ENTREVISTA: As perguntas a Joél Cirera (ex-Crazy Lixx) que não envelheceram como leite



Na tarde de 26 de fevereiro, realizei uma boa entrevista com Joél Cirera, baterista e último remanescente, além do vocalista Danny Rexon, da formação original do Crazy Lixx. Mal sabia eu àquela altura que estava conversando com um músico na bica de dar o fora da banda. 

O próprio Cirera confessou a mim, quando de nosso encontro pessoalmente no Glam Fest BR em 17 de março que o show na capital paulista seria um de seus últimos, que sua saída do grupo já havia sido sacramentada. Desejei-lhe boa sorte, mas na minha cabeça o pensamento era um só: metade do papo que batemos havia envelhecido como leite. Perguntas (e respostas) acerca do futuro do Crazy Lixx? Esqueça. É uma cilada, Bino.

Removidas as seções coalhadas, restam boas observações do músico acerca da cena hard rock escandinava dos anos 2000 e do mais recente lançamento da banda, o catadão de remixes “Two Shots at Glory”, que chega ao Brasil com distribuição da Shinigami Records.

Boa leitura!


Por Marcelo Vieira

Fotos: Divulgação/Frontiers Records


O Crazy Lixx faz parte da cena de hard rock sueca do início dos anos 2000. Para nós, de outros países, pareceu que da noite para o dia surgiram na Escandinávia várias bandas tentando trazer de volta a vibe do glam metal dos anos 80. Obviamente, não foi bem assim. Como esse movimento tomou forma?

Bem, isso não está muito longe da verdade, exceto quando se trata de nós, porque eu, Danny e Vic [Zino, guitarrista], que toca no Hardcore Superstar há uns 15 anos, chegamos a ter uma banda, mas era uma mistura de todos os subgêneros do metal e coisas assim. Partiu do Danny a ideia de tocar músicas de que ele gostava dos anos 1990 e do final dos anos 1980. Daí ele conseguiu trazer o Vic a bordo e depois eu. E foi somente um ano depois ou algo assim que ouvimos falar do Crashdïet. Ficamos de cara ao descobrir que havia outras bandas além de nós fazendo esse tipo de coisa. E quando o Crashdïet lançou seu primeiro disco [“Rest in Sleaze” (2005)], de repente toda a onda Sleaze tomou conta da Suécia. Então houve muitas bandas surgindo. E claro, cresceu, como tudo que se torna popular. Todo mundo quer pegar carona, qualquer que seja o rótulo; neste caso, sleaze metal. E assim as bandas surgiram, mas nós fomos uma das primeiras. E tirando o Crashdïet, pelo que sei, não restam muitas outras bandas daquela época ainda por aí.


E como você vê a cena escandinava hoje em dia? Mudou muito em comparação com o que era há duas décadas?

A maior diferença é que as bandas não querem mais ser rotuladas de sleaze porque isso virou meio que um demérito. Ninguém mais quer ter uma banda de sleaze. E acho que muitas pessoas pensavam que as bandas de sleaze se resumiam ao cabelo armado, à maquiagem e a parecerem garotinhas. De repente todo mundo se cansou disso e ninguém mais quer ser rotulado assim. Mas independentemente disso, sinto que a cena musical agora está forte, especialmente quando se trata de bandas que tocam mais o estilo AOR e fazem algo que misture o sleaze com o hard rock dos anos 1980. Quer dizer, há bandas como o Cruel Intentions da Noruega fazendo um trabalho fantástico. Há o Wildness. Lógico, há bandas como o H.E.A.T., que está por aí há quase tanto tempo quanto nós. A cena musical permanece forte. Apenas não é mais chamada de sleaze. Virou hard rock.



A página do Crazy Lixx na Wikipedia lista como influências bandas como Guns N’ Roses, Aerosmith, Kiss, Whitesnake, Alice Cooper, Def Leppard e Mötley Crüe. Essas influências permanecem as mesmas ou você sente que outros nomes ou estilos foram incorporados à música do Crazy Lixx com o tempo?

Acho que quando se trata de bandas como o Kiss, ainda tem uma influência bastante significativa. Danny escreve mais ou menos 90% das músicas e eu sei que ele é um grande, grande, grande fã de Kiss e de Bon Jovi. A coisa do Aerosmith foi provavelmente mais na época do nosso antigo guitarrista, Andy [Zäta], que costumava escrever algumas músicas muito inspiradas pelo Aerosmith. Os álbuns que fazemos hoje têm muito de Kiss. Os refrães grandiosos e coisas assim são típicos do Kiss e do Def Leppard, mas também acho que há um pouco mais de peso nos últimos álbuns. Do “Ruff Justice” (2017) até agora, temos, gradualmente, nos tornado um pouco mais pesados. Se eu fosse fazer uma comparação, provavelmente diria que soamos mais como o Ozzy Osbourne dos anos 1980 do que com o Poison.


Você mencionou que o Danny escreve 90% das músicas. Como é o processo de composição no Crazy Lixx?

