ENTREVISTA: Kevin Wynn relembra treta do Tysondog com o Venom e revela apreço pelo Brasil

 


O ano era 1983. Os amigos Alan Hunter, Paul Burdis e Kevin Wynn tocavam em uma banda chamada Orchrist quando decidiram renomeá-la Tysondog. Juntaram-se ao trio o vocalista John Paul “Clutch” Carruthers e o baterista Ged Wolf. 

Seu álbum de estreia, “Beware of the Dog” (1984 – leia a resenha aqui), foi bem recebido pela crítica e ajudou a consolidar sua reputação. O mais pesado “Crimes of Insanity” (1986 – leia a resenha aqui) continuou a expandir seu alcance. No entanto, devido a mudanças na indústria fonográfica e problemas internos, o grupo encerrou suas atividades no final da década de 1980, deixando para trás um legado de músicas poderosas e uma contribuição significativa para o metal britânico.

Reformado em 2008 pelas mãos de Burdis e Wynn, o Tysondog segue na ativa e lançou mais dois discos: “Cry Havoc” (2015) e “Midnight” (2022), sendo este a saideira de Clutch, que morreu pouco tempo depois de o trabalho chegar às lojas. 

Em razão do recente relançamento de “Beware” e “Crimes” pela parceria Voice Music/Rock Brigade Records como parte da Neat Series / Rare Archives, conversei com Wynn a respeito disso e mais.

Boa leitura!


Transcrição: Leonardo Bondioli

Fotos: Facebook.com/tysondog.co.uk


O nome Tysondog é lembrado com carinho por muitos headbangers brasileiros da velha guarda. Tanto “Beware of the Dog” quanto “Crimes of Insanity” tiveram edições em vinil e CD por aqui, incluindo essas [mostro] mais recentes. Como é saber que o seu trabalho é apreciado do outro lado do Atlântico?

Aqui está um tesouro valioso [mostra], que é uma carta, uma das primeiras que recebemos, do Eduardo Bonadia [cofundador da revista Rock Brigade, falecido em 5 de janeiro de 2020]. É de setembro de 1984, e eu a guardei, então isso responde à sua pergunta. Sinceramente, é a maior honra. Não podíamos acreditar que pessoas do Brasil sabiam da existência do Tysondog! [Lê a carta] “Morte aos fracos, morte ao falso metal!” [Risos.] Ainda tenho exemplares da Rock Brigade em que aparecemos. Sou um verdadeiro acumulador, guardo tudo, como você pode ver; tenho memorabilia por todos os lados e até uma cópia [em vinil] da edição brasileira de “Beware of the Dog”. Mas ainda não consegui essas [novas edições em CD], então preciso pegá-las! [Risos.] 


Ainda assim, vocês só vieram ao Brasil uma vez, em 2017.

Pois é, e muitas coisas deram errado [na viagem]. Houve uma confusão com os voos, então tivemos que sair de Manchester para Nova York, e ir de Nova York para São Paulo. Na volta, voamos para Atlanta, de lá para Nova York e de Nova York para Manchester! [Risos.] Mas valeu a pena. Com exceção do Clutch comunicando sua aposentadoria, foi uma experiência fantástica. 

Temos conversado com o Silvio Rocha da Open the Road [Agency], vendo de voltar ao Brasil, talvez no final deste ano ou no início do ano que vem. O Silvio tem nos ajudado bastante a promover a banda, e quando tocamos [no Brasil] com o Anvil foi fenomenal. Infelizmente, ficamos pouco tempo por aí, e ainda sofremos em razão do voo extremamente longo e do fuso-horário. 



Numa entrevista para a Metal Forces, em 1985, o Cronos, vocalista e baixista do Venom, disse que o Tysondog era “uma porcaria, uma cópia de Judas Priest”.

Pode crer, eu me lembro disso! [Risos.] Mas toda essa treta entre nós e o Venom foi uma jogada de marketing orquestrada pelo nosso empresário, que também era empresário do Venom, Eric Cook. Tanto que o Cronos produziu o álbum [“Beware of the Dog”], o Jeff [Dunn, o guitarrista Mantas] participou de “Cry Havoc” e o Tony [Bray, o baterista Abaddon] tocou conosco no Hard Rock Hell III [em 2009], no País de Gales, e saiu em turnê conosco.

Olhando em retrospecto, vendo como Blur e Oasis fizeram a mesma coisa [nos anos 1990], foi uma ótima ideia do Eric ter nos colocado como rivais na imprensa. Mas havia um fundo de verdade nas declarações do Cronos. Particularmente, não vou muito com a cara dele.

