ENTREVISTA: Um ano de “Discharge” (Electric Mob) com Renan Zonta e Ben Hur Auwarter



Em 2020, quatro “piás” de Curitiba (PR) lançaram seu disco de estreia por uma das principais gravadoras da atualidade. “Discharge”, presença garantida em muitas listas de melhores do ano e o primeiro álbum do Electric Mob, lançou as bases estilísticas e comportamentais de um novo hard rock possível: ousado a ponto de admitir influências de (muitos) outros gêneros e com personalidade para não tomar para si realidades e temáticas que não lhe pertencem. Em outras palavras: nada de pagar de oitentista e se limitar aos horizontes previamente explorados por Mötley Crüe, Ratt e afins.

Desde então, Renan Zonta (vocais), Ben Hur Auwarter (guitarra), Yuri Elero (baixo) e André Leister (bateria) vêm colhendo os frutos da maior aceitação de uma banda brasileira pelo público estrangeiro que não se vê em muito tempo. Os números e as conquistas falam por si, mas não foram capazes de subir à cabeça dessa rapaziada que, ainda na casa dos vinte e poucos anos, mantém a disciplina dos pés no chão com a disposição e responsabilidade que muitas vezes faltam aos veteranos. Numa sexta-feira à noite, “num frio do c* da foca”, Renan e Ben Hur se disponibilizaram para trocar uma ideia e refletir sobre o primeiro ano de “Discharge”, além de oferecerem vislumbres do que está por vir.

Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Divulgação


Marcelo Vieira: Após mais de um ano do lançamento do “Discharge”, vocês lançaram um clipe para “your ghost”, talvez a faixa de caráter mais pessoal do disco e, sem dúvida, a mais fora da curva musicalmente falando. Vocês poderiam comentar um pouquinho a respeito dela e de como como está sendo a resposta a ela?

Renan Zonta: Desde o começo idealizamos a feitura de um clipe para essa música, bem especial para nós logo quando concebida e foi a última a ser composta para o “Discharge”. Queríamos uma balada com significado e que tivesse sentimento e coração. Foi muito louco porque, quando do lançamento do disco, ela não foi aceita de cara pelo público. Houve algumas pessoas que não entenderam a proposta e até criticaram a sua presença no álbum. Agora, com o lançamento do clipe, esse fato deu luz a muitas pessoas, principalmente com o significado que já tinha, e assim continuou. É uma música que persiste e só cresce e ganha novos significados; é muito louco isso. 

Sobre a resposta, a galera tem se identificado muito. E parto do princípio de que, quando você lança um clipe para uma música, ela passa a ser uma música nova, se renova, mas porque passa a ser vista como “a música nova do Electric Mob”. Pô, a música está aí faz um ano, e foi muito bom ter essa resposta. Não estamos tendo números exorbitantes iguais a “Devil You Know” principalmente por conta de como funciona o mercado. Faz um ano que saiu o “Discharge”. Seria então chegado o momento de um lançamento realmente novo. Era o que queríamos desde o início, ou seja, logo do lançamento do disco. Demorou um pouco, mas é muito gratificante o resultado, pois mexe muito com a gente também esse lance sentimental de a galera se identificar com a música e com a nossa história. É uma coisa que nos deixa bem emocionados.


MV: O momento configura isso; permite e incentiva que se fale de sentimentalismo sem que pareça algo banal. E até a linguagem desse clipe novo tem essa carga, é bem emotivo. O que você falou de a música ser “nova” por conta do clipe, eu acho que não é só isso. O “Discharge” já saiu na pandemia, porém, cara, tanta coisa aconteceu na vida de todo mundo de lá para cá que não vou dizer nem que as pessoas estão com mais boa vontade, vou sim dizer que estão mais inclinadas realmente para esse tipo de transbordamento de emoção, que é realmente o que essa música promove.

RZ: É que se dá um fenômeno muito grave nesse tipo de situação, em que o sofrimento é tão grande para tantas pessoas e nos compadecemos da sua dor nessa pandemia que realmente nos dá essa liberdade de sentimentos pela dor alheia, uma coisa incomum no nosso dia a dia. Temos tanta coisa para fazer — trampos e contas, problemas e tal — que nos leva a blindar muito e, realmente, não foi uma estratégia do Electric Mob lançar algo sentimental na pandemia para comover ainda mais as pessoas. Foi simplesmente uma situação que veio a calhar e as pessoas entenderam esse nosso lado.



MV: Embora vocês tragam no som uma vasta gama de influências, também estão num selo referência mundial de hard rock, e sinto que as pessoas que acompanham os lançamentos da Frontiers Records estão sempre muito inclinadas àquele hard rock de fórmula, mais do mesmo. Aí chegam vocês, alargador, tatuagem, cabelo curto, não tão cheios de maquiagens nem obedecendo aquela cartilha tão exaustivamente explorada pelos Poisons da vida. Quero saber se estão conseguindo encontrar o público de vocês dentro do público do hard rock ou se ele está derivando de outros estilos de rock e chegando até vocês?