O Danny escreve em casa. Não somos uma banda e percebemos isso há muitos anos, na verdade. Quero dizer, já faz mais de 10 anos desde a última vez que trabalhamos assim, sentar juntos em uma sala de ensaios e compor músicas, tentar um riff e tocá-lo por horas a fio. Não fazemos isso desde os dias do Vic, mais ou menos. Talvez no primeiro ano com o Andy, quando gravamos o álbum “New Religion” (2010) também. Costumávamos ensaiar bastante naquela época, mas a ideia de fazer tudo na sala de ensaios está morta há muito tempo. É melhor para o Danny ir para casa, trabalhar sozinho, fazer a bateria do computador e coisas assim, e depois nos enviar de volta e perguntar, “ei, o que vocês acham disso?” E então podemos dar nossa opinião no processo todo. Ao mesmo tempo, não é como se ele não estivesse aberto a ideias. Às vezes ele concorda e às vezes não. Então esse é o processo, mais ou menos, para nós.



Em 2009, o Crazy Lixx assinou um contrato com a Frontiers Records, onde vocês permanecem até hoje. Você poderia falar um pouco sobre essa parceria?

Oh, tem funcionado bem. Quero dizer, há uma razão pela qual ainda estamos com eles. Acima de tudo, eles nos permitem ter liberdade criativa. Eles não nos dizem para soarmos como esses ou aqueles caras e fazer isso ou aquilo. Eles sabem o que estão recebendo. O Crazy Lixx é meio que especificado em gênero quando se trata do que estamos fazendo. Não há como fazermos um álbum estilo Rammstein, por exemplo. E a Frontiers também sabe disso. Então, para nós, tem funcionado bem. Eles nos dão orçamentos melhores do que a maioria das gravadoras quando se trata de gravar um álbum ou coisas assim. E eles são muito solidários, tanto quanto podem ser. As gravadoras hoje não têm o poder que costumavam ter, a menos que você seja uma das cinco grandes gravadoras que existem e controlam tudo mais ou menos. Mas eles têm sido ótimos conosco e estamos muito felizes por ainda estarmos com eles.


De que maneiras a crescente proeminência de Danny como produtor para a Frontiers auxilia nos trabalhos do Crazy Lixx?

Eu conheço o cara desde que eu tinha 18 anos, o que parece fazer 100 anos, mais ou menos. Então, para mim, apenas vejo que ele melhorou no que faz. Discussões sempre surgirão em uma situação em que você está gravando um álbum e todos, é claro, têm sua opinião sobre as coisas. Mas como produtor, ele conhece nossas forças. Ele conhece nossas fraquezas e tenta reparar isso. Às vezes ele tem que ser um pouco duro, o que qualquer produtor tem que ser. E você tem que aceitar. No final do dia, ele é quem escreve as músicas. Ele sabe mais ou menos como quer. E é como eu disse antes, ele está aberto para o diálogo se estamos em uma situação de gravação. Eu sei, por exemplo, quando gravamos o último álbum, “Street Lethal” (2021), ele na verdade estava me incentivando a fazer ainda mais viradas e fazer mais coisas na bateria e coisas assim. E eu tive que pará-lo e dizer, “não, não, você está arruinando a música. Não pode haver tantas viradas aqui”. Mas ele entendeu meu ponto. Ele não é Hitler, por assim dizer.



Você disse que falar sobre o novo álbum “Two Shots at Glory” com você não seria muito útil, já que você fez tão pouco nele. Você poderia explicar um pouco mais?

Bem, o álbum foi meio que uma ideia do Danny. Começa pelo fato de “Riot Avenue” (2012) ter sido um álbum estranho porque carecia de texturas que anterior, “New Religion”, tinha. Então ele teve essa ideia de fazer uma coletânea de remixes e coisas assim. E nós pensamos, “sim, claro. Boa ideia”. Mas como são apenas remixes, exceto pelas músicas novas “Invincible” e “Two Shots at Glory”, ficou tudo meio que a cargo do Danny. E nós dissemos que tudo bem porque nem sempre estamos muito a fim de sentar no estúdio para fazer mixagens e coisas assim. Então foi consensual: “ok, deixemos o Danny fazer isso”. É por isso que não estou tão envolvido. E não sei muito sobre como se deu o processo. Dito isso, acho que “Invincible” é uma das melhores músicas que já fizemos.


Na sua opinião, os remixes fazem justiça às faixas do álbum “Riot Avenue”?

Sim, fazem. Tipo, sempre sou um pouco cauteloso quando se trata de novas mixagens. Em se tratando das minhas bandas favoritas dos anos 1990, como Pantera, Megadeth e outras, realmente não dou a mínima para novas mixagens de músicas. Mas, quando se trata de nossas músicas, especialmente as do álbum “Riot Avenue”, acho que o Danny fez um bom trabalho. Acho que ele elevou o nível para o que deveria ter sido naquela época. De qualquer forma, todo mundo tem sua opinião. Então você pode ir a qualquer página do Facebook que haverá pessoas discutindo sobre o álbum e alguém vai dizer que o adora. Outra vai dizer que acha que o som é ruim, e está tudo bem; todo mundo tem sua própria opinião. Mas se você me perguntar, eu acho que as músicas estão melhores. Elas soam melhor do que soavam quando o “Riot Avenue” saiu. E as novas músicas, como eu disse, para mim, “Invincible” é uma das melhores que já fizemos. “Two Shots of Glory” é legal, também. E o cover [de “Sword and Stone”] do Kiss que fizemos acabou ficando muito, muito bom.




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