Aliás, acho gozado o Venom ser criticado por não serem músicos muito bons, sendo que o Jeff é um guitarrista fantástico, além de ser um dos caras mais inteligentes que conheço. 


E a treta com o Atomkraft? Também foi orquestrada?

Começou quando quisemos um som de bateria melhor, um baterista que tocasse mais pesado. Ged [Wolf] tinha apenas 17 anos quando gravou o “Beware of the Dog”, então por mais que fosse um bom baterista, não tocava pesado o suficiente para nós. Daí o dispensamos e trouxemos um substituto [Rob Walker]. Ged acabou se juntando ao Atomkraft com [o vocalista e baixista] Tony Dolan, e o Atomkraft vivia rasgando os cartazes [de divulgação] do Tysondog e vice-versa. Mas hoje somos bons amigos. Creio que muitas bandas se dão melhor hoje do que nos anos 1980, mas foi uma época divertida. Você tinha boas bandas tocando quase todas as noites da semana. Você poderia assistir ao Raven numa noite e ao Tygers of Pan Tang na noite seguinte.



Todas essas bandas que você citou tiveram álbuns relançados recentemente no Brasil, o que sinaliza que há um crescente interesse na cena da NWOBHM por aqui.

É uma cena vibrante e que ainda desperta o fascínio das pessoas. Em 2017, tocamos num festival [Blast from the Past] na Bélgica com Demon, Diamond Head, Girlschool, Stampede e muitas outras bandas [dos anos 1980] que seguem na ativa, o que é muito bom.


“Dead Meat” é a minha música favorita no “Beware of the Dog”. A letra é um ataque à então primeira-ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher, e ao modelo econômico por ela estabelecido. Passadas quase quatro décadas desde o lançamento, você diria que a situação como um todo para aqueles que estão na base da pirâmide melhorou, piorou ou permaneceu a mesma?

Acredito que melhorou, porque nos idos de 1978, 1979, na Grã-Bretanha de Thatcher, o trabalhador comum simplesmente não tinha emprego, não havia vagas, e muitas pessoas dependiam da assistência social. A pobreza era desconcertante. Estaleiros fechando as portas, minas de carvão sendo desativadas. Dias sombrios e miseráveis. Hoje, há muito mais oportunidades, e muitas pessoas simplesmente escolhem não trabalhar e viver de auxílio do governo. 

Antes de o Clutch se juntar à banda, “Dead Meat” era a minha música. Eu costumava cantá-la nos ensaios e nos shows. É uma das minhas músicas favoritas até hoje e é, definitivamente, uma música que, se estivermos tocando para uma plateia bem agitada, faz todo mundo enlouquecer! [Risos.]



É quase unânime a noção de que o “Crimes of Insanity” promove uma aproximação com o thrash metal, que estava em ascensão especialmente nos Estados Unidos. Foi um movimento consciente?

Sempre fomos uma banda bastante pesada. Músicas como “Day of the Butcher” simplesmente esfregam a sua cara no chapisco; tanto que tínhamos dificuldade em tocá-la ao vivo porque não conseguíamos pronunciar as palavras rápido o suficiente, ela é acelerada demais. Dito isso, “Beware of the Dog” foi lançado cinco anos antes de o thrash metal ser uma realidade. No “Crimes of Insanity”, “Taste the Hate”, “Don’t Let the Bastards Grind You Down” e “Smack Attack” são músicas que têm uma pegada mais thrash, mas não foi um movimento consciente, apenas aconteceu. Ainda tocamos “Taste the Hate” e “Don’t Let the Bastards Grind You Down”; são presenças constantes no setlist.


De todas as músicas de “Crimes of Insanity”, a que mais chama a minha atenção é “The Machine”. Na letra, é como se vocês estivessem dizendo que o fim da banda estava próximo. Confere?

É isso mesmo. “The Machine” é sobre a indústria fonográfica, uma máquina que precisa ter as engrenagens no lugar, caso contrário, não funciona. 

Naquela época, por mais que estivéssemos nos aproximando do patamar de Iron Maiden, Metallica e Motörhead, éramos apenas filhos da classe trabalhadora e nos víamos como tal. Não pensávamos estar nos tornando astros do rock. Nunca tivemos groupies e traficantes no nosso camarim. Nunca fomos tomados por esse deslumbramento. No começo, o Metallica era assim também, e tomava o Raven e o Venom como exemplos de conduta. 

Mas estou bastante satisfeito com a forma como as coisas se desenrolaram para nós. Foi bom, todos nós seguimos em frente, constituímos família e tivemos outras carreiras fora da música. Se tivéssemos feito sucesso, eu poderia ter morrido de overdose num quarto de hotel cercado por prostitutas! [Risos.] 



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