Ben Hur Auwarter: Você resumiu muito bem nossa visão. Não tem nada de errado em você curtir isso [hard rock de fórmula] desde que assuma que é [um gosto] engessado. Temos visto muito disso dentro da Frontiers; seus fãs não são cem por cento fãs do Electric Mob exatamente pelas nossas influências. Sempre gostei de rock, mas, por exemplo, nunca fui fã de Poison porque sempre achei muito cabelo e pouco rock e atitude, mas adoro Bon Jovi e Skid Row. Quem acompanha os lançamentos da Frontiers é a galera que não gosta de grunge, que se recusa a escutá-lo por causa daquela rixa que sei lá donde veio. Se o cara se recusa a escutar grunge porque gosta de hard rock, não posso nem tentar chegar a ele. É mais fácil fazer um cara que curte funk escutar minha música.

RZ: Não sei se outras gravadoras têm um público fiel como a Frontiers. Vejo que, por esse motivo, muitos artistas se dobram a esse público e esquecem que existe um mundo inteiro ao nosso redor e que a música é sempre o mais importante de tudo. O Electric Mob é totalmente grato à Frontiers; a gente tem uma relação muito boa com a gravadora e nunca tivemos problemas. Mas o Electric Mob é muito maior do que o Renan, o Ben Hur, o André, o Yuri e do que a Frontiers. Então a gente faz música não para esse público [da Frontiers], mas sim para todo mundo que quiser e se dispor a nos ouvir. Eu faço música porque gosto, o que é muito mais importante e prezo.

BHA: A gente nunca pensou em ser uma banda de hard rock, muito pelo contrário. Se você falar para o André: “Cara, faz essa música tipo Mötley Crüe”, ele vai mandar você tomar no c*, porque não curte hard rock. [Risos]. Nosso baixo e nossa bateria não têm nada de hard rock. É ouvir e falar: “Cara, isso não é hard...”.



MV: Fui dar uma olhada nos números de vocês no YouTube e fiquei impressionado, “Devil You Know” está com 255 mil visualizações; “Far Off” com 83 mil; “Upside Down” com 65 mil... Isso é coisa pra caramba! Tem banda veterana, carreira consolidada lá fora, que não ostenta esses números. Como bem diz o Tio Ben [de “Homem Aranha”]: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” ...

BHA: Isso me deixa até amedrontado! [Risos].


MV: Vocês conseguem dimensionar que estão situados numa posição de hiperdestaque?

RZ: Conseguimos. O problema é que não sabemos o que fazer! [Risos]. Lógico que estamos muito felizes, porque trabalhamos que nem uns filhos da p*ta para conquistar tudo isso, e é muito bom sentir esse retorno. Então se houve o atingimento dessa marca, agora é como a Dilma [Rousseff, ex-Presidente do Brasil] falava: “Dobrar a meta”. O problema é que muitas coisas aconteceram nesse ano. Lançamos o disco na pandemia, ainda não encontramos as pessoas, não rodamos para fazer com que as pessoas nos conhecessem de verdade. Somos uma banda de palco, sempre fomos, e o que mais sabemos fazer nos foi impossibilitado de realizar. Existem planos sendo traçados junto com a gravadora, também o nosso empresariamento, de como prosseguir e qual o direcionamento a tomar. Mas é muito louco não termos conseguido ainda o tempo suficiente para aproveitar todos esses frutos do “Discharge”.



MV: Em 2020, vocês estiveram em várias listas dos melhores do ano. Sei que é muita coisa, mas, de cabeça, quais foram as principais conquistas entre tudo aí que rolou com vocês?

BHA: Cara, apareci na Guitar World americana... Vi isso e fiquei: “Como assim? Eu nem me considero um bom guitarrista!” [Risos].


MV: Aí também não! [Risos].

BHA: Mas é sério. Fiquei abismado. Lembro-me de um dia que falei para o Renan: “Olha só o que esse povo da Grécia está falando do disco”. E ele ficou: “Pô, que massa!”. Não há uma conquista específica, mas é um negócio meio utópico, pois não saímos de Curitiba e nem apresentamos o show para ninguém. Estarmos em Curitiba e termos gente de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Brasil inteiro falando de nós... e então vem um cara na Grécia, outro na Alemanha, uma revista nos EUA... Só consigo pensar que até ontem eu estava aprendendo a [escala] pentatônica na guitarra!

RZ: Para mim houve três momentos que marcaram muito. O primeiro foi “Devil You Know” batendo um milhão [de streams] no Spotify. O outro foi o Eddie Trunk falando que gostou do “Discharge”; o cara é uma referência né? Sempre trabalhei para isso, mas nunca esperei chegar tão longe assim e de primeira. E o terceiro e último foi termos sido capa da playlist oficial de hard rock do Spotify e por duas vezes.


MV: Nada mal para uma banda que não é de hard rock, né? [Risos]. Considerando tudo o que vocês citaram, não acham que, de repente, o hard rock estava precisando de uma banda que nem o Electric Mob?

RZ: Acho que não. As coisas se renovam naturalmente. Não acho que estejamos revolucionando nada, nem acho que sejamos modelo para alguém. Fazemos o que queremos e o que achamos que deva ser feito, ou seja, fazer rock.

