do rock mundial. Quando um jornalista me perguntou em 1971: “Qual é o seu objetivo?”, respondi: “Ser uma das 30 maiores bandas de rock do mundo.” E chegamos lá.
Se você tivesse que escolher um momento desses 60 anos em que pensou: “É isso que o Scorpions representa”, qual seria?
O US Festival, em 1983, na Califórnia. Quando fomos convidados, estávamos gravando “Love at First Sting”. Tivemos de interromper as gravações porque “No One Like You” era um grande hit nos Estados Unidos e queriam que fôssemos co-headliners com o Van Halen. Eles fecharam a noite; nós tocamos antes. Antes de nós tocaram Ozzy, Triumph e outros. Foi um início monstruoso. Ganhamos a atenção do público com cinco jatos sobrevoando o palco, e o anúncio foi: “Senhoras e senhores, diretamente da Alemanha: Scorpions!” Mais de 360 mil pessoas. Inacreditável.
Fomos os reis daquele festival. Um ano depois, lançamos “Love at First Sting” com “Rock You Like a Hurricane”, “Still Loving You”, “Big City Nights” e mais. Mais tarde, fizemos uma pausa por cansaço, mas logo veio a ideia que mencionei: tocar na Rússia. Você precisa de metas — não pode cair na rotina. Metas te fortalecem e te movem.
Um filme biográfico do Scorpions está em desenvolvimento. O que você pode nos contar?
Fomos procurados há uns seis ou sete anos por um produtor de Hollywood que queria fazer um filme. Achamos que era brincadeira, mas depois o encontramos durante uma turnê nos EUA e percebemos que ele era sério. O nome dele é Ali [Afshar]. Ele já havia feito um filme sobre sua própria trajetória — vindo do Irã para os EUA — e queria contar a história do Scorpions com atores. Eu adoro o ator que me interpretará [Alexander Dreymon]. O Klaus também adora o seu [Ludwig Trepte]. Ele quer mostrar nossa carreira para o mundo inteiro, em parceria com a Fox e a Warner Brothers. É um projeto grande, bem-feito, mostrando a trajetória do Scorpions.
“Coming Home Live” está em pré-venda na Universal Music Store do Brasil nos formatos CD duplo (R$119,90) e LP duplo (R$349,90 a versão em vinil preto e R$369,90 a versão em vinil colorido). A previsão de estoque é 20 de fevereiro de 2026.



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