BHA: A gente nunca pensou: “Nossa, o hard rock precisa de uma banda assim. Vamos ser essa banda”. Estamos só somando ao lado de coisas boas e de pessoas que trabalharam muito. Não vou falar que tivemos sorte, pois a gente correu atrás de tudo isso. É muito bom que sejamos uma banda que represente o Brasil lá fora, mas não na posição de banda que o hard rock precisava ter.

RZ: Entendo que nós temos uma preocupação muito grande naquilo que entregamos. A gente se preocupa em mostrar algo relevante, não ser mais do mesmo, nem ser mais uma banda X ou cópia da banda Y. Queremos primar pela relevância com aquilo que temos de material, e olha que as pessoas têm demonstrado interesse nisso. A gente só agradece.



MV: O novo álbum já está a caminho, né? O que podemos esperar?

BHA: Não esperem nada de que não possamos fazer! [Risos].

RZ: O pessoal é todo o mesmo do “Discharge”. Estamos trabalhando de novo com o Amadeus [de Marchi, produtor].

BHA: O desespero para compor é o mesmo do “Discharge”. Na pandemia tivemos que ficar parados e agora estamos tendo que compor o mais rápido possível!


MV: E a pandemia rendeu a devida inspiração para o conteúdo?

BHA: Cem por cento. O Renan, o responsável pelas letras, falou que no começo da pandemia estava até meio ruim [de escrever] porque [a dor] estava muito mais forte. Hoje em dia, iguala-se a uma dor crônica: ela está ali, dói pra caramba, mas você vai lidando e aprendendo a conviver com ela. As coisas estão sedimentando-se melhor e abrindo sentimento para outras.

RZ: Acho que a pandemia veio para aflorar dois lados que tínhamos esquecido. O primeiro é o da desgraça, que nos obriga a ter que ficar em casa, muito mais propenso a notícias ruins. O segundo é o da redescoberta. Muitas pessoas se redescobriram aproveitando a própria companhia. Esses dois lados serviram muito de inspiração para o que quis dizer, para o que a banda quer dizer [nas músicas novas]. O que posso adiantar é que a banda é a mesma, o sangue nos olhos é o mesmo, o descontentamento é o mesmo e a vontade de fazer diferente é a mesma. Só as músicas são diferentes.


MV: E, se tudo der certo, vamos ter Electric Mob na estrada em breve, né?

RZ: É só o que queremos!

BHA: Com certeza! Cara, eu toco até em inauguração de terreno baldio! [Risos].



MV: Dá para perceber, falando com vocês, que rolam uma camaradagem e uma amizade pela maneira com que vocês se interagem. Mesmo com todos os estresses próprios e típicos de banda, tendo lançado um disco num ano de pandemia, sem poderem cair na estrada e tendo que pensar em várias estratégias para fazer o som de vocês ser conhecido... Como manter essa leveza?

BH: Quando começamos, não éramos melhores amigos, mas nos demos muito bem; viajávamos juntos sempre dando risadas e, principalmente, mantendo o respeito, preponderante em qualquer amizade. Nós quatro somos muito diferentes, e sempre mantivemos mais camaradagem do que amizade, do tipo de entender o outro, saber quando não esteja bem. Numa banda sempre haverá união profissional relacionada com a amizade, e manifestando-se todo o nosso sentimento.


MV: Vocês têm a mesma faixa de idade?

RZ: Mais ou menos. O Ben Hur e eu, sim. O André tem um ano a mais. Já o Yuri é quarenta e cinco anos mais velho. [Risos].

BHA: O Yuri é de 1952! [Risos].


MV: Então ele é o Mick Mars da banda! [Risos].

BHA: É!

RZ: A diferença dele para o Mick Mars monta a alguns milhões de dólares.

BH: E o Mick Mars toca guitarra, e ele, baixo.

RZ: Ele é um amor, só é ranzinza pra caramba! [Risos].

BHA: Quando começamos a banda, em 2016, eu estava ali com meus 22, 23 anos. A gente fazia os shows e aí sempre vinham as tiazinhas e os tiozões querendo saber nossa idade. “Vinte e dois.” “Nossa, mas vocês são bebezinhos ainda!” E não mudou nada de lá para cá. O tempo passou, mas continuamos os mesmos “retardados” de nossos 15 anos! [Risos]



MV: Depois dessa confissão, só me resta perguntar o quanto vocês são fãs de Hermes e Renato.

RZ: Não há como qualquer pessoa que nasceu entre 1986 e 1994 não gostar de Hermes e Renato. Não tem como!

BHA: O Renan quase explodiu com a gente gravando o clipe [de “Higher Than Your Heels”] com o Felipinho [Felipe Torres]. A hora que o viu [caracterizado] de Boça, só olhou para mim parecendo uma criança!

RZ: É porque marcou, né? É parte da minha vida! 

BHA: É que “nós” é fluente em três línguas: “nós” fala português, inglês e bosta! [Risos].


MV: Hermes e Renato é minha vida. Já vi que quando nos encontrarmos vai sair muita m*rda! [Risos].

BHA: Cara, m*rda com m*rda dá uma m*rda muito linda! [Risos].



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